A heroica jornada dos viticultores da Patagônia para produzir em clima extremo

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Contracorriente é um dos projetos dos vinhos de clima extremo

Chubut, uma província localizada entre os paralelos 42 e 46 sul, no coração da Patagônia argentina, tornou-se o cenário de uma epopeia moderna: a produção de vinhos em condições extremas. Chabut tem picos cobertos de neve durante o ano todo.

Apesar dos desafios impostos por sua latitude austral, com ventos fortes, temperaturas baixas e um solo pouco convencional, um grupo de viticultores decidiu apostar nesta terra para criar vinhos únicos e de alta qualidade. São vários os pioneiros que vêm transformando as adversidades em oportunidades, demonstrando que, com paixão e inovação, é possível superar obstáculos.

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Assim, os vinhos de Chubut não se destacam apenas pelo sabor, mas também pela história de esforço e dedicação que compõem cada garrafa. Confira depoimentos de produtores que se aventuraram na Patagônia e daqueles que defendem esta região como uma porta para vinhos de excelência.

Andrés Rosberg: a voz da experiência

Adrés Rosbergn é um especialista em vinhos. Foi presidente da Associação Argentina de Sommeliers e da Association de la Sommellerie Internationale, sendo o único latino-americano a ocupar esse cargo nos 55 anos de história dessa instituição.

Atualmente, é “Embaixador de Marca País Argentina” e sommelier executivo no Hornero, o restaurante do La Morada Lodge, no Vale de Uco. Rosberg tem uma devoção particular pela Patagônia e considera que fazer vinho em Chubut é um ato de amor e superação.

“Os desafios da viticultura em Chubut são siderais: viajar centenas de quilômetros por estradas nem sempre adequadas para conseguir plantas, postes ou arames; ensinar a podar a moradores que nunca viram uma videira; investir em sistemas de aspersão para se proteger do clima gelado, depois em geradores para prevenir quedas de energia e garantir que esses equipamentos funcionem com temperaturas abaixo de zero, cercar o vinhedo para proteger contra as lebres”, diz ele à Forbes Argentina.

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El Hoyo, uma vinícola que nasceu pelas mãos de Adrés Rosbergn

E a isso, enfatiza, é preciso somar os desafios próprios da atividade, “como fazer um bom vinho, vendê-lo e sobreviver à sempre complexa realidade econômica do país”.

Apesar de todos esses desafios, Rosberg concorda com outros especialistas que a produção de vinho em Chubut “está no seu melhor momento”. De fato, na última década, essa província da Patagônia passou de três vinhedos para cerca de 40; da produção de menos de 2.000 quilos de uva para mais de meio milhão; e de não figurar no mapa a ostentar três novas indicações geográficas em zonas bastante diversas, como Trevelin, El Hoyo e Sarmiento.

“O setor está focado na qualidade, na produção orgânica, em variedades de alta gama como a Chardonnay e a Pinot Noir e na promoção do enoturismo”, diz ele. E à pergunta: por que se fala do vinho desta província que produz menos de 0,1% do vinho argentino? Ele responde: “é muito simples: na Patagônia andina, no Vale do Rio Chubut, nas margens do Atlântico e à beira do lago Muster estão sendo elaborados vinhos nunca antes vistos na Argentina”.

Camilo de Bernardi: sonhos do sul

Camilo de Bernardi possui uma propriedade em El Bolsón, na província de Río Negro, onde elabora vinhos de excelência que receberam até elogios de Tim Atkin, mestre britânico do vinho e um dos mais famosos juízes de concursos internacionais. Atkin considerou seu Pinot Noir como um dos melhores do país.

