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Um dos nossos primeiros momentos de satisfação na vida (e os profissionais da área psi sabem bem disso) nos chega pela boca. Ao recebermos o leite materno ou a mamadeira juntamente com o afeto que cerca o ato de amamentar por aquele que cuida de nós (mãe, pai, avó, não importa), isso fica marcado para sempre em nós.
Não é por acaso que quando estamos carentes, chateados, necessitados de um carinho, muitas vezes procuramos um alívio na comida. Não à toa também, muitas das nossas memórias afetivas (boas ou ruins) estão ligadas a um prato: o bolo da vovó, a lasanha da mãe, aquela comida que detestamos só porque nossos pais nos obrigaram a provar quando crianças…
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Esses são alguns dos exemplos mais simples do quanto o que comemos – e a forma como comemos – estão ligados à nossa saúde mental e o quanto a nossa fome não é só de alimentos.
Vou dar um exemplo que se refere ao meu dia a dia. Eu atendo pessoas com dependência química, pessoas para quem já não existe mais prazer quando elas ingerem uma droga ou álcool, mas que fazem uso dessa substância para evitar o desprazer que a falta desses químicos causam em seu corpo.
Quando estão sem essas substâncias, elas ficam famintas. E não é de comida, mas de voltar a sentir aquela sensação gostosa que tiveram quando provaram pela primeira vez aquela droga ou bebida.
Isso mostra como a nossa relação com o comer é complexa. É tão complicada que vemos muitas meninas com anorexia praticamente morrerem de fome mesmo sendo a fome um instinto básico da vida animal. Isso nos mostra que o alimentar-se, no caso do ser humano, passa muito pelas nossas emoções, nossas memórias, nossa história de vida.
Uma das questões importantes do mundo contemporâneo é que temos perdido a conexão gostosa (me perdoe o jogo de palavras) com o ato de comer, porque me parece que estamos perdendo a conexão conosco mesmos.
As telas nos absorvem tanto que ficamos desconectados de nós. E, ao perder essa ligação primitiva com o alimento, essa ligação que deveria ser de prazer, acabamos por colocar uma porção de tranqueiras para dentro do corpo sem sequer nos darmos conta de que estamos fazendo isso. Ou ingerimos alimentos de modo quase automático, sem prestar atenção ao ponto em que nossa fome foi saciada. Essas coisas ajudam a explicar uma parcela da obesidade que vemos no mundo.
Se queremos parar de nos relacionar com a comida como um tapa-buraco para os nossos problemas e desejamos estabelecer uma forma mais saudável de nos conectar com ela, precisamos voltar a potencializar a experiência das refeições e do comer.
Como fazemos isso?
Primeiro, deixando o celular longe da mesa. Nos sentamos em mesas que colocam pessoas na frente de pessoas porque a ideia que é que nos olhemos nos olhos e possamos dialogar. Uma tela à mesa quebra esse vínculo.
Segundo, indo nós mesmos arriscar algo no fogão. Preparar algo para si mesmo ou para alguém é um presente damos ao outro ou a nós. Cozinhar é transformar diferentes alimentos em um prato, mas também é transformar a si mesmo. E, quando nos alimentamos de maneira positiva, contaminamos quem está ao nosso redor.
Trato de muitos desses temas no meu mais recente livro, “Terapia na Cozinha (ed. Sextante)”, que escrevi com minha amiga a chef Morena Leite e que está sendo lançado agora.
Eu sou uma das pessoas que mudou a sua relação com a refeição e consigo mesmo quando passei a ir para a cozinha sozinho tentar preparar algo. Não sou um chef, não sou um profissional, mas sou alguém que descobriu no ato de cozinhar uma grande satisfação, uma oportunidade para desestressar do dia a dia corrido, um remédio dos mais potentes para a saúde mental, uma terapia.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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