Especial e Mais Caro: Como o Clima e a Demanda Podem Encarecer o Café de Alta Qualidade?

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O preço do café especial costuma ser elevado por conta da alta qualidade do grão

Seja o tradicional ou do tipo especial, o cafezinho de todo dia está com o preço nas alturas — e não deve baixar tão cedo, se as condições climáticas seguirem desfavoráveis. É o que apontam os dados mais recentes do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referentes aos últimos 12 meses, que revelaram o aumento de 16,6% no valor do café moído tradicional. O Boletim de Acompanhamento da Safra de Café de setembro, feito pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), justifica isso.

O documento mostra que a primeira estimativa para a atual safra, divulgada em janeiro deste ano, indicava uma produção de 58,08 milhões de sacas, 5,5% superior à da safra anterior. No entanto, as condições climáticas adversas, como estiagens, chuvas esparsas e mal distribuídas e as altas temperaturas durante as fases de desenvolvimento dos frutos, reduziram as produtividades previstas. Com a oferta reduzida e a demanda aquecida, o preço do café tradicional sobe alguns degraus e impacta, também, no valor da variedade especial do grão.

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Especial e mais caro

Avaliado como vinho, o café especial é aquele livre de defeitos, produzido de maneira sustentável e que em uma avaliação sensorial de qualidade recebe acima de 80 pontos em escala de 0 a 100, na qual se avalia a doçura, acidez, complexidade e finalização.

A valorização do café especial também está relacionada à região onde é produzido, visto que, a depender da altitude e das variedades, o sabor da bebida pode ser mais exótico, com notas sensoriais destacadas. “Um café que tem uma nota sensorial de jasmim, eventualmente, vale mais do que um café que tenha uma nota sensorial comum. Então, o que compõe o preço é um conjunto de fatores que vão desde como e onde o café foi cultivado até a variedade, se é orgânico e de agricultura familiar ou não. Quanto mais exclusivo, o preço tende a aumentar”, explica Vinicius Estrela, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Café Especial (BSCA), que busca difundir técnicas para elevar os padrões de excelência dos cafés brasileiros oferecidos nos mercados interno e externo.

O café considerado especial, que já possui um preço mais elevado em comparação ao tradicional, também deve encarecer puxado pela alta do café commodity e pela instabilidade climática. “O café commodity é negociado na bolsa, por uma dinâmica de oferta e demanda, enquanto o preço do café especial é posto pela dinâmica de mercado. Quando o preço do café comercial fica mais alto, a diferença em relação ao preço do café especial pode diminuir, mas, ainda sim, nesse cenário, é lógico que a tendência do café especial é ficar mais caro”.

Ainda que as condições climáticas desfavoráveis tenham afetado a produtividade do café, o técnico Lucas Tadeu Ferreira, da Embrapa Café, pede cautela ao culpabilizar somente as condições climáticas.”O excesso ou a falta de chuva afeta a fase de florescência do fruto do café. Mas é preciso ter cuidado, porque os preços não estão subindo só por causa do fator climático, mas também pela oferta e demanda dessa commodity”, diz.

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O café especial precisa receber uma nota acima de 80 pontos numa escala de 0 a 100 para ser considerado especial

Para Ferreira, é importante considerar que o clima instável também está afetando a produção de café robusta do Vietnã, o segundo maior produtor do grão do mundo. No país asiático, o tempo quente e seco e a falta de chuva nos primeiros meses do ano impactaram negativamente a produtividade do ciclo 2024/25.

Com a produção afetada do lado de lá, a oferta global de café robusta não está no melhor cenário e isso afeta diretamente o Brasil. “O Vietnã produz algo em torno de 30 milhões de sacas de café. Com a ocorrência de problemas climáticos lá, se afetar a produção do Vietnã, afeta a oferta mundial, e as Bolsas de Nova York e Londres reagem, o que tem reflexo direto nos preços daqui”.

