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A obra de Antoni Gaudí mais visitada de Barcelona, na Espanha, a Sagrada Família, certamente terá, entre os meses de agosto a outubro deste ano, uma concorrente à altura. A partir desta quinta (22), a cidade recebe a 37ª edição da America’s Cup, a competição mais antiga da história. Um evento que, desde o século 19, reúne os melhores velejadores do mundo, movimenta fortunas e é considerado, hoje, a Fórmula 1 dos mares, com embarcações que desafiam os limites da gravidade e da velocidade sobre as águas.
Desta vez, a disputa começa entre a tradicional equipe britânica do INEOS Britannia e outros quatro desafiantes: os americanos do NYYC American Magic, os franceses do Orient Express Racing Team, os suíços do Alinghi Red Bull Racing e os italianos do Luna Rossa Prada Pirelli (leia mais sobre as equipes a seguir).
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Times que irão, regata a regata, eliminando uns aos outros. A equipe que sair soberana dessa espécie de mata-mata ganha o título de “Challenger” e, com ele, a oportunidade de desafiar o “Defender”, vencedor da edição passada (desta vez, o Emirates Team, da Nova Zelândia). A partir daí, as duas embarcações passam a se enfrentar em uma série de provas nas quais quem conquistar as sete primeiras vitórias fatura a Copa.
Cheia de regras e de pompa, a disputa data de 1851 – antes mesmo das primeiras Olimpíadas da era moderna, que aconteceram na Grécia em 1896. Embora a prova não abra mão da tradição e conserve, até hoje, muito de seu regulamento inicial, a atual edição chega com novidades. Volta a ter a Louis Vuitton como patrocinadora principal, após um hiato de sete anos, e contará, pela primeira vez, com competições voltadas a duas outras categorias: a Puig Woman’s America’s Cup, exclusivamente feminina, e a UniCredit Youth, regata juvenil.
Assim como em uma Olimpíada, na America’s Cup, cada embarcação permite apenas a participação de atletas de um respectivo país. Além disso, cabe ao vencedor da última edição, detentor do troféu, a decisão sobre qual nação sediará a próxima Copa. O campeão tem também o direito de opinar sobre datas, regras e até quanto ao design técnico dos barcos de seus futuros desafiadores.
O sucesso de uma equipe vai muito além de sua habilidade em velejar, tendo como pilares mais do que importantes o projeto de barcos e velas, a gestão empresarial e sua habilidade de arrecadação de fundos para colocar, literalmente, o barco na água. Embora as empresas patrocinadoras e os clubes de iatismo optem por não divulgar números oficiais sobre os investimentos das equipes, especula-se que, na última edição do evento, que aconteceu em 2021 em Auckland (Nova Zelândia), o custo aproximado para a construção de um AC75, principal embarcação usada nesse tipo de competição, tenha girado em torno de US$ 15 milhões. O valor, entretanto, é apenas a ponta do iceberg. O custo total da campanha de uma equipe, que pode incluir pesquisa e desenvolvimento, pessoal, logística e uma infinidade de despesas, pode chegar a US$ 200 milhões.
Para as cidades que têm a oportunidade de sediar um evento desse porte, a injeção de capital é respeitável. De acordo com um estudo realizado pela Universidade Pompeu Fabra, uma das mais respeitadas da Catalunha, a America’s Cup deve gerar um impacto de mais de US$ 1 bilhão em Barcelona, atraindo cerca de 2,5 milhões de turistas. O município, por sinal, será o primeiro local do planeta a sediar os Jogos Olímpicos e a America’s Cup. Levou a melhor diante de Málaga (Espanha), Cork (Irlanda) e Jeddah (Arábia Saudita), outras regiões cotadas para receber o evento.
Como a America’s Cup começou
A regata mais famosa do mundo começou praticamente ao acaso, em 1851. Foi quando os americanos, partindo de Nova York, resolveram cruzar o Atlântico a bordo de um barco chamado “America”. A ideia era mostrar ao mundo, durante a Grande Exposição (promovida pelo príncipe Alberto, marido da rainha Victória, que desejava celebrar o progresso industrial de todo o planeta) a melhor e mais rápida embarcação de que se tinha notícias. Ao chegar a Londres, o “America” causou. Levou a melhor em uma regata promovida na ocasião ao redor da ilha de Wight, derrotando os britânicos do Royal Yacht Squadron.
O troféu conquistado, um jarro sem fundo – feito de prata esterlina e uma das relíquias do Royal Yacht Squad – se tornaria o prêmio mais antigo do mundo. E que, para desgosto da rainha, foi então levado ao New York Yacht Club. Ele tornou-se, assim, o símbolo de desafio.
