Após dois anos vivendo a pandemia de Covid-19, a pergunta que mais se faz atualmente é: quando ela vai virar uma endemia? A mudança de classificação cabe à OMS (Organização Mundial da Saúde) e depende do controle da doença no mundo, independentemente das ações pontuais de países que têm registrado quedas acentuadas nos casos e mortes.
O Brasil tem no momento uma “janela de oportunidade” para controlar a doença, de acordo com o Boletim Especial da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que faz um balanço dos dois anos de pandemia de Covid-19. Se o país conseguir passar do atual patamar de quase 72% da população vacinada para 80%, o cenário pode melhorar ao ponto de chegarmos ao meio do ano com uma queda drástica de novos casos, internações e óbitos.
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Para chegar a essa nova situação, é preciso dar a primeira dose àqueles adultos que ainda não a receberam, principalmente os que vivem em locais isolados com dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Outra ação essencial é ampliar a imunização das crianças de 5 a 11 anos, que respondem por 10% da população, e tiveram a vacinação liberada pela Anvisa em 16 de dezembro, quando a agência aprovou o uso da vacina da Pfizer para esta faixa etária. Em 20 de janeiro, a Anvisa aprovou também o uso emergencial da Coronavac para a faixa de 6 a 17 anos.
Novos casos de Covid-19 em queda no Brasil
Atualmente, o país tem um declínio da curva de casos novos, o que significa que passamos a fase de ápice da transmissão comunitária pela Ômicron. “É possível que nas próximas semanas a gente comece a ver algum alívio nos indicadores de hospitalizações e de óbitos, mas olhamos com cuidado para ver a dinâmica da doença”, explica Raphael Guimarães, pesquisador em saúde pública da Escola Nacional de Saúde Pública e do Observatório Covid-19, ambos da Fiocruz.
A situação é melhor no Centro-Sul, mas ainda é preocupante no Norte e Nordeste. A velocidade do declínio da curva em todos os estados e cidades depende da capacidade de enfrentamento da doença, da disponibilidade de leitos, da testagem em quantidade adequada e do avanço na cobertura vacinal.
Veja seis perguntas e respostas sobre a situação atual da pandemia de Covid-19:
O que significa a “janela de oportunidade” citada pela Fiocruz?
O cenário atual ainda requer preocupação, mas hoje há elementos que, se bem utilizados, podem ser decisivos para o país entrar em uma fase de calmaria da pandemia. A infecção pela Covid-19 causa a chamada imunidade transitória que pode durar de 70 a 80 dias. Como muitas pessoas se contaminaram no período das festas de final de ano, espera-se que o volume de recuperados com imunidade em alta seja grande o suficiente para causar a “janela de oportunidade”.
Esse período deve durar até meados de março e, somado à expansão da cobertura vacinal, vai resultar em um contingente tão grande de pessoas imunes à doença ou às formas graves que seria possível, em tese, bloquear de forma mais eficiente a transmissão do vírus, segundo Guimarães.
“No momento em que ele para de circular de forma intensa entre nós, diminui substancialmente a ocorrência de casos novos. Isso diminui a probabilidade de internação e de óbitos pela Covid. Temos que trabalhar para que, de fato, possa ser bem aproveitado e a gente possa, a partir disso, conseguir arrefecer a pandemia no país.”
Se diminuir a transmissão, quanto tempo essa “fase de calmaria” pode durar?
Passar do patamar atual de quase 72% de cobertura vacinal para 80%, com ao menos duas doses da vacina, em um intervalo de um mês e meio ou dois meses seria o ideal. Isso colocaria o país em uma situação mais segura, com maior dificuldade de propagação do vírus. “Eu diria que se a gente conseguisse fazer isso neste momento, haveria um cenário muito mais favorável para o meio do ano”, afirma Guimarães.
Neste cenário, voltaríamos a ter queda de novos casos, hospitalizações e óbitos, e seria possível começar a perceber qual é a dinâmica real da doença em uma situação de controle, no padrão próximo do que se espera em termos de endemicidade.
Se a janela de oportunidade for aproveitada, a Covid-19 deixa de ser uma pandemia e passa a ser uma endemia no Brasil?
