A distribuição de dividendos por parte dos fundos imobiliários entrou em terreno pedregoso esta semana depois de uma decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), divulgada na noite de terça-feira (25).
A história começou com a notificação da Comissão ao fundo Maxi Renda (MXRF11), do BTG Pactual, o maior em número de cotistas no país, por conta de sua forma de pagar proventos.
O fato é que o Maxi Renda tem distribuído dividendos com base no chamado regime de caixa ou lucro caixa, mas o correto, segundo a CVM, seria que esse montante tivesse como base o lucro contábil.
Para entender: o lucro contábil é o resultado financeiro dado pela receita total menos os custos explícitos de uma empresa. Já o lucro caixa é caracterizado por um regime em que as receitas e despesas da companhia são contabilizadas ao entrar e sair do caixa, e não quando são negociadas.
Na visão da Comissão, após analisar os fluxos de pagamentos, os rendimentos do fundo foram distribuídos aos cotistas mesmo quando passaram do valor registrado no lucro acumulado, deixando claro que estava sendo usado como base o lucro caixa.
Isso significa que um fundo só poderia distribuir dividendos aos seus cotistas em caso de lucro contábil no período avaliado, o que não aconteceu para muitos durante a pandemia.
Gabriel Pereira, head de fundos imobiliários da Acqua-Vero Investimentos, dá um exemplo:
“Se um fundo de tijolo, que baseia seus lucros em aluguéis, tiver remarcação negativa no valor do imóvel, ele deixará de distribuir dividendos. O mesmo acontece com um fundo de fundos que compre cotas de outro fundo; se o preço das cotas caírem, isso geraria um efeito contábil negativo, e ele também não poderia distribuir dividendos.”
Para ele, a decisão mudaria completamente a dinâmica dos fundos se for estendida a todo o mercado.
Esse entendimento vale apenas para o fundo Maxi Renda, mas a CVM deixou claro em nota divulgada na noite de ontem (27) que ele poderia ser aplicado a outros fundos que sigam a mesma regra.
“A referida decisão envolveu um caso específico. Contudo, o entendimento ali manifestado pode se aplicar aos demais fundos de investimento imobiliário que tenham características similares às do caso analisado”, afirmou o órgão.
O caso chamou a atenção dos investidores, já que os dividendos mensais são um dos maiores atrativos dos fundos imobiliários, que sofreram fortes perdas durante a pandemia.
“Acredito que a decisão foi um pouco precipitada e não considerou de forma adequada o real impacto em toda a indústria de fundos imobiliários. A decisão é um grande retrocesso. A maior parte dos investidores busca uma renda mensal, isenta de imposto de renda, o que está sendo colocado em xeque com a decisão”, avalia Fernando Felipe, head de fundos imobiliários na Veedha Investimentos.
Para a Marta Carbonell, CEO da Law 360, empresa de análises jurídicas, a decisão vai contra a lei nº 8668/93, que determina que “o fundo deverá distribuir a seus quotistas, no mínimo, noventa e cinco por cento dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa […]”.
Ela afirma que não é possível saber qual é o motivo por trás da mudança de entendimento da CVM.
O head de FIIs da Acqua-Vero Investimentos frisa que o órgão regulador tem o papel de proteger o interesse do investidor. “A CVM questionou a possibilidade de se distribuir dividendos com prejuízo acumulado.”
É o fim dos dividendos dos FIIs?
Para os analistas ouvidos pela Forbes, se o novo entendimento da CVM passar a valer para todos os fundos imobiliários, a distribuição dos proventos pode sofrer fortes mudanças.
Na visão de Flávio de Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos, talvez este seja o fim dos dividendos de fundos imobiliários da forma que o mercado conhece.
“Não acho que seja o fim dos dividendos, mas sim [o fim deles] do jeito que nós conhecemos, pingando mensalmente na conta dos cotistas. Acredito que o fundo terá que rever sua estratégia caso não consiga distribuir e talvez alguns passarão a um formato semestral”, diz.
Para ele, cumprir a decisão exigirá uma estrutura contábil mais robusta dos fundos, o que gera mais custos e acaba atingindo o investidor. Muitos deles podem se tornar disfuncionais, como os próprios fundos de tijolo.
Para o head de fundos imobiliários na Veedha Investimentos, a forma de receber os proventos seria diferente se a decisão passasse a valer para todo o mercado.
“Não seria exatamente o fim dos dividendos, pois os fundos poderiam seguir distribuindo, mas na forma de amortização. O problema é que a amortização impactaria a questão da tributação”, diz ele.
Os ganhos por amortização são tributáveis com uma alíquota de imposto de renda de 20% sobre o lucro. Hoje, os dividendos pagos pelos fundos são isentos de tributação.
Como agir agora?
Na visão dos três analistas, ainda é muito cedo para tomar decisões sobre o assunto, já que haverá muita discussão pela frente. Além disso, eles acreditam que a decisão tem grandes chances de ser revertida por recurso junto à própria CVM.
O momento, portanto, é de cautela. “É preciso ter calma, pois os fundamentos não mudaram e a entrada no mercado faz sentido pensando em geração de renda passiva e ganho de capital. Os investidores sofreram com possível tributação dos dividendos no ano passado e mais uma vez [o governo] voltou atrás e manteve a isenção”, afirma Gabriel Pereira, da Acqua-Vero.
“Não acredito que seja o momento de vender, principalmente porque não sabemos como vai acabar. Alguma mudança vai ser feita”, completa o analista da Zahl Investimentos.
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