Como a Fundadora Bilionária de 81 Anos da Epic Planeja Manter Seu Império para Sempre

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A empresa foi fundada em 1979

Judy Faulkner sobe ao palco na reunião anual de clientes da Epic Systems acompanhada de um cisne de plástico de quase dois metros e que precisa de dois assistentes humanos para ser conduzido. Sete mil executivos da indústria da saúde riem confusos, se perguntando por que a fundadora e CEO de uma empresa com receita anual de US$ 4,9 bilhões (R$ 26,67 bilhões), está usando uma coroa de penas brancas ao redor do pescoço. Faulkner diz que é sua versão moderna de uma das maiores contadoras de histórias do mundo: em vez de Mamãe Ganso, ela se chama “Lady Swan” (Senhora Cisne).

“Eu sempre me sinto um pouco boba vindo aqui todos os anos fantasiada”, Faulkner diz ao público, que faz a peregrinação anual até a sede excêntrica e temática de livros da Epic, com 6,7 milhões de metros quadrados, na área rural de Verona, Wisconsin, para ouvir as últimas novidades sobre a tecnologia que muitos médicos  adoram odiar. “Você tem que rir para aprender e entreter para educar”, ela explica.

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‘Não abra capital’

Judy Faulkner, uma programadora de computador que fundou a Epic em um porão em 1979, desafiou convenções desde o primeiro dia. Enquanto concorrentes como Cerner (agora Oracle Health), Allscripts (agora Veradigm) e Athenahealth cresceram por meio de investimentos de capital de risco, fusões e aquisições, abrindo capital e depois voltando a ser privadas, Faulkner evitou qualquer interferência externa. Essa mentalidade está consagrada nos dois primeiros mandamentos dos Dez Mandamentos da Epic, que estão pendurados na parede de um banheiro do campus:

Não abra o capital.
Não seja adquirida.

E ela pretende manter assim. Aos 81 anos, Faulkner tem a mesma idade do presidente Joe Biden, cujo desempenho desastroso em um debate acendeu preocupações sobre sua idade, saúde e aptidão para o cargo, levando-o a desistir de sua candidatura para um segundo mandato. Faulkner, no entanto, disse à Forbes que não tem planos de se aposentar. “Se você se aposentar, você não tem mais um propósito para viver”, ela diz. “Trabalhar te mantém vivo e ativo. É realmente bom quando o que você faz é maior do que você.”

Nos últimos 45 anos, Faulkner se tornou uma das pessoas mais influentes no sistema de saúde dos EUA, que movimenta US$ 4,5 trilhões (R$ 24,49 trilhões). O software é usado para pacientes em mais da metade dos cerca de 890 mil leitos hospitalares dos EUA, segundo estimativas da empresa de pesquisa em TI de saúde KLAS.

A grande incógnita é se o domínio da Epic vai persistir depois que sua líder exigente e visionária não estiver mais no comando. Além disso, o mercado hospitalar está saturado. A próxima fase de crescimento da companhia terá que vir de novos grupos de clientes, como seguradoras de saúde, dispositivos médicos e laboratórios. Um desses movimentos recentes resultou em um processo antitruste, alegando que a Epic detém um monopólio sobre os registros eletrônicos de saúde, acusações que a empresa classificou como “infundadas.” (A Forbes entrevistou Faulkner antes do processo.)

Faulkner afirma que já colocou em prática um plano para garantir que a companhia permaneça privada, independente e de propriedade dos funcionários para sempre. Atualmente, ela possui quase metade da Epic, e a Forbes estima que seu patrimônio líquido seja de cerca de US$ 7,7 bilhões (R$ 41,91 bilhões). O restante da empresa é de propriedade de funcionários e de alguns membros da família fundadora. Ela se recusou a comentar sobre o preço de mercado atual da empresa ou comparações com negócios no mercado público, como a aquisição de US$ 28 bilhões (R$ 152,40 bilhões) da Cerner, sua concorrente de longa data, pela Oracle em 2022.

