Da azeitona ao azeite: as lições da Sabiá para estar entre os melhores do mundo

  • Post author:
  • Reading time:9 mins read

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

Willy Biondani

Bia Pereira e Bob Costa, o casal que apostou tudo para ser referência em azeite

“Na fazenda choveu muito, mas não tivemos estragos maiores. O problema foi nos acessos, estradas e pontes”, conta o publicitário Bob Vieira da Costa, que, em parceria com a mulher, Bia Pereira, jornalista, montou o projeto Azeite Sabiá em duas localidades: Santo Antônio do Pinhal, na fazenda Campo Alto, região montanhosa da Serra da Mantiqueira, em São Paulo; e na fazenda Sabiá da Vigia, no município de Encruzilhada do Sul, em uma pequena região gaúcha chamada Serras do Sudeste, na metade sul do estado e a cerca de 200 quilômetros quase em linha reta de Porto Alegre.

A primeira tem 17 hectares de oliveiras e a segunda conta com 110 hectares. Salvo das águas turbulentas das enchentes do mês de maio sobre o Rio Grande do Sul – com cidades inteiras submersas em um evento que transformou para sempre a vida do povo gaúcho –, o projeto do azeite Sabiá funciona como uma luz da capacidade dos produtores de levar adiante um modelo que serve de exemplo no trato da terra e na elaboração de produtos que ganham o mundo.

Leia também

A Forbes Agro esteve na propriedade antes das enchentes, no fim da safra das azeitonas. Foi uma época especial para a iniciativa: o manejo das oliveiras está rodando redondo. Além disso, foi o momento do anúncio de uma parceria internacional. De agora em diante – ano sim, ano não –, o casal receberá o italiano Nicolangelo Marsicani, que em seu país é chamado de “poeta dos azeites”.

Terceira geração de produtores italianos, Marsicani já ganhou inúmeros concursos internacionais, é um provador de renome, além de professor e fundador da Puntoevo, uma empresa de consultoria e prestação de serviços a lagares em toda a Itália, país onde o azeite é um produto sagrado nas refeições e que há exatamente um ano, em maio de 2023, também assistiu a uma enchente histórica na região da Emília-Romanha. Em apenas 36 horas, choveu o equivalente a seis meses.

Marsicani diz que resistiu à ideia de vir para o Brasil. “Não entendia por que queriam tanto que conhecesse essas terras”, afirma ele no meio do olival da Sabiá, lembrando a insistência de uma amiga para que então recebesse os brasileiros na Itália. No caso, uma missão para o engenheiro agrônomo Emanuel De Costa, que em 2019 se tornou sócio de Bia e Bob no projeto Sabiá da Vigia e é o diretor de produção do lagar.

Costa conta (e Marsicani confirma) que, literalmente, o enrolou por dias antes de ceder ao objetivo da viagem. “Queria conhecer a fundo a produção, estar no lagar, fazer azeite. Mas a gente só passeava, até que ele se convenceu da minha insistência. São aprendizados que estamos usando e vamos fazer ainda mais aqui no Brasil”, diz Costa.



















Uma história de paixão pelo azeite

Aliás, a insistência parece ser um mantra. Gaúcho de nascença, Costa queria trabalhar com resina de madeira quando saiu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e vinha se tornando um especialista em máquinas. Foi por insistência de um professor que ele começou no azeite e, novamente, por insistência que ele desistiu de um intercâmbio aos Estados Unidos.

“Em 1º de janeiro de 2016, tomei uma decisão que mudou a minha vida: comecei a trabalhar com a olivicultura. Essa é a data”, conta ele, que hoje é uma espécie de maestro de máquinas, engarrafamentos, safras, colheitas e, claro, estar na Itália no ano em que Marsicani não vier ao Brasil.

A primeira safra de azeite da Sabiá da Vigia foi processada em 2022, a partir do plantio das variedades espanholas arbequina e arbosana; a coratina, da Itália; a koroneiki, da Grécia, e agora a picual, muito difundida na Espanha, mas de origem incerta. Não por acaso, Costa foi o responsável pela montagem do lagar e é uma espécie, também, de olhos e alma sobre terras gaúchas.

Inscreva sua empresa na lista Forbes Agro100 2024

Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida

Siga a ForbesAgro no Instagram

O lagar processa hoje 1.500 quilos de azeitonas por hora, mas tem capacidade para até 4.000 quilos. Os talhões têm idades de até 5 anos, mas a produção das árvores começa a se estabilizar por volta de oito anos. “A Bia e o Bob me deram um voto de confiança e desenhamos tudo, talhão por talhão de cultivo, as máquinas e até as estradas”, diz Costa.

