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A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada na noite de ontem passou longe de pegar o mercado de surpresa. Por semanas, os economistas já projetavam um aumento de 0,50 ponto percentual, levando a taxa básica de juros para 11,25% ao ano.
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Como era esperado, o colegiado cutucou o governo ao cobrar uma “apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal” e apontou que o momento de incerteza tem pesado sobre o prêmio de risco de forma relevante — não à toa, o dólar chegou a encostar nos R$ 5,86 na semana passada.
Sem se comprometer com o futuro, o Banco Central deixou a porta aberta para uma aceleração na alta dos juros — e nem mesmo o tão prometido pacote de contenção de gastos prometido pelo governo pode ser capaz de segurar a Selic. Pelo menos é isso que pensa Daniela Lima, economista-chefe para o Brasil da Kinea, gestora com mais de R$ 130 bilhões sob gestão.
“Acreditamos que o Lula irá trazer um pacote importante de controle de gastos, mas temos dúvidas se isso será o suficiente para acalmar o mercado e o câmbio. Não temos uma previsão de estabilidade de dívida. O governo continuará usando o BNDES para fazer política pública em um momento de economia aquecida e inflação alta”, pondera a economista.
Em entrevista à Forbes Brasil logo após a decisão do Copom, a economista aponta as razões pelas quais a Selic pode ir além dos 12,50% hoje precificados pelo mercado e como o pacote fiscal que está sendo costurado em Brasília pode ser insuficiente para acalmar os ânimos.
Confira os melhores momentos da conversa abaixo:
Forbes: Quais foram as suas primeiras impressões sobre a decisão e o comunicado do Copom?
Daniela Lima: A decisão de subir os juros em 0,50 ponto percentual já era amplamente esperada por nós e pelo mercado. Eu já esperava um comunicado que fosse quase uma cópia do anterior, principalmente pela falta de direção sobre os próximos passos. Eu destacaria duas coisas importantes.
A primeira delas é que o BC apertou o tom com relação ao fiscal. Ele já vem fazendo isso há alguns comunicados. Desta vez eles apertaram um pouquinho o tom, talvez até por conta do pacote de medidas que está sendo gestado pelo Ministério da Fazenda. Eles falaram mais do que apenas “as políticas fiscais impactam a política monetária via estímulo de demanda e os prêmios dos ativos”. Eles reafirmaram a importância de ter uma política fiscal crível e comprometida”.
A novidade veio com a frase “com a apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal”. Eu achei essa parte bastante relevante pelo timing. O BC mostra para o governo a importância das medidas estruturais para garantir a execução orçamentária e o controle das contas públicas.
Outro ponto que eu destacaria é um trecho que não mudou com relação ao último comunicado, mas parte do mercado achava que poderia mudar: a sinalização em relação aos passos futuros.
O que isso pode significar?
Daniela Lima: Parte do mercado achava que eles poderiam se comprometer com o ritmo de 0,50 p.p. Como eles não estão, a porta fica totalmente aberta. Pode-se pensar que ou continua neste ritmo ou acelera se as condições do câmbio continuarem pressionadas, indo para um ajuste 0,75 p.p.
Acreditamos que os juros podem subir mais do que esperamos hoje [12,5%]. Se o câmbio continuar no patamar de R$ 5,80 ou R$ 5,90, a porta aberta pode aumentar a probabilidade de 0,75 p.p na próxima reunião.
O Copom sinaliza que as perspectivas para as contas públicas estão pesando sobre o prêmio de risco dos ativos “de forma relevante” e, na sequência, cobra um plano crível para o Orçamento. Para quem foi a puxada de orelha? Para o governo que ainda não apresentou o pacote cobrado pelo mercado ou a precificação excessiva sobre os ativos?
Daniela: Essa é uma boa pergunta. O Banco Central é um tomador de preços. Ele pega as informações, as incorpora e toma a melhor decisão. O fiscal afeta essa decisão de duas formas. A primeira via estímulo de demanda, se os gastos públicos estão neutros, expandindo ou contracionista. Essa é uma forma que a política fiscal afeta o Banco Central. A segunda forma é via prêmio de risco. Se existe uma percepção de risco maior no mercado, isso afeta ativos como o câmbio, que por sua vez tem impacto na inflação e na projeção de inflação.
Acho que a preocupação do Banco Central é nas duas frentes. Temos uma política fiscal expansionista e a nossa moeda tem piorado de desempenho frente aos seus pares emergentes.