Embora seu projeto esteja localizado na província de Río Negro, o fato é que Bernardi nasceu em Esquel e é um dos principais incentivadores da viticultura austral. Em conversa com a Forbes, ele afirmou que “acredita firmemente que a viticultura em Chubut possui um potencial imenso. Esta região, ainda nova no mapa vitivinícola mundial, abriga uma enorme promessa”

Bernardi também concorda com Rosberg: cultivar uvas nessas latitudes na Patagônia não é tarefa fácil. “Não é um empreendimento para qualquer um, exige um compromisso e consciência sobre o esforço que implica plantar um vinhedo aqui. Um fracasso em um projeto afeta todos nós como produtores”, afirma.

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Bernardi diz que cultivar uvas nessas latitudes não é tarefa fácil

E se orgulha: “até agora, 90% dos projetos que realmente estão funcionando o fazem porque nós, os proprietários, estamos por trás do vinhedo, trabalhando dia após dia. Também devemos estar conscientes de que a produção em si não é rentável, a menos que tenhamos pelo menos 10 hectares, algo muito difícil na região devido à quantidade de água e energia necessárias para controlar as geadas, que são a maior ameaça que enfrentamos hoje em dia. Esta realidade nos obriga a buscar sinergias com o turismo”, diz.

Bernardi é um apaixonado pela Patagônia e afirma que atualmente está envolvido em vários projetos de plantação em Chubut e em diferentes regiões, e eles que representam o desafio de cada dia. “Cada passo que damos, cada videira que plantamos, é um ato de fé no futuro, um testemunho de nossa determinação para superar os desafios e concretizar o potencial de nossa região”.

Indicação geográfica

Localizada no Noroeste de Chubut, El Hoyo fica em um dos vales do Corredor dos Andes. Atualmente, conta com três vinícolas que produzem vinhos tranquilos e espumantes, outras três de vinhos artesanais e vários vinhedos em formação. Nos últimos anos, passou a contar com uma ferramenta extremamente interessante que é a Indicação Geográfica (IG) El Hoyo.

Darío González Maldonado, enólogo e uma das referências da região, relata que a IG ajuda notavelmente na produção. “Nos posiciona no mapa vitícola mundial e dá identidade aos nossos vinhos”.

“Os vinhedos desta região foram plantados em 1999/2000. Há uma primeira etapa de formação da planta que dura cinco anos. Durante os seguintes sete anos, a planta se firma em nível radicular. Agora que já se passaram 20 anos, é quando se mostra o potencial das variedades”, disse Darío à Forbes.

Rance Rathie e Travis Smith: tropeço não é queda

Rance Rathie e Travis Smith são amigos desde a juventude e chegaram à Patagônia há muitos anos motivados pela paixão por Fly Fishing”, ou pesca com fly, pescaria que simula uma mosca, libélula ou outro inseto quicando a água. Eles passaram metade de suas vidas desenvolvendo o Patagonia River Guides, em Trevelin, e hoje são os responsáveis pela vinícola Contracorriente.

Com o desejo de se aventurar na viticultura, em 2013 decidiram plantar um hectare de vinhedo na propriedade do lodge de pesca. “O terroir extremo e a falta de assessoria técnica séria fizeram com que o primeiro plantio não prosperasse”, diz Sofía Elena, a enóloga deste empreendimento desde 2019. “Depois, houve um replantio em 2014-2015 com os três hectares em produção, que é o que temos hoje das variedades Chardonnay (1,5 hectare), Gewürztraminer (0,5 hectare) e Pinot Noir (1 hectare)”.

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Contracorriente foi implantada em 2013, com plantar um hectare de vinhedo

Paralelamente, a dupla de amigos investiu na instalação de um sistema anti-geada super arbóreo que protege as plantas até 7 graus Celsius negativos, e que se tornou indispensável para a viticultura na região. “Essas geadas não são apenas frequentes, mas também muito intensas, de modo que outro sistema como calor (velas, ventiladores, turbinas) não é eficaz. Eles também investiram em um sistema de irrigação por gotejamento, já que os verões são muito secos e a aspersão não é adequada para irrigação.”

