A agroindústria de frutas como a exótica goiaba, ligada ao imaginário popular como uma planta de quintais e pomares de subsistência, têm mostrado um movimento acelerado de profissionalização. Originária do México e do Amazonas Colombiano, no mundo ela é chamada de guayaba, guayave, guava, amrud.
Mas é no Brasil que fica a maior processadora de goiaba vermelha do planeta, a Predilecta, com sede em Matão (SP), uma marca de resistência nas prateleiras que se mantém fiel à fruta desde 1990. A goiabada, um doce icônico, resiste ao tempo e se reinventa no berço. “Nosso maior bem realmente é o campo”, diz Bruno Trevizaneli, 34 anos, diretor agrícola do Grupo Predilecta e segunda geração no comando da empresa, junto com o irmão Lucas.
Para ficar no negócio da família, Bruno escolheu ser engenheiro agrônomo. Há 15 anos na empresa, desde que entrou na Unesp (Universidade Estadual Paulista), a poucos quilômetros de casa, ele está na lida. Tornou-se um especialista em solos e nutrição de plantas.
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A sustentabilidade dos processos, a pesquisa, as práticas agrícolas, as tecnologias e o marketing para seduzir gerações de consumidores no país, principalmente nos grandes centros urbanos, e também no exterior, é uma tarefa cheia de desafios para uma cadeia coalhada de pequenos produtores.
A agroindústria precisa provar-se sustentável. Os dados mais recentes da cadeia da fruta registram um valor de produção de R$ 1 bilhão em 2020, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), crescimento de 25% na comparação com os três anos anteriores. A produção é de 566,2 mil toneladas da fruta, em 22 mil hectares de pomares nas mãos de cerca de 11 mil produtores rurais.
Embora a fruta possa ser produzida o ano todo, como é o caso dos parceiros da Predilecta, a safra normal da goiaba terminou no final do mês passado. A Forbes conversou sobre os desafios dessa cadeia com Bruno. A empresa também produz, além do doce de goiaba, atomatados e vegetais em conserva em quatro fábricas nos estados de São Paulo e Minas Gerais, uma delas comprada da multinacional Bunge. Outra quinta unidade está nos projetos. Bruno tem uma equipe de 12 pessoas diretamente ligadas ao tema sustentabilidade. Confira a entrevista:
FORBES: Os consumidores têm cobrado da indústria de alimentos ser mais sustentável, ser mais ESG. Como lidar com a água, por exemplo, um dos dos insumos que mais impactam as sociedades?
BRUNO TREVIZANELI: Muitas pessoas acham que o agronegócio depreda o campo. Mas o nosso maior bem realmente é o campo porque de lá que vem todas as matérias-primas para o nosso negócio.
Monitorar contaminação de água e de solo é nosso maior trunfo. Nós produzimos para marcas como Nestlé, Coca-Cola, para grandes redes como Carrefour, Walmart. Somos acompanhados nas rotinas.
F: A agroindústria que vocês comandam tem uma grande quantidade de pequenos produtores. Quem são eles?
BT: Na produção de goiaba são cerca de 350 produtores em São Paulo e Minas Gerais. E explico que são pequenos produtores muito diferente de falar em pequenos produtores de milho doce, que é para conserva, ou de tomate. Na goiaba são microprodutores.
E aí quando eu falo micro pode entender como aquela foto da família com pai, mãe, filho, cunhada. São cerca de 1.000 hectares em São Paulo. De milho doce são cerca de 200 produtores e cerca de 70 produtores de tomate.
F: Como ser sustentável em pequenas propriedades?
BT: É preciso fazer parcerias, porque nós também dependemos de que os produtores sejam sustentáveis. Para esses pequenos produtores nós fornecemos as mudas de plantas, sementes, todos os insumos agrícolas. Recomendações técnicas também passam pelo nosso time, colheita e transporte.
F: Quantas toneladas de produtos são processados por ano hoje?
BT: De goiaba são cerca de 70 mil toneladas, 250 mil toneladas de milho doce e 320 mil toneladas de tomate, que foram os números de 2021.
F: No caso do monitoramento da água, ele só ocorre no campo?
