Deia Vilela é capaz de passar dez minutos explicando qual a enzima perfeita para garantir que um pão fique macio por mais tempo sem deixar que o interlocutor perca o interesse ou que a conversa vire um tédio. Sua descrição dos processos químicos mostra que essa mineira formada em engenharia de alimentos ama o que faz e por isso fala com tanto entusiasmo de seu trabalho. Talvez por isto tenha ficado 26 anos na mesma área e – quase que – na mesma empresa, algo raro nas trajetórias profissionais de hoje. “Sou camaleoa, me adapto rapidamente e, ao longo desse tempo, consegui fazer mudanças sem ter saído da empresa em que comecei.”
Deia iniciou sua carreira em uma companhia dinamarquesa de fragrâncias e aromas, a Danisco, que em alguns anos foi comprada pela Dupont, que por sua vez se uniu com a Dow em uma de suas unidades e, por fim, vendeu a área em que Deia trabalhava para a gigante francesa de fragrâncias IFF. Hoje, ela é head da divisão de saúde e biociência para a América Latina, e uma das poucas “sobreviventes” a mais de duas décadas de fusões e aquisições. “Pode parecer falta de ambição ficar tanto tempo no mesmo lugar, mas a minha carreira mudava a cada nova liderança e isso exigiu uma grande capacidade de adaptação.”
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Carreira, maternidade e ambição
Ambição e adaptação são duas qualidades que Deia Vilela exercitou constantemente durante sua trajetória. Ela não queria apenas uma carreira de sucesso e, quando tomou essa decisão, precisou lançar mão dessas características. “Quando resolvi ter filhos e demorei mais tempo do que previa, ouvi dos médicos que eu teria que optar entre manter meu trabalho e ter uma criança. E isso foi motivo de muita frustração”, diz. Durante o longo período em que tentou engravidar do primeiro filho, considerou mesmo deixar a carreira temporariamente. “Esse momento me fez repensar minha vida e trabalho e a desenvolver uma visão holística, englobando todas as esferas da vida, o que vejo como uma característica bem feminina.”
Hoje, a frustração ficou para trás. Quando a executiva nos deu essa entrevista, estava em Punta del Este, litoral do Uruguai, onde tradicionalmente passa férias com os filhos, de 9 e 12 anos, e o marido e pai das crianças. Durante 15 dias, os 4 dão um tempo na rotina e da cidade onde moram, Buenos Aires para curtir um tempo juntos. Deia se mudou para a capital argentina quando decidiu se casar com um colega de trabalho que havia se estabelecido por lá.
Equilibrar todas essas relações com uma jornada de trabalho de 12h diárias exige reflexões constantes. “Sei que em alguns momentos preciso dar maior atenção dar espaço para a minha família ou não vou me sentir completa para desempenhar meu trabalho, mas quero dizer para as mulheres que, sim, é possível ter os dois”, diz. Uma das saídas para isso é que Deia nunca trabalha em feriados ou finais de semana e tem seus 15 dias sagrados de férias na praia com todo mundo em volta. “Precisamos reequilibrar nossas prioridades de tempos em tempos.”
Mudanças dentro da mesma empresa
As reflexões constantes também passam pela maneira como ela leva a profissão. Deia não tem nenhum problema em dizer que faz terapia desde que começou a trabalhar e que enxerga isso como uma importante ferramenta profissional e de liderança. Recentemente, trocou as sessões por conversas com uma coach que a incentivou a transformar em fortaleza o que achava que poderia ser visto como um ponto fraco.
Durante parte da vida, a executiva tentou disfarçar a trajetória de empresa única em seu perfil no LinkedIn, mas a coach a incentivou a manter a linearidade e deixar claro que não saiu daquela primeira companhia durante mais de duas décadas, O que mudou foram as lideranças, cultura, metas. E tudo isso pode ser interpretado como um sinal de flexibilidade, soft skill desejada nos dias de hoje, e não de acomodação. “A cada compra ou fusão você precisa ser validada pelo novo chefe e isso exige jogo de cintura, já houve situações em que entrou uma nova liderança e todos foram demitidos, menos eu.”
Exemplo para meninas
Mesmo sem mudar o registro na Carteira de Trabalho, Vilela passou por muitas mudanças, a principal em 2020, quando deixou de ser uma diretora de negócios e passou a ser uma líder de gente, com 82 pessoas sob seu guarda-chuva. Na sua posição de destaque dentro da região, ela hoje apoia uma causa importante. Na IFF, faz parte do comitê de diversidade, que tem como meta colocar 50% de mulheres em cargos de liderança até 2030. “Quero que minha filha e outras meninas olhem para o futuro e para mulheres como eu e saibam que podem, sim, ter uma família e uma carreira de sucesso ao mesmo tempo, se for isso o que quiserem.”
Fora da companhia, Deia Vilela atua no capítulo argentino da organização de promoção de equidade de gênero, Women Board of Directors, onde defende várias causas ligadas à carreira feminina, cujos obstáculos conhece bem. “Às vezes as mulheres se envergonham em contar que deixaram a carreira para cuidar dos filhos, mas precisamos valorizar o ganho que temos ao educá-los. Mães são especialistas em logística, entre outras qualidades.”
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