Criptomoedas: como a invasão russa mudou drasticamente a estratégia blockchain da Ucrânia

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Desde a invasão da Rússia, a Ucrânia levantou mais de R$ 281 milhões em doações espalhadas em criptomoedas

Desde a invasão da Rússia, a Ucrânia levantou mais de R$ 281 milhões em doações espalhadas por criptomoedas como bitcoin, ether, polkadot, solana, dogecoin, tether e muito mais. Esses fundos têm como intuito fortalecer as agências humanitárias que ajudam o país e adquirir suprimentos necessários para os soldados, como alimentos, uniformes e coletes à prova de balas.

As criptomoedas também estão sendo usadas para ajudar as crescentes iniciativas de guerreiros cibernéticos da Ucrânia, que supostamente desfiguraram sites do governo russo, fornecem inteligência e derrubam sistemas militares. 

No entanto, este nunca foi o plano. O vice-ministro da transformação digital da Ucrânia, Alexander Bornyakov, diz que os ativos digitais e a tecnologia das criptomoedas foram feitas para ajudar a revitalizar a economia ucraniana e colocar todos os processos governamentais online. Ele observa que a missão do ministério, fundado há dois anos, é “transmitir 100% dos serviços governamentais online e construir um estado digital para tornar todos os serviços transparentes, fáceis de usar e convenientes para os cidadãos da Ucrânia”.

Transformação digital

Iniciativas de blockchain, como a criação de uma moeda digital do banco central, a e-hryvnia, começaram quando o ministro da transformação digital e sua equipe ajudaram a criar uma lei há um ano e meio para legalizar os ativos digitais no país. A ideia era tornar a Ucrânia um dos países mais amigáveis às criptomoedas do mundo. Bornyakov diz que o e-hryvnia deveria ser introduzido perto do final de 2022 em conjunto com o Banco Nacional da Ucrânia. 

Em vez disso, o governo ucraniano procurou maneiras de usar seu conhecimento em criptomoedas e ativos digitais para apoiar o esforço de guerra. Bornyakov diz que, alguns dias após o começo da disputa, eles decidiram solicitar doações de criptomoedas. “Foi no segundo ou terceiro dia que decidimos que precisávamos de dinheiro para entrar [no país] porque havia um problema de liquidez bancária.” 

Bornyakov também diz que recebeu uma ligação de seu chefe, o ministro da transformação digital Mykhail Fedorov, que mencionou que eles precisavam ajudar o exército e perguntou se eles poderiam fornecer uma maneira para as pessoas doarem criptoativos. “Decidimos criar carteiras e construir essa infraestrutura para obter dinheiro e enviar dinheiro para diferentes fornecedores, para que pudéssemos comprar tudo que o exército precisa.”

Preocupações com segurança

Não foi tão simples. Com preocupações contínuas sobre o roubo de criptomoedas, – R$ 70 bilhões em criptomoedas foram roubados por golpistas no ano passado, de acordo com a empresa de análise Chainalysis -, o governo precisava ter certeza de que seus fundos permaneceriam seguros. 

Além disso, eles também queriam ter a capacidade de converter os ativos em moeda fiduciária. Assim, o governo recorreu a maior bolsa do país, Kuna. “Há muita complexidade quando se trata de segurança, porque se você não proteger sua infraestrutura, alguém pode hackear você e roubar todas as suas criptomoedas e as converter para diversos tipos de moedas fiduciárias.

A campanha foi um sucesso. A empresa de análise de criptografia Elliptic observou que, em 2 de março, os endereços bitcoin, ethereum, tron, polkadot, dogecoin e solana listados nos tweets do governo receberam mais de 96 mil doações de criptomoedas, com um valor total de US$ 46,7 milhões (R$ 234,6 milhões) indo diretamente para o governo. Somando as ONGs, mais de US$ 54 milhões  (R$ 271,3 milhões) foram doados ao país.

No entanto, embora as doações de criptomoedas possam acelerar a captação de recursos, os holofotes lançados sobre o setor também revelaram alguns pontos de atrito e obstáculos éticos que assolam esse meio.

Por exemplo, como uma forma de aproveitar o momento, na quarta-feira Fedorov anunciou via Twitter que o governo iria realizar uma doação de tokens, conhecida como ‘airdrop’ no jargão das criptomoedas, a todos os benfeitores de criptomoedas que doassem dentro de um determinado período de tempo. 

Embora parecesse uma ideia razoável, o governo não estava esperando que o programa também traria fraudadores e aproveitadores procurando tirar vantagem. Como exemplo, houve um token chamado Peaceful World que tentou ser um impostor do governo e contou com uma onda dramática de doações minúsculas que claramente pretendiam apenas qualificar os doadores para o airdrop.

O sorteio foi cancelado menos de 24 horas após o anúncio.

Bornyakov sugere que o governo não previu a complexidade de conduzir o airdrop e certamente não queria que as pessoas ganhassem dinheiro com o seria uma causa nobre. “Não tínhamos capacidade técnica no momento para fazer isso acontecer. Mas também percebemos que essa era uma forma de as pessoas lucrarem com doações para um país que está sofrendo, o que não é certo.”

Em vez disso, o governo anunciou planos de vender NFTs como forma de ajudar o exército, mas Bornyakov diz que essas vendas provavelmente serão usadas após a guerra como parte de um museu ou como forma de preservar a memória e a história do conflito, em oposição a algo projetado para ajudar os soldados agora. 

Talvez, o maior problema seja como a Ucrânia está tentando se beneficiar das criptomoedas, mas ao mesmo tempo isolar a Rússia da indústria. Há temores crescentes entre governos e reguladores em todo o ocidente de que os russos também recorrerão às criptomoedas como forma de contornar as sanções que cortaram sua economia do resto do mundo financeiro.

Corretoras cripto não atenderam apelo

Em 27 de fevereiro, Fedorov fez um apelo aberto aos chefes das principais corretoras cripto do mundo, como Coinbase, Kraken, Binance e outras, para que parassem imediatamente de atender a todos os clientes e comerciantes russos, não apenas aqueles nas listas de sanções. 

Muitas empresas tradicionais, como Apple e Samsung, pararam de vender bens e serviços no país, enquanto outras como PayPal pararam de aceitar novos clientes, e fintechs como Wise e Remitly estão cortando transferências de e para a Rússia.

No entanto, os chefes das empresas rejeitaram amplamente esses pedidos, dizendo que, de certa forma, era antiético, desproporcional e contra o princípio da criptomoeda atingir populações inteiras. A maioria disse que cumpriria se fosse legalmente obrigado. Jesse Powell, CEO da Kraken, com sede nos EUA, foi o primeiro a responder publicamente.

Quando perguntado sobre a ética e a justiça de tal pedido, Bornyakov diz que é importante que os russos comuns sintam a dor e o sofrimento experimentados na Ucrânia. “Quanto mais fizermos com que eles [os cidadãos russos] se sintam como nós, isso os fará mudar de ideia e parar de apoiá-lo [o presidente Vladimir Putin] em sua terrível decisão de invadir a Ucrânia. Precisamos mostrar a todos os cidadãos russos que você não pode simplesmente ir trabalhar e estar seguro em seu país.”

Em meio a essa montanha-russa, as doações continuaram a chegar ao país, embora em um ritmo muito mais lento do que antes do cancelamento do airdrop. Os preços das criptomoedas também estagnaram. Bitcoin e ether atingiram altas de duas semanas em meio à comoção, mas cada um caiu quase 10% nos dias seguintes.

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