Como o contínuo interesse pelo novo mantém Costanza Pascolato jovial aos 85 anos

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Victor Affaro

Costanza Pascolato posa em frente à sua abastecida biblioteca

No Brasil, e ouso dizer no mundo, não há maior e mais perene referência do que Costanza Pascolato quando o assunto é elegância, estilo e bom gosto. E não pense que, ao falar de bom gosto, refiro-me apenas às roupas que ela veste. Vai muito além disso – é sobre sua essência. Do alto de seus 85 anos, a eterna papisa da moda esbanja uma alegria de viver que causa inveja a qualquer mocinha de 25.

Sua estreia no universo da moda ocorreu na década de 1970, na Editora Abril, e desde então ela se mantém relevante no mercado, sendo convidada para estampar capas de revistas e participar de campanhas de moda até hoje. Ela lembra que o trabalho entrou tardiamente em sua vida, aos 35 anos, após se separar de seu primeiro marido, o americano Robert Blocker. “Ter que trabalhar me manteve curiosa e atualizada.”

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Costanza é autora de livros que abordam moda e comportamento, além de suas próprias vivências. E também é uma leitora assídua, como comprova a bela biblioteca que mantém em seu apartamento, no elegante bairro paulistano de Higienópolis, onde predomina o estilo clássico da decoração. A maioria dos móveis, ela conta, data do século 18, herança de sua família italiana. O veludo usado para forrar seus estofados, por sua vez, é o mesmo usado no Palácio de Buckingham, que ela conseguiu anos atrás com um fornecedor inglês. A cadeira que aparece abaixo faz parte desse acervo. “A única coisa moderna que tenho aqui é uma gravura do Picasso”, disse, mostrando o desenho em um porta-retrato. Mas, na verdade, há outra “modernidade” espalhada pela casa: as almofadinhas Pucci, que ela ganhava como souvenir nos desfiles da marca.

Victor Affaro

Costanza com uma de suas cadeiras datadas do século 18, herança de sua família italiana

Na semana em que finalizei este texto, Costanza passava por uma cirurgia para corrigir um problema no quadril que a incomodava há tempos. Em determinado momento da conversa, surgiu a questão da finitude. “Sei que tenho um limite de tempo na Terra, que deve vencer em 10 anos.”

Confira a seguir os melhores momentos da sempre deliciosa conversa com Costanza Pascolato.

Forbes – Quando sentiu que estava, enfim, envelhecendo?

Costanza Pascolato – Percebi a mudança quando meu último hormônio se foi, aos 61 anos. Foi um marco significativo; notei que não tinha mais a mesma vontade de namorar que antes. Procriar é uma forma de sobrevivência, pois, no fundo, nascemos com esse instinto animal de procriação. Quando ele acaba, o que fazer?

O que você fez?

Minha vontade de viver permaneceu imensa, mas de uma forma diferente. Aceito meu corpo, e envelhecer faz parte dessa aceitação. Nesse período, comecei a fazer aulas de filosofia, português e literatura brasileira, áreas que eu não conhecia muito bem. Dediquei-me ao desenvolvimento intelectual. Fisicamente, sentia que meu cabelo já não combinava mais com o meu rosto. Então, decidi puxá-lo todo para cima. Fiz esse penteado para uma festa e pensei: “Nossa, inventei algo novo”.

E acabou virando uma de suas marcas registradas.

Deu certo e eu continuei. Hoje em dia, até os brincos são puxados para cima (risos). Gosto de brinco moderno, porque sou supermoderna. Todo mundo diz isso.

Qual é o lado bom da maturidade?

O lado bom de envelhecer é a tranquilidade de já ter escolhido seu caminho. Não é mais necessário optar por coisas que você não aprecia apenas para permanecer na crista da onda.




Como vê a moda prateada, voltada para pessoas que já passaram dos 50, 60 anos?

Não tenho muita prática no assunto, mas tenho a impressão de que a moda prateada está mais presente nos Estados Unidos. Lá, eles têm um mercado muito específico para cada faixa etária. Aprendi isso vivendo em Nova York. O atendimento nas lojas americanas sempre foi mais didático. Cada loja tinha de tudo um pouco para todas as idades e tipos de corpo. Aqui no Brasil, as pessoas não gostam de admitir que têm mais de 50 anos, mas lá elas não se importam tanto.

Falando sobre a diversidade de idades, como vê a adaptação das marcas de luxo às mudanças na forma física das mulheres?

Como eu disse, nos Estados Unidos, há uma variedade maior de tamanhos, permitindo vestir diferentes tipos de corpo. No Brasil, as modelagens são mais aleatórias. As marcas deveriam pensar mais em adaptar suas roupas para diferentes tipos de corpos. Quando envelhecemos, nossa cintura vai afinando, fica difícil achar algo que caia bem. Algumas marcas têm modelagens mais inclusivas, mas isso ainda é exceção.

Acha difícil encontrar roupas que lhe caiam bem aos 85 anos?

Atualmente, a moda parece ser feita para mulheres altíssimas, e eu não consigo encontrar nada que me sirva bem. Com a idade, o corpo vai mudando, a cintura já não está mais no mesmo lugar, e vestir-se torna-se quase um “disfarce”. As pessoas estão vivendo mais e melhor, e as marcas poderiam prestar mais atenção nisso.

Victor Affaro

Costanza Pascolato: “A moda continuará a evoluir, mas a essência de se vestir bem e sentir-se bem consigo mesmo permanece atemporal”

Como boa italiana, qual é sua percepção sobre a atitude das europeias nesse ponto?

