Os oligarcas russos há anos desfrutam de estilos de vida tão luxuosos que a maioria das pessoas nem consegue compreender. Eles não vivem apenas em mansões, eles passeiam por complexos paisagísticos que lembram Versalhes. Eles não apenas navegam na água em navios gigantes, eles cruzam os oceanos em iates tão longos quanto um estádio.
Mas a vida de conto de fadas ficou ameaçada há duas semanas, quando o presidente russo, Vladimir Putin, enviou tropas para a Ucrânia. Além de retaliar com armas e possivelmente desencadear uma terceira guerra mundial, países da Europa e da América do Norte decidiram congelar os ativos, proibir as viagens e, de maneira geral, empobrecer a vida dos mais ricos da Rússia na esperança de retardar a máquina de guerra de Putin.
Os oligarcas, no entanto, já passaram por isso antes. Desde a anexação russa da Crimeia em 2014, 20 bilionários foram sancionados pela UE, EUA, Reino Unido, Suíça ou Canadá. Nove deles foram atingidos desde a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro.
Então eles aprenderam a ceder a propriedade de suas mansões, condomínios e obras de arte para parentes. Eles descobriram que o uso de uma série de empresas de fachada parecidas com bonecas matriosca tornava impossível para governos hostis confiscarem seus jatos e iates. Eles garantiram que suas participações nas empresas fossem inferiores a 50%, mantendo-as fora do alcance das sanções dos EUA. Eles registraram ativos nas Ilhas Virgens Britânicas, na Ilha de Man, em Chipre, ou nos dois paraísos fiscais russos, Ilha Oktyabrsky e Ilha Russky, onde as nações que se opõem ao bombardeio da Ucrânia nunca podem encostar-lhes um dedo. Mais importante, eles recrutaram advogados e contadores para criar um novo campo de prática: o setor de evasão de sanções.
Os advogados criam fundos e atuam como acionistas indicados, disse Alexi Fehlman, analista da empresa de inteligência de dados Sayari Labs, especializada na Eurásia e na Rússia. Os advogados facilitam a movimentação de dinheiro e ocultam ativos. Representantes de todos os bilionários mencionados neste artigo não responderam imediatamente a um pedido de comentário.
Os resultados têm sido em grande parte um sucesso. Na semana passada, as autoridades alemãs não sabiam o que fazer com o Dilbar de 512 pés, um iate que eles pensavam ser de propriedade do bilionário russo Alisher Usmanov. Eles descobriram que é, na verdade, propriedade de uma empresa com sede em Malta chamada Navis Marine Ltd e registrada nas Ilhas Cayman. Eles não podiam confiscá-lo, então eles simplesmente impediram que ele saísse do porto.
Usmanov também tem duas casas no Reino Unido por meio de empresas offshore com sede na Ilha de Man e Chipre, onde as regras de propriedade tornam as coisas confusas. Várias de suas propriedades, incluindo uma vila no norte da Sardenha que foi congelada pelo governo italiano na sexta-feira, foram congeladas por autoridades britânicas e europeias, o que significa que ele não pode usá-las. Mas eles não podiam tirá-las dele.
As leis em países democráticos tendem a favorecer os direitos de propriedade individual, que os oligarcas podem usar a seu favor. Arkady Rotenberg, antigo parceiro de judô de Putin, tem várias propriedades na Itália, incluindo três vilas na Sardenha e um hotel de luxo no centro de Roma. Depois de ser atingido por sanções da UE e uma proibição de viagem em 2014, os bens de Rotenberg foram congelados pelas autoridades italianas. Ele recorreu ao Tribunal Geral da UE, que confirmou as sanções em 2016, mas anulou o “congelamento de fundos” de 30 de julho de 2014 a 14 de março de 2015. A Forbes descobriu que Rotenberg e seu irmão Boris, também bilionário russo sob sanções, ainda tem pelo menos uma dessas propriedades por meio de duas empresas registradas em Chipre. Uma delas, a Olpon Investments Ltd, é a mesma empresa dona das propriedades em nome de Arkady em setembro de 2014.
