O Brasil, um dos maiores importadores de trigo do mundo, trabalha em um plano nacional que visa reduzir a dependência do produto externo, e espera contar com o impulso gerado por recentes exportações recordes para aumentar a plantio do cereal este ano.
Desde dezembro até este mês, o Brasil exportou cerca de 2,5 milhões de toneladas de trigo, um volume nunca visto, contando com uma safra histórica em 2021 e também, mais recentemente, com demanda adicional gerada pela guerra entre Ucrânia e Rússia, dois grandes exportadores do cereal.
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A ideia pode parecer paradoxal. Mas, segundo especialistas ouvidos pela Reuters, o trigo trilharia o mesmo caminho do milho, que ganhou mais espaço na lavoura após se consolidar como um produto de exportação.
“A expansão de qualquer commodity se dá via expansão da exportação, não do consumo interno. Foi assim com a soja, milho, café e cana-de-açúcar, no Brasil. E será somente assim com o trigo”, disse Luiz Pacheco, da consultoria T&F.
Na última década até 2020, a exportação de milho do Brasil aumentou mais de três vezes, para cerca de 35 milhões de toneladas, enquanto a produção quase dobrou no mesmo período, para mais de 100 milhões de toneladas.
No caso do trigo, um produto que o Brasil importa mais de 50% de seu consumo, a maior parte da Argentina, haveria espaço para o país tranquilamente mais que dobrar a área plantada, ante atuais 2,74 milhões de hectares, eventualmente obtendo algum dia autossuficiência para o consumo de 12,7 milhões de toneladas.
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Isso considerando apenas o potencial do Rio Grande do Sul, que planta mais de 6 milhões de hectares com soja no verão e desses utiliza apenas 1,16 milhão de hectares em uma segunda safra de trigo no inverno, disse o analista da Embrapa Trigo e agrônomo Osvaldo Vieira.
“O que o produtor quer para plantar trigo: um dos fatores é ter liquidez do produto… e a exportação é um caminho muito importante para isso”, afirmou ele, comentando que o porto de Rio Grande (RS) tem capacidade ociosa entre o final e o início do ano, e o produto gaúcho poderia entrar no mercado internacional antes da colheita argentina.
Vieira, que participou da elaboração do plano que está sendo atualizado antes de ser entregue ao governo pela Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), disse que os produtores do Rio Grande do Sul já têm todas as condições agronômicas e preços, agora, para ampliar o plantio.
O trigo atingiu os maiores níveis em 14 anos na bolsa de Chicago, reagindo à menor oferta do Leste Europeu pela guerra.
O agrônomo citou consultorias afirmando que a área plantada poderia crescer cerca de 30% este ano no Rio Grande do Sul, considerando que já foram feitas vendas antecipadas de quase 600 mil toneladas.
Com relação a custos, ele disse que o produtor tem opções para fazer um cultivo competitivo, apesar da alta dos insumos. “Como a safra de soja não foi tão boa, tem muito fertilizante armazenado no solo para atender essa cultura.”
Para Pacheco, da T&F, se o Rio Grande do Sul fizesse, por exemplo, uma segunda safra de trigo em toda a área de soja, teria uma colheita do cereal, sozinho, próxima da Argentina, de quase 17 milhões de toneladas.
Mercado Livre
O presidente da Abitrigo, Rubens Barbosa, disse que o programa capitaneado pela associação, que ouviu integrantes da cadeia produtiva, “visa um gradual aumento da produção e a redução ou eliminação da dependência externa, e eventualmente até um aumento da exportação de trigo”.
“O trigo é o único grão que o Brasil não é um grande produtor e exportador mundial”, notou ele.
Mas o plano nacional do cereal não quer fechar o Brasil para importações, ao contrário.
“A ideia é que haja um mercado livre, quem quiser importar, importa, pela qualidade e outros fatores… e quem quiser comprar do mercado interno compre, e quem produz aqui pode fornecer no mercado internacional…”, disse Barbosa.
Ele conversou recentemente com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, sobre o plano, que está sendo ajustado em relação a uma versão de três anos atrás e ainda não tem data para ser lançado.
De acordo com Barbosa, a proposta é que o Brasil também amplie a produção no Cerrado e até no Nordeste, regiões onde ainda há alguns desafios agronômicos, segundo a Embrapa.
O presidente da Abitrigo disse que a política deverá também abordar questões fiscais, de logística, além de ambientais, entre outras.
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