O plano

Faulkner reteve todas as ações com direito a voto da Epic, e, após sua morte, o controle será transferido para um fundo fiduciário governado por quatro membros de sua família — seu marido Gordon, 80 anos, e três filhos — e cinco funcionários de longa data da alta administração. Em consonância com os Dez Mandamentos, ela diz que as regras do fundo proíbem a abertura de capital, venda ou aquisição, e estipulam que o próximo CEO “deve sempre ser um funcionário de longa data da e um desenvolvedor de software.” Um conselho de supervisão separado, composto por até três clientes antigos da Epic na área da saúde, atuará como protetor do fundo e “processará qualquer um que não vote de acordo com as regras.”

Faulkner começou a vender partes de suas ações sem direito a voto de volta para a tesouraria, destinando os recursos para sua fundação familiar Roots & Wings, que foi criada em 2020. Os seus esforços filantrópicos são focados no desenvolvimento infantil precoce, incluindo saúde, educação, segurança e necessidades básicas para crianças e famílias. Após a venda, as ações sem direito a voto de Faulkner são oferecidas aos funcionários da Epic. Ela afirma: “Eventualmente, a empresa será quase totalmente de propriedade dos funcionários e da minha família.”

Vagas concorridas

Ser um dos 14 mil funcionários da Epic é fazer parte de um grupo de elite mais seletivo do que qualquer universidade da Ivy League. Faulkner afirma que mais de 370 mil pessoas se candidataram a vagas na Epic no ano passado, e a empresa contratou cerca de 2 mil delas — cerca de meio por cento. Cada funcionário tem o seu próprio escritório em um campus repleto de edifícios fantásticos — uma homenagem a 20 mil Léguas Submarinas de Júlio Verne, com tentáculos gigantes de lulas saindo do chão; um prédio temático de Alice no País das Maravilhas, com um escorregador que transporta os funcionários para um mundo invertido, onde lustres e escadarias parecem desafiar a gravidade; o conjunto de edifícios conhecido como Wizards Academy, que possui uma réplica da estação de trem King’s Cross, uma referência à série Harry Potter. Faulkner afirma que as instalações representam cerca de 8% dos seus custos operacionais, enquanto o maior custo de longe, com 82%, vai para os funcionários.

Os ambientes lúdicos têm como objetivo estimular soluções criativas para desafios técnicos do mundo real. “Você não sabe quais mudanças engenhosas – como IA, a internet, o uso do telefone para tantas coisas –  vem a seguir”, diz ela. Por isso, Faulkner delega grande parte do desenvolvimento de futuros produtos aos funcionários que supervisionam cada uma das linhas de negócios da Epic – novos recursos são quase sempre desenvolvidos internamente.

Essa mentalidade de controle total interno é fundamental para o que Faulkner acredita diferenciar a Epic de seus concorrentes: como ela nunca adquiriu outra empresa, não precisou construir pontes para conectar diferentes tipos de software. Os diagramas em árvore que mapeiam a consolidação do mercado de registros eletrônicos de saúde de 1992 a 2024 reforçam o ponto de Faulkner. Enquanto Allscripts, Cerner e Athenahealth têm um emaranhado de ramificações – cada uma representando uma fusão ou aquisição – a Epic é uma linha reta. “Esse é um dos principais motivos pelos quais as pessoas vêm até nós”, diz ela. “Teoricamente, você acha que essas são apenas interfaces que podem funcionar juntas, mas não funciona tão bem assim.”

Durante grande parte da última década, o mercado de registros eletrônicos de saúde foi descrito como um duopólio entre a Epic e a Cerner, que foi adquirida pela Oracle em 2022. No entanto, recentemente, a Epic tem crescido, enquanto a Cerner — agora chamada Oracle Health — tem encolhido, de acordo com dados da empresa de pesquisa em TI de saúde KLAS.