É dele também a segurança para um experimento: o cultivo de três hectares de uvas, com uma safra colhida e guardada como espumante. O total da área é de 400 hectares, ou seja, com produção em menos da metade da área.

Celeiro do azeite gaúcho

Embora haja produção em Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Paraná, o Rio Grande do Sul é o maior produtor de azeite do país. O estado possui 6 mil hectares de olivais em 113 municípios, respondendo por 75% da produção estimada do país em 2023, da ordem de 500 mil litros, de acordo com o Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibra oliva).

Mas isso é uma ínfima parte do consumo de cerca de 100 milhões de litros, sendo o Brasil o segundo maior consumidor global, atrás apenas dos EUA, com demanda de 300 milhões de litros. Em toneladas de azeite, entre virgem e extravirgem, o país importou 80,3 mil em 2023, por US$ 590,2 milhões (R$ 3 bilhões na cotação de maio), recorde histórico em valores.

Do total, US$ 489,3 milhões foram pagos pelo azeite europeu, com destaque para Espanha, Portugal e Itália. Dos quase vizinhos Argentina e Chile, o Brasil importou US$ 87,3 milhões em azeite.

Há hoje um movimento no Rio Grande do Sul estampado nas redes sociais, resumido em três palavras: resiliência, solidariedade e reconstrução. No fechamento desta edição da Forbes, o momento ainda era o de salvamento, com perdas incalculáveis entre os produtores de vinhos, grãos e gado.

Para o azeite, a safra atual já estava colhida, mas não há dúvidas da força da solidariedade e da disponibilidade a qualquer tempo. Bia lembra da época em que ela e Bob foram para o estado em busca de terras e conta da generosidade que encontraram.

“Nós sabíamos de dois grandes produtores, a Olivas do Sul e a Prosperato. O Beto Aued e o Daniel nos deram uma aula de olivicultura”, afirma Bia. E emenda: “foram eles que disseram ‘se quiserem vir plantar no Rio Grande do Sul, tem um lugar que é espetacular. Encruzilhada do Sul, a 500 metros de altitude, é a nova fronteira’. E assim o Rio Grande do Sul se tornou também nossa casa”.

José Alberto Aued, da Olivas do Sul, é produtor há quase duas décadas. Já a Prosperato, do produtor Rafael Marchetti, cultiva 220 hectares de oliveiras, em Caçapava do Sul, São Sepé, Barra do Ribeiro e Sentinela do Sul. Marchetti produz há mais de uma década e é também um exímio ganhador de prêmios internacionais.

Bob e Bia contam que, depois das conversas com os gaúchos, visitaram outras 20 fazendas, “mas a gente só pensava em Encruzilhada, uma área linda onde antes era plantada melancia”, diz Bia. Eles não dizem quanto pagaram pela terra, mas o projeto já custou algumas escolhas de vida. “Sem contar a terra, até agora já investimos cerca de R$ 12 milhões”, afirma Bob. Para fechar a compra das terras gaúchas em 2017, eles venderam uma casa em São Paulo, outra casa pé na areia na Bahia e um apartamento em Nova York.

“É uma paixão, mas claro também que é um negócio e é preciso essa perspectiva”, afirma Bob. “A magia do azeite é muito forte. Estamos falando de um negócio de 6 mil anos.” O berço do azeite está nas primeiras grandes civilizações, como a Suméria e a Babilônia, sendo um dos produtos mais antigos processados pelo ser humano. A Sabiá já angariou uma centena de prêmios, entre eles o mais recente, ocorrido em abril.

A marca ficou em segundo melhor no guia espanhol Evooleum World’s Top 100 Extra Virgin Olive Oils, na categoria monovarietal “Arbequina”, com 91 pontos, apenas um a menos que o primeiro colocado.

O guia, publicado há duas décadas pela editora Mercacei, de Madrid, é uma espécie de bíblia do setor. O italiano Marsicani diz que a principal tarefa de um produtor é colocar na garrafa o que está no campo. “É ter na garrafa a mesma sensação que sentimos no fruto, porque o óleo de oliva é um suco de fruta”, diz ele. “E mais: um azeite não se faz dentro do lagar, se faz no campo, e isso está acontecendo de forma maravilhosa no Rio Grande do Sul.”

Reportagem publicada na edição 119 da revista Forbes.

Escolhas do editor

O post Da azeitona ao azeite: as lições da Sabiá para estar entre os melhores do mundo apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Deixe um comentário