Na Itália, as mulheres se vestem bem, mas não cuidam tanto do rosto. Elas aceitam as rugas de um jeito que eu não entendo. Já as americanas e brasileiras têm uma percepção diferente, mais focada em cuidados com a pele e tratamentos estéticos.

Que conselhos você daria para alguém que está lutando para encontrar seu estilo pessoal e aceitar as mudanças do tempo?

Acho que é sobre ser fiel a si próprio, assumir quem você é e o que você quer. A sociedade precisa reconhecer e valorizar a experiência e a sabedoria que vêm com a idade. Esse reconhecimento começa em nós, ao aceitarmos e celebrarmos quem somos em cada fase da vida. É importante se cuidar, mas também aceitar as mudanças.

A pandemia mudou a forma como as pessoas consomem moda. Como enxerga o cenário fashion atual?

Durante a pandemia, a compra online cresceu muito porque as pessoas estavam em casa. As marcas sentiram falta do contato direto com os clientes, mas se adaptaram rapidamente. Hoje, vemos uma geração Z que não está tão interessada em moda, mas sim em experiências. A palavra de ordem hoje é marketing digital. Um ótimo exemplo disso no Brasil é o Iron Martin, dono da marca Misci, que soube trabalhar a influência digital para fortalecer sua marca, pequena em tamanho, mas grande em impacto.

Victor Affaro

Costanza em sua sala de estar

Qual é a sua visão sobre a transformação da elite cultural com a chegada das redes sociais?

A elite mudou muito. Antigamente, era um grupo muito pequeno e sofisticado. Não estou dizendo que isso era o certo; só como era. Hoje, vemos uma elite da classe média cultural, que tem acesso ao digital e pode se divertir ou tentar copiar estilos. As redes sociais democratizaram a moda, mas também criaram desafios, pois muitas vezes as pessoas tentam ser algo que não são.

Como mantém sua vitalidade e interesse pelo novo, especialmente em uma indústria tão voltada para a juventude?

Costumo brincar que faço parte de uma minoria, pois sou uma velhinha ativa (risos). Tenho quatro amigas da minha idade, mas me relaciono muito bem com pessoas de 20, 30, 40 anos. Sempre tive um sentimento contemporâneo, um desejo de estar inserida na época em que vivo. A frase do historiador inglês James Laver resume a forma como entendo o mundo pela ótica fashion. Ele diz: “A moda nada mais é que o reflexo no espelho do comportamento de uma época”. Assim, mantenho-me atualizada, mesmo em áreas menos agradáveis, observando atentamente o que ocorre no mundo atual.

Esse interesse no contemporâneo veio com a idade ou sempre existiu?

Desde jovem, tive interesse em compreender os períodos em que vivi, apesar de uma educação superclássica. Explorei diversas formas de arte, como gravura e pintura. Para mim, manter a curiosidade e o interesse é vital.

Em que década começou na moda?

Foi em 1970, depois que me separei do meu primeiro marido, Robert Blocker, pai das minhas filhas. Na época, divórcio ainda era um tema polêmico, tanto que meu pai me deserdou, o que me forçou a procurar emprego. Lembro que bati em muitas portas e ninguém queria me dar um emprego, até que finalmente o Roberto Civita me deu uma chance na Editora Abril. Comecei como produtora, trabalhava com a Olga Krell, que era superbacana. Eu fazia produção de casa e comida; depois me colocaram em moda, uma indústria que estava começando a crescer no país.

Costanza Pascolato acompanhada pelas filhas, Consuelo e Alessandra Blocker, e pelos netos Cosimo e Allegra Barontini, em uma imagem postada em seu Instagram em homenagem ao Dia das Mães

Até então nunca tinha pensado em trabalhar com moda?

Nunca tinha pensado em trabalhar, ponto. Não era uma fashionista, mas sempre tive um olhar mais apurado. Minha mãe ia para Paris montar o guarda-roupa dela. Ela era uma mulher chiquérrima. Vejo fotos dela nos anos 1930 de chapéu e bolsa, sempre impecável.

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Em outra conversa que tivemos, você disse que a sobrevivência transforma o ser humano. Quais são suas recordações da Segunda Guerra?

Lembro-me vividamente de caminhar pelo campo de concentração de refugiados na Suíça; é algo impossível de esquecer. Tinha uns 5 anos e recordo-me de tudo até hoje. Ficávamos enfileirados, mulheres e crianças alinhadas ao longo de uma parede, aguardando a chegada de um carro para nos dar banho. A pandemia também trouxe à tona memórias da guerra, quando precisávamos correr para abrigos ao som das sirenes, testemunhando casas serem destruídas pelos bombardeios. Foi uma experiência profundamente traumática, especialmente ao retornarmos para casa e encontrarmos metade da vizinhança em ruínas.

Ter sobrevivido mudou a forma como lida com a finitude?

Com certeza. Lido bem com o fato de sermos finitos. Sei que tenho um limite de tempo na Terra, que deve vencer em 10 anos.

Por que 10 anos?

Tiro essa média pelo tempo que meus pais viveram. Sinto-me muito bem; só o problema no meu quadril está me chateando um pouco, mas logo será resolvido [Costanza sente dores e vai colocar uma prótese].

Tem medo da morte?

Não. Tenho medo de dar trabalho para os outros.

Entrevista publicada na edição 120 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.

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