O café especial também surfou no aumento na onda dos preços elevados, aumentando cerca de 20% a 30% neste ano em comparação ao valor de 2023, segundo Estrela. “Em cafés de 80 pontos, 82 pontos, o preço do café comercial de boa qualidade está em 1.500 reais. Hoje, o preço de um café especial de 80, 84 pontos, está custando entre 1.700 e 1.800 reais a saca de 60 quilos”.

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A demanda também é um fator que impulsiona o aumento dos preços. “A produção de café especial, quando a BSCA foi fundada na década de 90, girava em torno de 120 mil sacas. No ano passado, a gente atingiu uma produção de mais ou menos 8,5 milhões de sacas”. Estrela ainda explica que a alta demanda pelo café especial decorre da qualidade e diversidade de sabores que oferece. Com a disponibilidade de cafés especiais no varejo, o consumidor tem tido mais contato com essa variedade de café.

“Observamos um aumento bastante consistente no consumo de café especiais tanto no Brasil quanto no exterior. Ou seja, o mercado está mais aquecido, porque novos consumidores estão entrando no mercado”.

A culpa é do clima?

Tal como as sensíveis uvas que dão origem a vinhos especiais, as condições climáticas desfavoráveis, como a falta de chuvas, a seca e as altas temperaturas também influenciam a qualidade do café especial. Com menor qualidade dos grãos, há uma perda de produtividade, e, consequentemente, o aumento do preço, visto que a oferta diminui. “O clima influencia a qualidade daquele grão. Se o grão vem menor, você não consegue estufar ele. Aí temos um rendimento menor em grãos”, explica Vinicius Estrela, da BSCA.

Solo, clima e região são os três fatores cruciais para garantir não só um bom café, como também os especiais. A planta do café exige solos bem drenados e aerados, ricos em nutrientes e matéria orgânica. Neste caso, o equilíbrio é tudo. Os índices de precipitação não devem ser muito elevados, visto que a abundância de água prejudica a absorção de nutrientes pela planta, e consequentemente, o seu desenvolvimento. A temperatura também não pode pecar pelo excesso e nem pela falta. O ideal é uma temperatura entre 18ºC e 26ºC a depender do tipo de grão.

O mesmo vale para a variedade especial do grão. No entanto, em um setor que anda praticamente junto de novas tecnologias, o café especial não fica desamparado. Vinicius Estrela explica que existem algumas ferramentas que conseguem administrar os efeitos adversos na produção causados pelo clima. “Na medida em que o produtor vai percebendo que o café sofreu, ele vai investindo em tecnologia na pós-colheita para potencializar a qualidade do grão. Ele escolhe se vai fermentar, se vai fazer a despolpa, e outros processos para mitigar alguns desses efeitos e danos do clima. Mas tudo isso adiciona custo, e por isso que o café especial é mais caro”.

Sob o olhar do cafeicultor

Se está ruim para o consumidor, o cafeicultor também não está contente. Juliana Rezende, proprietária da Fazenda Santa Bárbara, em Monte Carmelo, no sul de Minas Gerais, que possui 63 hectares de área plantada de café arábica para produção da variedade especial, não esconde a sua preocupação com a instabilidade climática.

“As condições do clima desse ano tem nos proporcionado um déficit hídrico e temperaturas altas, que já vem afetando as lavouras e podem comprometer a safra 2024/25. Desse jeito, possivelmente o produtor não irá se beneficiar desse momento de alta do café devido a queda na sua produção”, explica.

Acervo – Juliana Rezende

A cafeicultura Juliana Rezende conta com os benefícios da agricultura regenerativa para mitigar os danos na proudução

O Sul de Minas Gerais é a maior região produtora de café no Brasil, ocupando cerca de 58% da área total em produção no país, com 1,1 milhão de hectares, segundo dados da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). Por lá, as temperaturas têm batido recordes desde o início do período de seca, por volta de 32ºC. A chuva, no entanto, não acompanhou a intensidade do calor, e não dá as caras desde abril.

O sistema de agricultura regenerativa e a irrigação por gotejamento tem ajudado a manter a qualidade e a eficiência da produção de café na Fazenda Santa Bárbara. No entanto, Juliana Rezende torce para que a previsão de chuvas acima da média em outubro se concretize e reduza os prejuízos da safra atual.

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