Os barcos americanos defenderam o posto e o troféu por 24 vezes: de 1870 a 1980. Em 1983, o Australia II se tornou o primeiro Challenger a romper a hegemonia do New York Yacht Club, levando o troféu para a Oceania. Dessa vez, foi Ronald Reagan, o então presidente dos EUA, o personagem a se revoltar. Considerou a derrota uma vergonha nacional.
Ao longo das décadas, a America’s Cup foi conquistada apenas por Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Suíça. Embora a Inglaterra seja o país com o maior número de participações em Copas, nunca venceu. O evento foi suspenso de 1914 a 1920, durante a Primeira Guerra Mundial, e a partir de 1939, por conta da Segunda Guerra. Voltou em 1958. A recente epidemia de Covid-19 quase o colocou em cheque, mas a prova foi realizada em 2021, na Nova Zelândia.
Conheça as equipes da America’s Cup 2024:
EMIRATES TEAM NEW ZEALAND
Campeão da America’s Cup de 2021, ou seja, o Defender de 2024, o time representa o Royal New Zealand Yacht Squadron, considerado um dos principais clubes esportivos do mundo. Venceu o evento pela primeira vez ainda em 1995, antes de mantê-lo em 2000. É liderado pelo CEO Grant Dalton. Seu desafio agora é a vitória para que, assim, possa se consagrar Defender por três vezes consecutivas, feito inédito na história da America’s Cup. A equipe conta com dois medalhistas olímpicos de ouro e prata, Peter Burling e Nathan Outteridge. Na primeira regata preliminar, em Vilanova i la Geltrú, em 2023, terminaram em segundo, perdendo por um ponto de diferença para o NYYC American Magic. Já na regata preliminar em Jeddah, Arábia Saudita, chegaram à final, derrotando o Luna Rossa Prada Pirelli. Para se ter uma ideia da evolução do modelo, em 2019, a Emirates Team New Zealand divulgou que levou 100 mil horas para projetar e construir seu AC75. Para 2024, esse número subiu para 1 milhão de horas.
NYYC AMERICAN MAGIC
Depois de uma dramática participação na 36ª edição da America’s Cup, quando seu AC75 capotou e sofreu fortes danos no casco durante uma semifinal contra o Luna Rossa Prada Pirelli, o NYYC American Magic volta à competição com sede de vitória. Ou melhor, com o sonho de levar novamente para a América o troféu que permaneceu lá por 132 anos. Para isso, conta com talentos dentro e fora da água, começando por Tom Slingsby e Paul Goodison, medalhistas de ouro e ex-campeões mundiais. Completam o time o timoneiro Riley Gibbs, os controladores de voo Andrew Campbell e Michael Menninger, e os trimmers Dan Morris e Lucas Calabrese. A direção da equipe recrutou outros atletas poderosos para fortalecer o grupo, vindos do remo e do ciclismo. Antes de se instalar em Barcelona, o time passou por um longo período de preparação em Pensacola, na Flórida (EUA). O seu novo AC75 foi entregue em maio de 2024 e chama a atenção pelo acabamento limpo, além do aperfeiçoamento de seus sistemas e transmissão de energia em grande escala.
ALINGHI RED BULL RACING
Representando a Société Nautique de Genève, a equipe suíça Alinghi é uma das mais respeitadas da disputa, com duas America’s Cup no currículo: uma conquistada em 2003, em Auckland, na Nova Zelândia, e outra em 2007, em Valência, na Espanha. Criada pelo empresário Ernesto Bertarelli, a equipe se tornou, a partir de 2021, uma joint venture com a Red Bull Advantage Technologies, divisão da marca voltada à Fórmula 1 e ao desenvolvimento de tecnologia em engenharia em terra, mar e ar. Composta por 150 profissionais, a Alinghi foi a primeira equipe a chegar a Barcelona para a competição, montando seu hangar na região do porto antigo da cidade ainda no verão de 2022. Sua equipe de vela é dividida em dois grupos. O primeiro, chamado Driving Group, conta com sete atletas, incluindo drivers e trimmers, sendo que apenas um deles já participou da America’s Cup, enquanto os demais são jovens talentos. O segundo grupo, o Power Group, é formado por nove integrantes, incluindo remadores, ciclistas e até um corredor. A única certeza é a de um time composto por oito talentosos tripulantes.