BT: Não, ele vai até o processamento da fruta. A água das frutas, das quebras no transporte, com uma alta carga orgânica, é tratada e vai para a compostagem. Com isso, deixamos de captar por ano cerca de 70 milhões de litros que ficam recirculando dentro do sistema, da lavagem das frutas ao maquinário. A gente concentra as frutas, que nada mais é do que retirar água, que é filtrada e reutilizada. Quando devolvemos a água para os rios ela é mais limpa do que quando captamos.
F: Qual outra sustentabilidade que considera essencial na agroindústria?
BT: Termelétrica para nós é sustentabilidade, simplesmente porque a energia é oriunda da biomassa. Uma parte da produção do vapor vem da queima do eucalipto, principalmente.
Mas, para sair da concorrência com a celulose, no último ano estamos numa corrida por alternativas, como palha da cana, casquinha de soja. Podem ser restos de culturas de empresas que limpam terrenos, parques, canteiros nas cidades, que de toda forma queimaria esse resíduo. No ano passado montamos uma termoelétrica que gera energia para cinco fábricas e ainda sobra para vender na rede.
Agora, estamos estudando implantar energia solar com instalação de painéis, que ainda não decidimos se será nos telhados das fábricas ou em algum terreno vizinho. E também qual a viabilidade econômica, porque é um projeto caro.
F: Quais os marcos da corrida pela sustentabilidade que considera na sua história?
BT: É difícil falar em um marco, porque são 30 anos. No agro, tudo é um processo. Não existe uma data, existem atitudes e tarefas que a gente vai executando, melhorando, aprimorando os processos. Por exemplo, um parceiro de campo precisa ter outorga da água, mão de obra treinada para isso.
Nas plantações, há medidores que a gente instala no solo para saber quanto de água aquela planta precisa para determinada fase, por exemplo crescimento. Irrigar não é molhar a planta, irrigar é colocar a quantidade de água na hora certa: nem faltar e nem colocar água demais. Isso é ser sustentável. Monitoramento da água e sensores levam a uma economia entre 20% e 30%.
F: Por onde passa a segurança dos alimentos?
BT: Além do uso racional da água e da conservação do solo é fundamental o manejo de pragas e doenças com uso de defensivos biológicos ou com baixa toxicidade. Nós iniciamos o controle biológico com drones, fazendo as solturas de insetos controladores de outros insetos que são pragas nos cultivos.
F: A agricultura 4.0 pode mudar a realidade do campo?
BT: Se a gente não estiver antenado na agricultura 4.0, na indústria 4.0 vamos todos ficar para trás. O campo está investindo, buscando eficiência e produtividade.
Tudo é benéfico para o equilíbrio do negócio, porque hoje o produtor quer produzir, mas ele pensa no impacto ao meio ambiente, ele começa a buscar conectividade. Ele é um profissional que recebe uma carga de dados absolutamente grande em relação há 10 anos. Dados são importantes e a gente está num momento de muita tecnologia disponível.
É preciso se preparar, porque pode faltar gente dentro das porteiras e dentro das fábricas nos próximos anos. Em que espaço de tempo nós vamos estar montado dentro de uma Ferrari sem ter um piloto capaz de pilotar o carro?
F: Na sua visão, o consumidor enxerga esse esforço?
BT: Temos hoje 17 marcas e um público bem elástico. No país, o doce de goiaba já não é tão barato, por causa dos insumos além da fruta, como o açúcar. Na exportação enviamos para 63 países, de culturas muito diferentes, como Estados Unidos, Portugal,
Espanha, Itália, Holanda e Alemanha.
Também vai para países como Egito, África do Sul. Angola, e um pouco para China, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Há as comunidades brasileiras, mas também é visto nesses países como um doce exótico de um país tropical e aí é preciso vender junto a segurança do produto.
Hoje, além do doce, um mercado em crescimento é o da polpa para multivitamínicos. A goiaba tem até seis vezes mais licopeno e seis vezes mais vitamina C que a laranja. Mas é uma fruta pouco difundida em nível global e esse é outro grande trabalho.
O post Bruno Trevizaneli: da goiaba à goiabada, o desafio do doce sustentável apareceu primeiro em Forbes Brasil.