A primeira colheita foi em 2018. “A partir da temporada 2018-2019, entrei no projeto como enóloga e responsável pelo vinhedo. Já vinha com 10 anos de experiência na elaboração de vinhos e trabalho em vinhedos de clima frio, e pude aportar todo esse conhecimento no desenvolvimento e crescimento da Contra Corriente”, afirma Sofía.

Desde 2019, o manejo do vinhedo se tornou orgânico. Para a colheita de 2019, os proprietários também investiram em redes anti-pássaros, tanques inoxidáveis, barricas usadas e novas, entre outros implementos. Além disso, apostaram, junto a uma vinícola vizinha, em equipamentos como prensa pneumática, bomba de colheita, engarrafadora e filtro.

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Para o ano de 2020-2021, os proprietários expandiram a plantação para mais um hectare de Pinot Noir, em outra parte do terreno em inclinação que estava coberta de rosa mosqueta, levando o total de plantação hoje a quatro hectares.

A produção é pequena e depende muito do clima da temporada na Patagônia, das chuvas e da média de temperatura. “Temos rendimentos baixos, entre 4.000 e 7.000 quilos de uvas por hectares, o que resulta entre 3.000 e 5.000 litros de vinho, dependendo da safra”, afirma Sofía. “O clima dita o tipo de vinho daquela safra e, consequentemente, o manejo do vinhedo. Temos primaveras às vezes chuvosas ou muito chuvosas com geadas, verões com muito ou vento excessivo e geralmente secos, e finais de verão e outonos úmidos ou secos, mas com grande quantidade de geadas. Às vezes há geadas no meio do verão.” As vendas são feitas diretamente na vinícola e ocorrem com maior intensidade na época de verão.

Sergio Rodríguez: desenvolvimento no vilarejo galês

Natural de Mar del Plata, Sergio Rodríguez conheceu Trevelin há quase 30 anos. Professor, desenvolveu sua carreira como chef e foi cozinheiro do pianista Bruno Gelber por muitos anos. No entanto, após conhecer Trevelin, tudo mudou.

“Gostamos de nos descrever como uma família de origem italiana que conduz o empreendimento chamado Viñas del Nant & Fall, onde trabalham diariamente três gerações: minha mãe, Maura; eu, Sergio; Emmanuel, meu filho, e recentemente se juntou Andrés, que passou a fazer parte da família”, afirma Sergio.

Segundo ele, a tradição familiar de produzir vinhos está em seu DNA e isso os levou a seguir esse caminho. “O início desta história foi no dia 24 de dezembro de 2009, quando começamos. Em 2011 plantamos o primeiro quadro com 6,5 mil plantas e em 17 de abril de 2016 foi a primeira colheita.”

O importante, diz Sergio, é que naquele momento a família conseguiu um verdadeiro marco, pois avançaram na fronteira sul do vinho. Atualmente, eles têm quase 3 hectares plantados com 16 mil plantas, com um potencial de cerca de 20 mil garrafas, mas fazem raleio da fruta em busca de qualidade. “Estamos produzindo hoje 11 mil garrafas anuais, mas sim, com qualidade, nossa projeção é chegar a 20 mil.”

Daniel Fermani e Laura Galdámez: no meio da estepe

Daniel Fermani e Laura Galdámez viviam em La Plata e se apaixonaram por Gualjaina. O projeto deles na província de Chubut começou em 2007, quando criaram iniciaram com o agroturismo. Os vinhedos vieram 10 anos depois.

Atualmente, eles têm um quarto de hectare. As variedades de uvas são Pinot Noir, Sauvignon Blanc, Merlot e Chardonnay, com vendas locais, na própria vinícola e também em algumas de Buenos Aires, além da costa, em Las Grutas, Puerto Madryn e Trelew.