Os Rotenbergs eram espertos o suficiente para usar estruturas offshore tão difíceis de classificar quanto as bonecas matriosca para contornar qualquer punição por sua conexão com o Kremlin. Um relatório de julho de 2020 de um subcomitê do Senado dos EUA detalhou um esquema elaborado no qual os irmãos Rotenberg gastaram mais de US$ 18 milhões (cerca de R$ 90,23 milhões) em compras de arte nos meses após serem sancionados pelos EUA em março de 2014. Eles adquiriram várias obras de arte, incluindo um René Magritte de US$ 7,5 milhões (cerca de R$ 90,23 milhões) através de uma rede de empresas offshore sediadas em Chipre e nas Ilhas Virgens Britânicas. Uma das empresas, a Milasi Engineering, com sede em Chipre, foi transferida da propriedade de Arkady para seu filho Igor em julho de 2014, em um movimento que o relatório descreve como “exclusivamente para evitar sanções” com a propriedade “intencionalmente estruturada para ser opaca, a fim de esconder as identidades dos verdadeiros beneficiários”. Igor Rotenberg também é bilionário. Em abril de 2018, ele se tornou o terceiro Rotenberg a ser sancionado pelos EUA.
O industrial Oleg Deripaska foi alvo de sanções pelo Departamento do Tesouro dos EUA em abril de 2018, mas ainda tem pelo menos três propriedades nos EUA, incluindo duas casas em Manhattan e uma mansão em Washington, DC, graças a três LLCs com sede em Delaware. Duas das casas foram invadidas pelo FBI em outubro de 2021, mas um porta-voz de Deripaska disse repetidamente que as propriedades são de parentes de Deripaska. Outro bilionário russo sancionado pelos EUA em 2018, Viktor Vekselberg, ainda tem uma casa no subúrbio de Connecticut e um condomínio de luxo em Manhattan através de sua esposa, Marina Dobrynina.
Até agora, certificar-se de ter apenas meia participação nas empresas em seus portfólios é um capítulo bem conhecido na cartilha dos oligarcas. O Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro dos EUA tem uma “regra dos 50%” que diz que só serão bloqueados os ativos em que um indivíduo sancionado tiver 50% ou mais de participação, direta ou indiretamente.
Assim, em janeiro de 2019, Deripaska reduziu sua participação na gigante de metais En+ Group de 70% para 44,95% e o Departamento do Tesouro concordou em suspender as sanções à empresa. Usmanov, que foi sancionado pelos EUA em 3 de março, também está livre de seu maior ativo: sua participação de 49% na holding USM, que tem parte da metalúrgica Metalloinvest, da empresa de telecomunicações MegaFon e outras. No caso de Usmanov, as sanções impostas pelos EUA visam apenas seu iate e um jato Airbus A340-300 registrado na Ilha de Man. O comunicado de imprensa anunciando as sanções contra Usmanov disse que, por algum motivo, a regra dos 50% não se aplicava a ele quando se tratava de investimentos além do jato e do iate.
A cartilha também tem sido usada quando se trata de participações em empresas privadas. No mesmo dia em que foi atingido pelas sanções da UE na semana passada, o barão do aço Alexey Mordashov transferiu sua participação majoritária na empresa de mineração de ouro Nordgold, com sede no Reino Unido, para sua esposa, Marina.
“Quando você é sancionado, o que você tenta fazer é evitar qualquer contato com seus ativos”, disse Ari Redbord, ex-assessor da unidade de terrorismo e inteligência financeira do Tesouro dos EUA e chefe de conformidade da TRM Labs, uma empresa de rastreamento de blockchain, serviço que trabalha com governos. “O problema é que, uma vez que a polícia ou os reguladores conseguem identificar uma dessas empresas de fachada, eles derrubam essa e criam outra.”
Mesmo antes de serem sancionados, eles podem tomar medidas de precaução, como descarregar ativos antes que não seja possível. Roman Abramovich, por exemplo, colocou à venda seu clube de futebol Chelsea FC e várias mansões do Reino Unido logo após o Reino Unido e a UE começarem a aplicar sanções a outros oligarcas russos, mas antes que seu nome aparecesse. E ainda não apareceu.
Os bilionários ou seus advogados também podem criar teias emaranhadas de estruturas corporativas que são quase impossíveis de serem desvendadas pelas autoridades. Um exemplo é chamado de propriedade circular, que ajuda você a evitar sanções, mascarando sua propriedade por meio de um ciclo de empresas que têm participações umas nas outras, ocultando quanto você realmente tem de um ativo específico.