Concorrência

Em 2023, a Epic foi a única empresa de registros eletrônicos de saúde nos EUA “a obter um aumento líquido na participação de mercado”, adicionando 153 hospitais (muitos deles parte de sistemas maiores) e 28.788 leitos hospitalares, segundo a KLAS. A Oracle Health, a maior perdedora, teve uma perda líquida de 71 hospitais e 15.392 leitos no mesmo período. Faulkner afirma que a sua companhia alcançou esses resultados com apenas oito vendedores entre os seus 14 mil funcionários. “Fazemos vendas reativas. Não fazemos vendas proativas”, diz ela. “Nossos vendedores não têm comissões, não têm metas, não fazem chamadas frias.”

Seema Verma, vice-presidente executiva da Oracle e ex-administradora dos Centros de Medicare e Medicaid Services sob o governo do presidente Donald Trump, contestou os números da KLAS. “É preciso mais do que um EHR (registro eletrônico de saúde) por si só para resolver o escopo completo dos problemas que as redes de saúde enfrentam, que incluem tudo, desde questões de pessoal, cadeia de suprimentos, finanças, engajamento dos pacientes e segurança,” disse Verma em um comunicado. “A Epic nunca estará no negócio de resolver esses problemas, e a pesquisa míope da KLAS não leva esses desafios em consideração. É como contar jardas corridas no futebol sem contabilizar os touchdowns.”

Quando perguntada sobre quanto a Oracle gastou com os anúncios no território da Epic, Seema Verma respondeu: “Bem menos do que os clientes gastam implementando a Epic.” As instalações da Epic em grandes sistemas de saúde podem custar centenas de milhões de dólares, o que torna ainda mais notável que dois clientes da Oracle, Intermountain Health, com sede em Salt Lake City, e UPMC, com sede em Pittsburgh, estejam ambos em processo de migração para a Epic.

“Não acho que já tenhamos realmente focado na concorrência”, diz Faulkner. Ainda assim, cerca de seis minutos da reunião anual da Epic foram dedicados a apresentações de slides sobre novos clientes que incluíam os nomes das empresas rivais que estavam sendo substituídas.

Enquanto o sistema altamente integrado da Epic prevaleceu em grandes sistemas de saúde, a nova batalha pela participação de mercado será travada em organizações de saúde adjacentes: seguradoras, empresas de dispositivos médicos, laboratórios e farmacêuticas. A Epic está investindo nessas áreas com um produto chamado “Health Grid”, que conecta esses diferentes atores para facilitar a transferência de dados de pacientes, em vez do sistema atual de faxes, e-mails, CD-ROMs e PDFs. No entanto, essa não é uma tarefa fácil – hospitais e seguradoras de saúde têm uma relação complicada no que diz respeito ao compartilhamento de dados, decorrente de décadas de disputas contratuais amargas sobre taxas de reembolso e os complexos processos de pré-aprovação de prescrições e cirurgias.

Ambos os lados têm tentado usar inteligência artificial (IA) para acelerar esses processos baseados em telefone, papel e fax, mas há preocupações de que, se cada lado construir seus próprios bots administrativos, isso criará um congestionamento de robôs, em vez de um congestionamento humano. “Acho que estamos caminhando para uma batalha de IA contra IA, a menos que mudemos de curso”, disse Sumit Rana, presidente da Epic, durante a reunião anual da empresa, vestido como o personagem de quadrinhos belga Tin-Tin.

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Na sala de conferências que se conecta ao escritório de Faulkner, em Andromeda, o primeiro edifício construído no campus da Epic, dezenas de citações inspiradoras estão penduradas nas paredes. Ao ser perguntada sobre sua favorita, ela primeiro menciona uma atribuída a Newt Gingrich, mas logo se lembra de outra. “Uma das minhas favoritas é quando alguém pergunta ao seu contador se pode se aposentar e viver confortavelmente pelo resto da vida”, diz Faulkner. “E o contador responde: ‘sim, se você morrer na próxima semana.”

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