No fundo, o mercado é formado por pessoas que têm ideias e convicções diferentes e temos um preço médio em relação a isso. Se todo mundo do mercado achasse que o fiscal explodiu, o câmbio não estava em R$ 5,80, ele estaria muito mais.
O pacote de contenção de gastos prometido pelo governo pode ser capaz de alterar essa trajetória?
Daniela: A Kinea tem uma visão um pouco diferente da do mercado. Na nossa visão, o Lula deve aceitar um pacote importante para controle de gastos. E por que disso? Tem dois grandes motivos.
Primeiro, o Lula quer o investment grade [grau de investimento dado por agências de risco internacionais]. Não é usual presidentes da república procurarem agências de rating. A lógica normalmente não é essa, mas dessa vez foi diferente. Ele foi atrás, pediu a reunião, prometeu alguma coisa e conseguiu a melhora da nota do país.
Temos um pacote de medidas que têm potencial de trazer uma economia relevante no longo prazo. A dúvida que surge é justamente se poderá acalmar o mercado.
Temos dúvida de que isso acontecerá. O mercado continuará questionando a disposição do governo em cumprir o arcabouço fiscal. No governo Lula, iremos ver um um crescimento da dívida de 13 p.p. É muito alto.
E por mais que o governo esteja preparando esse pacote, há discussões sobre uma reforma do imposto de renda, que espera-se que seja neutra do ponto de vista fiscal, mas pode não ser. Fora os gastos para-fiscais, o uso de recursos de fundos e o objetivo de dobrar o desembolso do BNDES em 2026.
Por mais que a gente acredite que o pacote pode surpreender o mercado, ele irá continuar cauteloso. O que nos deixa dependente do investidor internacional.
Em outros momentos de estresse do câmbio já vimos o BC atuando para conter a escalada. Isso não tem acontecido agora, mesmo que o tom do comunicado mostre uma grande preocupação com a desvalorização da moeda. Qual sinal isso passa?
Daniela: O Banco Central sempre diz que irá atuar quando ele vir alguma disfuncionalidade técnica no mercado do câmbio e hoje não vemos isso. O câmbio está piorando por fundamento, porque ele tem razão para estar piorando, seja porque às vezes lá fora o dólar está mais forte ou porque aqui aumentou o prêmio de risco. Não há uma questão técnica.
Após a decisão de hoje, qual cenário a Kinea trabalha para a Selic?
Daniela: Acreditamos que o BC seguirá com um ritmo de 0,50 p.p e depois 0,25 p.p, terminando em 12,5% ao ano. Há um risco de ele acelerar e termos um juro terminal maior. E eu digo isso justamente por conta do câmbio. No fundo, estamos muito dependentes de onde ele irá parar. Se tivermos um pacote fiscal que traga previsibilidade e sobrevida ao arcabouço, além de um maior interesse dos estrangeiros no país, o plano de voo pode seguir como está e terminar em 12,5%.
O que pode resultar em uma Selic terminar maior e prolongada por mais tempo?
Daniela: Hoje projetamos uma inflação maior do que a do mercado. Ela deve terminar esse ano em 5% e em 2025 em 4,9%. Em cima disso tudo, não estávamos trabalhando com um câmbio de R$ 5,80. Nesse caso o viés é maior.
Hoje o BC piorou as projeções de inflação e o modelo dele sempre é mais conservado. Aqui na Kinea, nós vemos os núcleos da inflação batendo 6% no começo do próximo ano — é o nosso ponto de divergência do mercado. É muito acima do teto da meta.
No cenário internacional, o BC cita que o ambiente é desafiador para países emergentes. Como vocês enxergam o impacto do exterior na política monetária brasileira?
Daniela: A eleição de Trump deixa algumas dúvidas. Para nós, isso significa mares internacionais mais turbulentos. Nos questionamos até que ponto o Federal Reserve irá cortar os juros. Temos uma economia americana crescendo acima do potencial, inflação levemente acima da meta e o Trump, que propõe medidas inflacionárias.
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Normalmente o Fed reage mais aos fatos do que promessas políticas, mas nos perguntamos até onde eles podem ir. As tomadas de decisões do Fed e o cenário Trump importa à medida que ele impacta o Real. Ele também tende a comprar algumas brigas com países emergentes, o que pode tornar tudo mais volátil.
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