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Uma polêmica que começou a 9 mil quilômetros de distância pode ser capaz de esvaziar as prateleiras de carnes e proteínas de lojas do Carrefour em todo o país. Na semana passada, o presidente do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que a companhia deixaria de importar carne do Mercosul para o abastecimento de suas lojas.
Agora, até que exista uma retratação oficial, os principais frigoríficos brasileiros estão dispostos a não vender mais para as unidades do grupo em nenhum lugar do globo — e colocando na ponta do lápis, o grupo francês tem mais a perder do que a pecuária nacional.
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O ato de Bompard foi um aceno à Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores franceses, grupo que vem protestando e se colocando como contrários ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. A expectativa é que o tratado seja ratificado no início de dezembro.
“Em toda a França, ouvimos o desespero e a indignação dos agricultores diante do projeto de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e o risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas. “, disse o CEO em trecho da mensagem publicada em suas redes sociais.
Com a polêmica já em curso, o Carrefour França emitiu uma nota na quinta-feira (25), afirmando que a medida só é válida para as lojas francesas e que “em nenhum momento se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês”.
O estrago, no entanto, já estava feito. No dia 21, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadores de Carnes (ABIEC) soltou uma nota intitulada “Se não serve para abastecer o Carrefour na França, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, defendendo o boicote de seus associados.
Procuradas, a JBS, Marfrig e Minerva disseram que não irão comentar o caso, mas fontes familiarizadas com o assunto confirmaram à Forbes Brasil que a Minerva e a JBS decidiram aderir ao boicote desde a última quinta-feira, suspendendo a venda para todas as marcas da Rede Carrefour, incluindo Atacadão e Sam’s Club. “A suspensão vai se manter até o CEO do Carrefour se retratar e pedir desculpas. Após isso, as vendas serão retomadas normalmente”, aponta a fonte.
Mais cedo, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, também não poupou palavras ao falar sobre o caso. o ministro se disse feliz com o boicote promovido pelos frigoríficos e reforçou que a menção à qualidade sanitária das carnes do Mercosul é “inadmissível “, citando que o Brasil tem “uma das melhores sanidades de produtos alimentícios do mundo”.
De acordo com uma nota enviada à Reuters, o Carrefour admitiu que o movimento orquestrado das exportadoras brasileiras têm impactado os seus clientes: “Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade” e que busca “soluções que viabilizem a retomada do abastecimento de carne nas nossas lojas o mais rápido possível, respeitando os compromissos que temos com nossos mais de 130 mil colaboradores e com milhões de clientes em todo o Brasil”.
Procurado nesta segunda-feira (25), o Carrefour não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação desta matéria.
Carrefour sai perdendo
A decisão do Carrefour em boicotar a carne oriunda dos países-membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), em um primeiro momento, só tende a prejudicar o próprio Carrefour. Pelo menos é o que apontam os analistas do JP Morgan, BTG Pactual e Goldman Sachs.
Isso porque o desabastecimento das unidades fora da França podem ferir seriamente a receita e as margens de lucro do quarto trimestre do ano. Só no Brasil, cerca de 150 lojas são afetadas pelo boicote. As ações listadas na bolsa brasileira devem sofrer com alta volatilidade enquanto uma solução não for encontrada.
O JP Morgan estima que a carne bovina e demais proteínas são responsáveis por 25% das vendas totais das lojas de atacarejo que, por sua vez, respondem por 70% do total da Rede Carrefour. O banco americano, no entanto, ressalta que a maior parte dos serviços de açougue trabalha com estoques para 5 ou 7 dias, o que pode limitar o tamanho do impacto da falta de abastecimento.
O Goldman Sachs calcula que, atualmente, o mix de produtos do Carrefour aponta que carne bovina representa 12% das vendas totais, enquanto frango e carne suína ficam com 6% e 2%, respectivamente
Com base nessas estimativas — consideradas superestimadas pelo próprio banco — o banco espera uma queda entre 0,07% e 0,13% nas vendas e de 0,54% a 1,09% no lucro líquido dos últimos três meses do ano.
“Ressaltamos que a potencial indisponibilidade de produtos de carne pode reduzir o tráfego de clientes como um todo, resultando em quedas significativas nas vendas de outras categorias”, concluem os analistas.
Balança comercial
Olhando para as exportações — o foco principal de insatisfação dos investidores franceses —, a postura do Carrefour, de forma isolada, pode afetar muito marginalmente o potencial de receita dos frigoríficos brasileiros ou a balança comercial brasileira. Menos de 0,1% do total da carne brasileira exportada tem como destino a França.
De acordo com números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o total de carne bovina, suína e avinas enviados ao país totalizou R$ 8,2 milhões em 2024, o que representa 0,0000752% do PIB brasileiro se considerarmos o valor de 2023.
O temor, no entanto, é que o boicote se espalhe não só para outras empresas francesas, mas também para outros países onde o movimento dos pecuaristas estão pressionando os governos. Nesse caso, em 2024, o valor exportado é de cerca de R$ 21,5 bilhões — 0,19% do PIB, o que resultaria em um impacto marginal.
A pressão dos produtores locais contra o acordo comercial com o Mercosul não é novidade. Eles temem que as condições impostas para a importação possam desvalorizar o produto local.
Para Mauro Rochlin, professor de Economia da FGV, enquanto o impacto na balança comercial brasileira pode não ser dos mais significativos, a pressão pode colocar em risco os próprios termos do acordo, dificultando a adoção e até mesmo os termos do documento.
Ele explica que o acordo envolve a redução de alíquotas alfandegárias europeias, mas que ainda não se sabe até ao certo qual o impacto dessas medidas em setores como a agricultura e pecuária ou mudanças nas regras sanitárias de importação — muitas vezes utilizadas pela Europa como uma forma de protecionismo velado.
“O boicote se torna um complicador [para o acordo]. É mais um problema num tema que já vem sendo tratado cheio de dedos. Não é à toa que a gente vê há muitos anos esse acordo e suas tentativas se estenderem”, conclui.
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