Outra vantagem para os oligarcas visados: as autoridades dos EUA vivem com medo de que as sanções possam prejudicar os americanos, de acordo com um ex-funcionário de sanções que pediu para permanecer anônimo devido à sensibilidade do assunto. “Há uma preocupação de que algumas sanções venham com sanções derivadas, por causa das estruturas de propriedade de um oligarca em ativos essenciais”, disse a pessoa. “É importante pensar nos efeitos indiretos das sanções sobre pessoas muito ricas que têm participações muito concentradas, às vezes em ativos muito importantes, que são relevantes não apenas para a Rússia, mas para parceiros comerciais globais”.
Quando nem essas estratégias funcionam, a Rússia toma medidas para salvar seus mais ricos. O governo russo começou a restringir os dados de propriedade corporativa, tornando mais difícil para as autoridades sancionadoras identificar ativos pertencentes a empresas ou indivíduos sancionados. Em junho de 2019, o Registro Federal de Impostos da Rússia decretou que as empresas que estão sob risco de sanções, registradas na Crimeia ou envolvidas na indústria de defesa, podem parar de divulgar publicamente os dados de propriedade.
E em agosto de 2018, a Rússia criou duas zonas offshore conhecidas como regiões administrativas especiais (SARs), projetadas para atrair as maiores empresas da Rússia a se mudarem para o país, oferecendo incentivos fiscais e um refúgio seguro das sanções dos EUA. Pela contagem da Forbes, Deripaska e Vekselberg transferiram pelo menos 14 empresas, incluindo o En+ Group e a gigante do alumínio Rusal, de jurisdições offshore como Jersey e Chipre para SARs russos.
Existem armadilhas por aí que não foram testadas pelos oligarcas. Todas as apostas estarão perdidas se a China, os reinos do Oriente Médio e outros parceiros comerciais importantes decidirem mergulhar no pool de sanções. “Você tem mais chances de escapar das sanções se tiver outra contraparte comercial que tenha uma visão diferente da política externa” do que os países sancionadores, disse James Reardon, associado sênior do escritório de advocacia suíço MLL. Essa lição foi aprendida, disse Reardon, com as sanções dos EUA ao Irã, que não foram completamente eficazes graças aos laços econômicos do Irã com a Europa.
Outro problema são as novas forças-tarefa anunciadas pelos EUA e seus aliados europeus. A equipe “KleptoCapture” criada na semana passada pelo procurador-geral dos EUA Merrick Garland, por exemplo, usará confisco civil e criminal para apreender bens pertencentes a indivíduos sancionados.
As forças-tarefa, no entanto, precisam de financiamento e coordenação estreita entre os governos, especialmente quando se trata de compartilhar dados de propriedade efetiva. Uma coisa é Suíça, Mônaco e Ilhas Cayman, há muito conhecidas por sua neutralidade e por acolher o dinheiro russo, implementarem sanções. Outra coisa é reverterem décadas de sigilo.
Mais fiscalização pode estar a caminho
O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, propôs um registro público internacional para qualquer oligarca russo com uma fortuna acima de US$ 11 milhões (cerca de R$ 55 milhões), enquanto o Reino Unido parece estar avançando com um registro de propriedades pertencentes a empresas offshore. Nos EUA, a Lei de Transparência Corporativa, originalmente aprovada em janeiro de 2021, exigirá que as empresas divulguem seus proprietários efetivos à Rede de Repressão a Crimes Financeiros do Tesouro até o final de 2022 ou início de 2023. Também pode exigir o mesmo dos trusts – um veículo comumente usado em estados como Dakota do Sul e Wyoming por bilionários que procuram mascarar sua propriedade de ativos e mantê-los fora do alcance de credores ou ex-cônjuges.
“Se você remover cada vez mais os lugares seguros e as maneiras de se esconder, você o tornará mais arriscado e mais difícil, e isso significa que as pessoas estarão menos inclinadas a se esconder no exterior”, disse Rasmus Corlin Christensen, pesquisador de pós-doutorado em economia política internacional e tributação. na Escola de Negócios de Copenhague. “Há agora um forte apetite para que os estados mais poderosos do mundo usem sua força política, financeira e econômica para forçar mudanças.”
Mas, por enquanto, graças a seus advogados, regras frouxas, paraísos de sanções e outros facilitadores em todo o mundo, os oligarcas russos podem se salvar de alguns dos piores aspectos das sanções econômicas e relaxar em seus códigos postais flutuantes e voadores.
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