Perdas e desperdícios de alimentos: uma crise muito maior do que a FAO alerta

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FAO estima em 1,3 bilhão de toneladas o desperdício de alimentos

É impossível não se indignar ao saber que bilhões de toneladas de alimentos são desperdiçados todos os anos. Você, leitor da Forbes, provavelmente compartilha essa revolta. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos sejam perdidas ou desperdiçadas anualmente, uma situação alarmante, especialmente quando consideramos que 2,4 bilhões de pessoas – cerca de um terço da população mundial – sofreram de insegurança alimentar moderada ou grave em 2022.

O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, também enfrenta o problema: cerca de 64 milhões de brasileiros convivem com algum nível de insegurança alimentar, conforme a PNAD Contínua de 2023, do IBGE. Esses números refletem um cenário que deveria ser inaceitável, tanto do ponto de vista ético quanto econômico.

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A FAO nos fornece os dados mais amplamente utilizados sobre perdas e desperdício. De acordo com a Organização, um terço do que é produzido globalmente é desperdiçado. Desse total, 54% ocorrem nas etapas iniciais da produção, manipulação e armazenamento após a colheita, geralmente dentro da propriedade rural, e são classificados como perdas. Os outros 46% ocorrem nas etapas de processamento, distribuição e consumo, principalmente em áreas urbanas, sendo classificados como desperdício.

Agora que entendemos a diferença entre perdas e desperdício, e onde ocorrem na cadeia de fornecimento, precisamos encarar uma triste revelação: alimentos que permanecem nos campos porque o produtor não encontra compradores ou porque o preço proposto pelos atravessadores não compensa a colheita, não são contabilizados na pesquisa da FAO sobre Perdas e Desperdícios. A metodologia de medição da FAO começa a partir do pós-colheita, excluindo essas “perdas” que, na prática, resultam em grandes prejuízos para o produtor, o meio ambiente e o desenvolvimento rural. O saldo final? Endividamento, desânimo em continuar produzindo e êxodo rural.

Esse desequilíbrio entre oferta e demanda reduz a viabilidade econômica de algumas culturas, como as hortaliças, especialmente para produtores em pequena escala. Com preços baixos e oferta elevada, muitos agricultores enfrentam dificuldades em manter suas operações, levando ao encerramento da atividade agrícola e ao êxodo rural.

O impacto social desse desequilíbrio é devastador: empobrecimento dos produtores, aumento do desemprego rural, dificuldades para manter comunidades agrícolas, perda de tradições e conhecimentos, além do impacto na segurança alimentar e no custo dos alimentos. Para agravar a situação, a ONU projeta que até 2030, mais de 86% da população mundial viverá nas cidades, o que significa mais bocas para alimentar nas zonas urbanas e menos mãos para produzir no campo.

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Reconhecer que estamos falhando gravemente no processo de produção, logística e comercialização, sobretudo de alimentos frescos e saudáveis, é o primeiro passo para enfrentar essa crise. O segundo passo é entender que a produção de alimentos demanda recursos naturais, insumos e investimentos. A má gestão desses recursos não só agrava as mudanças climáticas, como também encarece o preço dos alimentos, dificultando ainda mais o acesso para quem mais precisa. O terceiro passo é aceitar que precisamos de esforços multidisciplinares e setoriais para desenvolver estratégias eficazes no combate às perdas e desperdícios de alimentos.

Não podemos encerrar sem propor soluções para esse desafio complexo e global. Incentivar os agricultores a diversificarem suas culturas e fontes de renda pode ajudar a mitigar os riscos associados a quedas de preços. A revisão de políticas agrícolas para oferecer maior suporte financeiro e técnico aos pequenos e médios produtores é crucial.

Além disso, promover práticas agrícolas sustentáveis e inovadoras, como o comércio justo, pode reduzir custos de produção e garantir a continuidade da atividade agrícola e a sucessão familiar. E, claro, criar métricas para quantificarmos a extensão desta crise. Métricas são essenciais, como nos orienta Peter Drucker: “O que não pode ser medido, não pode ser gerenciado”.

Projetos como o #FaçaumBemINCRÍVEL estão na vanguarda da luta contra essas perdas. Através da captação de recursos privados, a iniciativa compra frutas, verduras e legumes que pequenos produtores não conseguem vender, garantindo-lhes uma remuneração justa. Esses alimentos são doados para combater a fome e a desnutrição em instituições como o Mesa Brasil, ONGs e Cozinhas Solidárias.

Parte dos recursos captados é destinada a ações estruturantes e resilientes, como o cooperativismo, capacitação, fortalecimento de mulheres rurais e desenvolvimento de relações comerciais mais justas. Por sua inovação, impacto e pegada de sustentabilidade, o projeto recebeu vários prêmios, reconhecimento internacional do IICA e o título de Utilidade Pública.

O dia 29 de setembro é o Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, criado em 2019 pela ONU. É uma oportunidade para refletir sobre uma questão que afeta tanto a população quanto o planeta, e para tomar medidas efetivas que combatam a fome e garantam um futuro mais sustentável para todos.

* Simone Silotti é produtora rural de hortaliças em Mogi das Cruzes (SP). É formada em Estudos Sociais e Gestão do Agronegócio pela FATEC MC, com MBA em Gestão de Projetos pela USP ESALQ. Recebeu os prêmios: internacional Líder da Ruralidade do IICA, Empreendedor Social da Folha de São Paulo e o Josué de Castro. Integra o Grupo de Trabalho do MDS sobre Estratégicas para a redução de Perdas e Desperdícios. Também é uma das 100 Mulheres da Forbes Agro e faz parte do Grupo Forbes Mulheres Agro.

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