Ainda não, pois só a OMS pode mudar o status. Mas o país começa a ter uma fase de maior controle da doença e consegue calcular o número de casos esperados, preparar o serviço de saúde para receber um determinado número de hospitalizações e prever a quantidade de testagem necessária.
Para se tornar uma doença endêmica, a Covid-19 deve passar ainda pelo nível de emergência de saúde pública de interesse internacional – quando os países começam a controlar a doença e deixa de haver um nível de gravidade mundial. Depois, cai para emergência de saúde pública de interesse nacional, quando a questão é de gestão estritamente do país que está enfrentando o descontrole da doença.
Até que, num cenário em que se tenha praticamente todos os países com a doença controlada, a OMS passa a dizer que ela se tornou uma doença endêmica.
“Isso não significa dizer que a gente só vai poder respirar aliviado quando a OMS disser que não é mais uma pandemia. A OMS precisa de um conjunto de elementos para poder dizer que, do ponto de vista da saúde global, a Covid-19 já não é mais uma questão de emergência para todos os países”, explica Guimarães.
A tendência é que se continue monitorando a doença até ser atingido um patamar em que seja possível dizer que há controle sobre a transmissão e se possa falar em flexibilização do distanciamento físico, uso ou não do passaporte vacinal e adoção de protocolos sanitários nos municípios e nos estabelecimentos.
Países europeus começam a flexibilizar as restrições em relação à Covid-19. Quando isso poderá acontecer no Brasil?
Na França, as pessoas não terão mais de usar máscaras em locais fechados que exigem a comprovação de vacinação contra a Covid-19 a partir de 28 de fevereiro. As máscaras continuam obrigatórias no transporte público e em locais fechados não sujeitos ao passaporte de vacina.
A Itália vem diminuindo as restrições gradualmente nas últimas semanas e eliminou a exigência de que as pessoas usem máscaras ao ar livre na maioria das circunstâncias. A Alemanha estuda uma abertura gradual.
Cada país tem a sua realidade. No Brasil, a grande preocupação são as diferenças regionais. Enquanto a cobertura vacinal do país é de 72% há estados como o Amapá com apenas 43% da população com duas doses.
“É preciso olhar para esses países e compreender que alguns deles adotam essas medidas mais flexíveis porque têm um contexto territorial, social e institucional muito diferente do nosso. Fazer uma flexibilização abrupta no Brasil terá consequências mais graves do que teria na Alemanha e na França ou na Holanda”, explica Guimarães.
Na prática, o Brasil já tem diferentes formas de flexibilização adotadas por estados e municípios. Isso deve continuar acontecendo.
O que se sabe sobre a subvariante BA.2 da Ômicron? Quem pegou a Ômicron pode pegar essa subvariante?
Ela não tem um comportamento muito diferente da variante como um todo, mas algumas mudanças estruturais comparadas à linhagem original do vírus, que não são alterações que impactam na característica, na genômica ou na forma como ele interage com o ser humano. Por enquanto, pelo que se sabe, ela não cria um risco adicional àqueles já conhecidos em relação à Ômicron, segundo o pesquisador.
Quem pegou a Ômicron tem um hiato em que está, possivelmente, com uma imunidade temporária. Depois disso, é possível pegar a doença novamente, por qualquer variante existente.
A introdução de uma nova variante tem um potencial de problema, que é aumentar de novo o número de casos, como acontece agora com a Ômicron. Quanto mais o país tiver controle da doença, mais difícil fica a entrada de novas variantes. Enquanto houver países com descontrole da Covid-19, haverá a possibilidade do desenvolvimento de uma nova variante.
Como será o mundo com a Covid endêmica?
Será um mundo com uma doença com um possível aspecto de sazonalidade, com alguma diferença na ocorrência de casos ao longo do ano, como outras doenças. Haverá um padrão de número de casos que se pode calcular como esperados e, com essa informação, pode-se adequar a organização dos serviços de saúde para atender eventuais demandas, seja de testagem ou de internação.
“Continuaremos tendo essa doença, mas passaremos a ter um controle que elimina a possibilidade de fazer mudanças tão drásticas na nossa rotina como a Covid-19 tem feito até então”, completa Guimarães. (com Reuters)
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