Com sanções à Rússia, escassez de fertilizantes ameaça oferta global de alimentos

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Michaela Rehle

Lavoura na Alemanha

Os preços altíssimos dos fertilizantes levam agricultores em todo o mundo a reduzir o uso do insumo e a área plantada, consequências do conflito Ucrânia-Rússia que alertam sobre riscos de escassez de alimentos, segundo especialistas do setor agrícola.

As sanções ocidentais contra a Rússia, grande exportadora de potássio, amônia, ureia e outros nutrientes do solo, interromperam os embarques desses importantes insumos para todo o mundo. O fertilizante é fundamental para manter os rendimentos elevados de milho, soja, arroz e trigo. Os produtores estão buscando se ajustar.

O ponto central pode ser visto no Brasil, potência agrícola onde alguns agricultores estão aplicando menos fertilizantes em seu milho, e alguns parlamentares estão pressionando para abrir terras indígenas protegidas para a mineração de potássio. No Zimbábue e no Quênia, os pequenos agricultores estão voltando a usar estrume para nutrir suas plantações. No Canadá, um agricultor de canola já estocou fertilizantes para a temporada de 2023, antecipando preços ainda mais altos à frente.

Agricultores em outros lugares estão fazendo movimentos semelhantes. A Reuters conversou com 34 pessoas em seis continentes, incluindo produtores de grãos, analistas agrícolas, comerciantes e grupos agrícolas. Todos expressaram preocupação com o custo e a disponibilidade de fertilizantes.

Somente nos Estados Unidos, as contas de fertilizantes devem saltar 12% este ano, após um aumento de 17% em 2021, de acordo com dados da Federação Americana de Agricultura e do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).

Alguns produtores estão pensando em mudar para culturas que exigem menos nutrientes. Outros planejam cultivar menos área plantada. Outros dizem que simplesmente usarão menos fertilizantes, uma estratégia que especialistas preveem que prejudicará os rendimentos.

A produção está em maior risco em países em desenvolvimento, cujos agricultores têm menos recursos financeiros para enfrentar a crise, afirmou Tony Will, presidente-executivo da CF Industries Holdings, com sede em Illinois, líder na produção de fertilizantes nitrogenados.

“Minha preocupação no momento é, na verdade, uma crise alimentar global”, disse Will à Reuters.

No sábado, o Peru declarou estado de emergência em seu setor agrícola por temores de insegurança alimentar.

O decreto informa que as áreas plantadas do país caíram 0,2% desde agosto devido ao aumento dos preços dos fertilizantes, e que o volume de grãos importados pelo Peru para ração animal também diminuiu por preocupações com custos. O governo está agora elaborando um plano para aumentar a oferta de alimentos do país.

GOLPE DUPLO

Os preços globais de fertilizantes já estavam altos antes da invasão russa à sua vizinha em 24 de fevereiro, com preços recordes de gás natural e carvão forçando alguns fabricantes de fertilizantes a reduzirem a produção em setor ávido por energia. Cidades da Ucrânia estão sitiadas por mísseis, tanques e tropas no que Moscou chamou de “operação especial” para desmilitarizar o país. A Rússia nega ter civis como alvo no conflito.

As nações ocidentais responderam com duras sanções econômicas à Rússia, e Estados Unidos e União Europeia impuseram novas sanções ao presidente bielorrusso Alexander Lukashenko, que tem apoiado a ofensiva da Rússia.

Juntas, Rússia e Belarus responderam por mais de 40% das exportações globais de potássio no ano passado, um dos três nutrientes essenciais usados ​​para aumentar o rendimento das colheitas, disse o holandês Rabobank neste mês. Além disso, a Rússia respondeu por cerca de 22% das exportações globais de amônia, 14% de ureia e cerca de 14% do fosfato monoamônico (MAP) –todos importantes tipos de fertilizantes.

As sanções prejudicaram as vendas de fertilizantes e colheitas da Rússia. Muitos bancos e comerciantes ocidentais estão evitando os suprimentos russos por medo de entrar em conflito com as regras em rápida mudança, enquanto as empresas de navegação estão evitando a região do Mar Negro devido a preocupações de segurança.

Tudo isso equivale a um golpe duplo para o suprimento global de alimentos.

Rússia e Ucrânia são grandes produtoras de grãos. Juntas, representam cerca de 30% das exportações globais de trigo e 20% das exportações de milho. Os embarques de grãos através do Mar Negro já foram interrompidos. As entregas paralisadas desses dois países ajudaram a estimular a inflação global de alimentos.

Mas a crise de fertilizantes é, em alguns aspectos, mais preocupante porque pode inibir a produção de alimentos no resto do mundo, disse Maximo Torero, economista-chefe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

“Se não resolvermos o problema de fertilizantes e o comércio de fertilizantes não continuar, teremos um problema muito sério de abastecimento [de alimentos] no próximo ano”, disse Torero à Reuters.

BRASIL EM RISCO

O Brasil, maior exportador de soja do mundo, depende muito de fertilizantes importados, como potássio, que respondeu por 38% dos nutrientes utilizados no ano passado. Rússia e Belarus foram a fonte de metade desses carregamentos.

Antes do conflito Ucrânia-Rússia, os agricultores brasileiros já estavam reduzindo as plantações de milho devido ao aumento dos preços dos fertilizantes. O cultivo de soja provavelmente também será impactado, com os produtores expandindo mais lentamente do que em anos anteriores, de acordo com a Agroconsult.

No Estado do Mato Grosso, o agricultor Cayron Giacomelli disse à Reuters que já reduziu o uso de fertilizantes em sua atual safra de milho. Ele afirmou que fará o mesmo quando plantar soja mais à frente neste ano, um movimento que ele acredita que pode reduzir sua colheita em pelo menos 8%.

Giacomelli disse que está difícil conseguir fertilizante e que alguns revendedores não finalizarão as vendas até que os navios de carga atraquem no Brasil. Ele ainda está lamentando por não ter fechado uma compra que estava negociando pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia. “Me distraí e agora estou pagando mais”, disse Giacomelli.

Enquanto isso, parlamentares de Estados agrícolas brasileiros estão pressionando por uma legislação que abra terras indígenas na Amazônia à mineração de potássio. Essa medida é contestada por membros da comunidade local Mura, que dizem que a mineração roubaria o habitat natural do qual eles dependem.

MENOS ACRES, MENOS FERTILIZANTE

Nos Estados Unidos, o agricultor de quinta geração do Novo México, Mike Berry, tem preocupações semelhantes. Recentemente, ele pagou 680 dólares a tonelada por nitrogênio líquido para fertilizar sua safra de milho, um preço “exorbitante” que ele disse estar 232% acima do valor do ano passado.

Berry disse que planeja cortar suas plantações de milho na primavera para alimentação do gado para cerca de 300 acres de seus habituais 400 a 600 acres. Ele afirmou que também reduzirá as aplicações de nitrogênio líquido em cerca de 30%, o que pode diminuir sua produtividade em 25%.

Conclusão: “Vamos produzir menos”, disse ele.

Isso pode parecer contraditório, considerando que os preços das commodities aumentaram acentuadamente nas últimas semanas.

Mas o custo do cultivo está superando a receita potencial de muitos agricultores.

“As decisões de plantio estão cada vez mais sendo tomadas não com base nos fundamentos do mercado, mas sim no custo de produção impulsionado pelo preço e oferta de fertilizantes”, escreveram dezenas de legisladores dos EUA em uma carta de 17 de março à Comissão de Comércio Internacional dos EUA.

Eles buscavam isenção de impostos sobre as importações de fertilizantes do Marrocos e Trinidad e Tobago.

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