Desafios poéticos e radicais de Amelia Toledo

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Foto: Cortesia Galeria Nara Roesler

A instalação “Caminhos das Cores”, composta de 38 peças de juta pintada

Ainda em plena adolescência no final dos anos 30, Amelia Toledo (1926–2017) jogou a escola para o alto para aprender sobre arte nas aulas ministradas por Anita Malfatti, a pioneira do Modernismo no Brasil. Foi assim o primeiro passo da trajetória de cinco décadas dessa mulher de espírito rebelde, humanitário e experimental (seus pais eram cientistas) que se tornou a pioneira da arte conceitual do país.

Transitando entre pintura, desenho, escultura, gravura, instalação e design de joias, sua obra conquistou vários prêmios a começar pela menção honrosa que recebeu em 1963 em sua primeira de cinco participações na Bienal de São Paulo. Seus trabalhos estão nas coleções de nossos maiores museus assim como na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Em 2021, montamos em nossa galeria de Nova York, “Amelia Toledo: 1958–2007”, uma retrospectiva post-mortem com curadoria de Luis Pérez-Oramas muito bem recebida pela crítica local pelo fato de sua narrativa muito atual criar um diálogo entre estética e natureza.

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Figura decisiva para a expansão e diversificação da expressão artística em nosso continente, Amelia investigou questões radicais, usou seu próprio corpo como campo de experiências, desenvolveu sua poética em diversos meios e estudou a fundo a teoria da cor, conforme se vê na exploração cromática da série de telas e instalações de juta. Sempre com a firme intensão de expandir os cânones da arte, sua mente inquieta via o planeta como um parque para suas experiências híbridas explorando materiais industriais (aço inox, resina de poliéster, vidro soprado, óleos coloridos, fibra de vidro, concreto, etc.) conjugados a elementos da Mãe Natureza como a pedra, com a qual tinha uma relação quase de entidade oracular. Esse embate de materiais está no cerne da instalação “Caminho das cores do escuro” (2001/2021), uma chapa de aço inox polido em formato curvo que reflete e, ao mesmo tempo distorce, a paisagem formada por um jardim de pedras brasileiras de diversas matizes (fuchsita, quartzito verde, quartzo rosa, quartzo branco e malaquita).

Foto: Erika Mayumi. Cortesia Espólio Amelia Toledo e Galeria Nara Roesler

Instalação “Caminho das Cores do Escuro”

Em meados dos anos 80, o crítico de arte Casimiro Xavier de Mendonça no leito de morte pediu à amiga que um dia criasse um palácio de cristal. Anos depois no norte do Brasil, Amelia encontrou uma pedreira de quartzo com uma tonalidade extraordinária de rosa e realizou o último pedido do querido amigo. “Palácio de Cristal” (1998) é uma fonte escultural no centro da praça Cardeal Arcoverde, a mais antiga de Copacabana, no Rio. Sobre um imponente bloco de quartzo rosa escorrem fios d’água à maneira de lágrimas de um pranto sem fim. Em São Paulo uma de suas esculturas públicas está no Jardim de Esculturas do MAM-SP. Peça tombada pelo Patrimônio Histórico, restaurada em 2019 pela prefeitura, “7 ondas – uma escultura planetária” (1995) possui sete elementos em aço inox em alusão às ondas do mar e brinca com a simpatia de pular sete ondas para dar sorte no Ano Novo, tradição bem nossa, bem brasileira, que homenageia Iemanjá. No total, a artista realizou sete esculturas públicas nas duas capitais.

Certos domingos, ela fazia divertidos almoços vegetarianos à base de grãos e verduras. Abria as portas da casa do Brooklyn aos amigos e apresentava as obras mais recentes no estúdio repleto de cestas indígenas apinhadas com pedras e conchas, com uma organização à maneira de museu de história natural por tipo de objeto, tamanho e cor. Em uma dessas ocasiões, ela me disse com sua sabedoria nata e jeitinho afetuoso algo que não esqueço e abre com recado para Putin e outros por aí: “O ser humano é infinitamente mais importante do que tudo, incluindo essa discussão sobre o que é ou não é Arte”.

Em 2017, ao completar 90 anos, seu universo singular foi celebrado na retrospectiva, “Amelia Toledo – Lembrei que esqueci”, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-SP). Ela estava radiante! Dois meses depois, Amelia nos deixou para sempre…

Foto: Erika Mayumi. Cortesia Galeria Nara Roesler

Obra “Periscópio”, de 1976, tem moldagem de concha em resina poliéster exposta à ação do mar para formação de cracas e briozoários

Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte

Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação, inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.

Siga a galeria no Instagram: @galerianararoesler
Site oficial: http://www.nararoesler.com.br/

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