Em números, são 6,5 mil videiras que ocupam esse terroir em Gualjaina, embora nem todas estejam em produção (hoje, apenas 60%). A esse respeito, eles afirmam que, quando tudo estiver funcionando produtivamente, devem rondar as 6,5 mil garrafas, mas ainda levará alguns anos para isso. Hoje, são 3 mil garrafas.

Questionada sobre o investimento na Patagônia, Laura acha difícil avaliar, mas pode dizer que começaram com 1,5 mil plantas e que tiveram que fazer outros investimentos. “Temos um sistema importante de anti-geada. Isso é imprescindível porque no nosso período produtivo – desde setembro, que é a floração, até a colheita, que ocorre no final de abril – enfrentamos entre 30 e 35 geadas”, afirma Laura.

Para isso, é necessário ter um bom recurso hídrico destinado a abastecer os dispersores e um backup de energia significativo, já que a usina não está conectada ao sistema nacional e funciona de forma independente. “Compramos um gerador para enfrentar esses fenômenos”.

O vinho do casal leva o nome de Terruño de Caldera. Além da vinícola, chamada Viñas de Huancache, possuem a Hostería Mirador Huancache, uma vinícola com maquinário próprio e uma adega subterrânea para armazenar os vinhos em Gualjaina, a 87 quilômetros de Esquel.

“Além da presença vulcânica, temos um clima muito extremo, com grande amplitude térmica, já que se podem alcançar 45 graus no verão e cair para 5 graus à noite. Temos muita insolação e isso faz com que o vinho tenha uma cor muito intensa, algo que se pode observar no Pinot Noir”, diz ela.

Matías Soriano: tudo à beira-mar

Bahía Bustamante está crescendo a partir de um antigo estabelecimento de algas fundado pelo avô de Matías Soriano, que hoje, junto com Astrid Perkins, está desenvolvendo o local. A proposta com vista para o mar inclui um projeto de vinhos que, segundo diz o enólogo Eduardo Soler, está em estágio inicial, mas com um panorama muito promissor.

Toda a história começou em outubro de 2018, com 2 mil videiras à beira-mar e em frente ao lodge, que serviam como proteção contra os fortes ventos do oeste. “Adicionamos sócios estratégicos como a vinícola Ver Sacrum, que hoje são guia e inspiração, enquanto a natureza faz o resto”, diz Astrid.

Quanto aos vinhos, Soler conta que há quatro anos foram plantadas duas pequenas parcelas experimentais à beira-mar, uma de Semillón e outra de Pinot Noir. E há dois anos foi plantada uma terceira parcela de Albariño. “Nesta colheita de 2024, a uva rendeu cerca de 200 litros de Semillón e cerca de 150 litros de Pinot Noir. O Albariño ainda não entrou em produção. Os volumes são muito pequenos e foram vinificados praticamente sem equipamentos e sem vinícola, mas nos permitem explorar o potencial do terroir, que é muito singular”, afirma ele.

Segundo o enólogo, paralelamente, está sendo formada a Sociedade Argentina de Vinos de Mar SAS, composta pela Estância Las Mercedes SA, junto com a Ver Sacrum Wines, responsável pela viticultura e enologia, e outros sócios.

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Assim, com um horizonte que abrange diferentes atividades na Patagônia, este recanto sobre o Atlântico está crescendo: há planos para plantar ou replicar outros dois hectares das mesmas variedades a cerca de 20 quilômetros terra adentro, na sede de Las Mercedes, para ter vinhos da estepe e do mar. Eles também planejam construir uma micro vinícola em Bahía Bustamante para vinificar, engarrafar e oferecer enoturismo nos próximos dois anos.

“Atualmente não temos canais de comercialização definidos, pois ainda não há produto”, afirma Soler. “Mas há um altíssimo interesse por parte de vários importadores especializados neste projeto, que está sendo monitorado de perto.”

* Andrea Albertano é colaboradora da Forbes Argentina. Ela escreve sobre temas relacionados ao setor agroalimentar e enogourmet.

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