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A minha história com ela começou quando fui atingida na cara por uma de suas obras monumentais. As minhas pupilas se dilataram, senti a frequência cardíaca aumentando e a boca seca. A obra em questão tinha treze metros de altura, 140 mil folhas bordadas à mão, quilômetros de tecidos coloridos e milhares de luzes que fariam inveja à árvore de Natal do Rockefeller Center.
Naquela manhã de outubro, enquanto cruzava a floresta de Monsanto, em Lisboa, no caminho de volta da escola das minhas filhas, eu recebi um chamado.
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Os indígenas acreditam que as árvores possuem uma sabedoria ancestral. Afinal, elas surgiram na Terra cerca de 300 milhões de anos antes de nós. Basta sintonizar a nossa frequência com a da natureza, que a mensagem chega. Comunicação não é somente o que é falado, e sim o que é sentido.
É bastante comum eu me emocionar diante de uma arte, independentemente do seu formato. Uma música, um filme, um livro ou mesmo uma obra da natureza. Mas, nesse dia, o que eu senti foi totalmente diferente.
A “Árvore da Vida”, nome da obra que estava exposta no MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), foi pensada e produzida para a Sainte-Chapelle de Vincennes, na França, a mesma Capela que, supostamente, eu e minha irmã Carol visitaríamos na semana em que ela sofreu um AVC hemorrágico avassalador e foi hospitalizada.
Aprendemos ainda na infância que a árvore absorve CO2 da atmosfera e devolve o oxigênio que respiramos. As árvores nos dão frutos e sombra, e nos ensinam que é preciso adaptar para sobreviver. Observe como elas se transformam durante as quatro estações do ano.
Passei horas em silêncio observando aquela árvore artificial, mas que parecia tão real aos meus olhos. A quietude sempre permite que o propósito da sua vida se manifeste. Entendi que a “Árvore da Vida” me chamou, para contar que não adiantava eu resistir. A raiva e a frustração só me tirariam do meu caminho. Teria que aceitar que a vida é impermanência.
“A obra não passa de uma espécie de instrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo.” Acredito que esta frase de Marcel Proust vá além do conceito literário.
A arte cura, e Joana Vasconcelos sabe disso. Ela acredita que, se uma obra não se comunicar e não estabelecer novos paradigmas, se não acrescentar qualquer coisa, seria melhor não existir.
É, através do corpo físico, que o trabalho da alma se realiza. Suas obras, que começam a partir de um bloco de papel e canetinhas, tem o poder de nos emocionar, nos incomodar, nos fazer sonhar, questionar, com ironia, surpresa ou afeto, e até mesmo nos fazer rezar.
A arte da Joana é uma ponte entre o céu e a terra.
Ela foi a primeira mulher e a mais jovem artista contemporânea a expor no Palácio de Versalhes, na França, com uma audiência recorde de 1.6 milhão de pessoas. Criou e produziu uma instalação das mais polêmicas de que se tem notícia – “A Noiva”, um lustre belíssimo construído com 14.000 tampões OB – é isso mesmo, você não entendeu errado, absorventes internos. Essa obra tem como propósito derrubar tabus e colocar em evidência que ainda há muitas coisas que temos de repensar e mudar. Foi censurada em algumas instituições, mas continua a ser a favorita da Joana. Minha filha adolescente, Isadora, quando viu a imagem do lustre no computador, deu um zoom e gritou: “Credo.”
Voilá! Missão cumprida.
“Marylin” é uma obra no formato de um sapato de salto, chiquíssimo, feito com (que rufem os tambores) panelas e tampas de aço inox. Ela questiona a condição doméstica da mulher, partindo de um rotineiro objeto da cozinha e estabelecendo uma improvável associação com o mundo do glamour.
O “Carro a Pilhas” foi o primeiro carro da sua “montadora particular”. É uma peça que parte da ideia da reciclagem de pilhas usadas nas escolas. Um projeto modelo que incentivou a reciclagem dessas pilhas pelas crianças e jovens em troca de livros. A reciclagem não tem que ser só com materiais. Deve-se reciclar também conceitos, tradições, costumes e até a família.
Quando Joana esteve no Vaticano, ouviu do Papa Francisco, a seguinte afirmação: “Precisamos dos artistas para sonhar um mundo diferente e belo, porque a beleza nos convida a uma maneira diferente de estar no mundo. Trata-se de contemplação. De fato, a beleza nos faz sentir que a vida está voltada para a plenitude. Na verdadeira beleza, começamos a sentir a nostalgia de Deus.”
Eu digo, Amém. Não é à toa, que a palavra coração tem a palavra oração dentro dela.
Eu, que nasci no dia da árvore, 21 de setembro, não acredito em coincidências, mas sim em encontros. Tive a honra e o privilégio de passar uma manhã inteira com a Joana e sua equipe diversa e talentosa no seu ateliê de quase 4 mil metros, à beira do rio Tejo, em Lisboa. Curiosamente, foi daquele ponto que seus ancestrais se lançaram em barcos a percorrer mares, ampliando o seu mundo e alterando mapas.
Mesmo sabendo que era impossível, Joana Vasconcelos foi lá e fez.
“Nossas digitais não se apagam das vidas que tocamos,” diz Lya Luft. A Joana nem sabe o quanto me marcou. A sua força aliada a delicadeza em tudo o que ela traz para o mundo prova que coragem é o medo caminhando.
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P.S.: A minha amada irmã Carol segue no hospital há 11 meses. Eu, com a minha fé inabalável, não tenho medo e continuo confiando nos caminhos invisíveis. O que é seu, está guardado.
Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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