LUNA ROSSA PRADA PIRELLI
Finalista da edição de 2021 e representando o iate clube Circolo della Vela Sicilia, da Sardenha, a equipe Luna Rossa Prada Pirelli conta com o suporte do bilionário italiano Patrizio Bertelli (com fortuna estimada em US$ 3,6 bilhões e marido da estilista Miuccia Prada) e esbanja experiência. Desde os anos 2000, a equipe participou sete vezes da competição. Grande parte do treinamento para a 37ª edição da Copa aconteceu em seu protótipo LEQ12. Entre os destaques do time, estão os experientes timoneiros Jimmy Spithill e Francesco Bruni, ambos medalhistas de ouro em Olimpíadas, e o novato Ruggero Tita, uma das promessas da vela italiana também nos Jogos Olímpicos de Paris. Max Sirena, velejador de confiança de Patrizio Bertelli e que pilotou o Luna Rossa em desafios de 2000, 2003 e 2007, é outro dos pilares da equipe. O novo AC75 da concorrente italiana foi apresentado ao mundo no último mês de abril, destacando-se pela pintura prateada e pelo casco de design aerodinâmico com um toque vintage, mas altamente eficiente.
ORIENT EXPRESS RACING TEAM
Liderada por Stephan Kandler e Bruno Dubois, a equipe Orient Express Racing Team é a menos experiente na competição, mas, nem por isso, a menos determinada ou confiante. Entre os destaques do time estão o arquiteto naval Benjamin Muyl, o capitão Quentin Delapierre, o chefe de desempenho Franck Cammas, e o diretor técnico Antoine Carraz. Representada pela Société Nautique de Saint-Tropez, a equipe busca recuperar os tempos dourados da França na competição, que aconteceram entre 1968 e 1970. Suas embarcações são equipadas com um pacote de tecnologia de última geração. O AC75, construído no famoso estaleiro Multiplast Yard, em Vannes, referência no universo dos multicascos e monocascos de alta tecnologia, ficou pronto em maio. Já o AC40, recebido em agosto de 2023, obrigou a equipe a, quase que imediatamente, cair nas águas para disputar as regatas preliminares de Vilanova i la Geltrú. O resultado? Uma vitória surpreendente na corrida de abertura e uma incrível terceira colocação no placar final. O desempenho entusiasmou o time – até o presidente da França, Emmanuel Macron, declarou publicamente seu apoio ao grupo. A equipe conta com o patrocínio do Accor Group e da L’Oréal.
INEOS BRITANNIA
A equipe INEOS Britannia tem como principal patrocinador a INEOS, empresa comandada por Sir Jim Ratcliffe, o bilionário inglês considerado o homem mais rico do Reino Unido, com uma fortuna estimada em US$ 17,8 bilhões. Sir Ratcliffe também é patrocinador da Mercedes-AMG Petronas F1 Team e acionista do Manchester United Football Club. O ponto forte da equipe é a combinação de engenharia marítima e automotiva de alto desempenho. Ben Ainslie, o velejador mais bem-sucedido da Grã-Bretanha, com quatro medalhas de ouro em Olimpíadas, é o grande destaque da equipe. Fora do mar, a INEOS Britannia é uma das organizações mais ricas da 37ª America’s Cup Louis Vuitton. Em abril, a equipe recebeu seu novo AC75, no qual vem treinando intensamente desde então. A embarcação possui um design radical, com um casco que inclui inovações aerodinâmicas, uma proa caída e um escoamento inovador no cockpit principal, detalhes que revelam a influência da equipe no universo da Fórmula 1.
UM MAR DE TECNOLOGIA
Pelas atuais regras da 37ª America’s Cup Louis Vuitton, cada clube pode construir apenas um AC75. Em 2021, o peso total desses barcos era de 7.600 quilos; já para 2024, sem tripulação, eles pesam entre 6.160 e 6.200 kg. Até hoje, a maior velocidade registrada por um AC75 em uma prova da America’s Cup foi de 53,31 nós (98,74 km/h). A estimativa para a disputa deste ano é de que as velocidades máximas sejam 10% maiores. Outra exigência da organização é que todos os cascos das embarcações sejam construídos em sua terra natal. O regulamento também permite a compra de pelo menos um AC40, embarcação usada para treinos e regatas preliminares, como as que aconteceram no segundo semestre de 2023. A primeira dessas regatas foi em Vilanova i la Geltrú, a 100 quilômetros de Barcelona, onde o NYYC American Magic, dos Estados Unidos, saiu vencedor. A segunda foi em Jeddah, na Arábia Saudita, onde o Emirates Team New Zealand levou a melhor. Os times também têm a opção de investir em um barco de teste adicional, o LEQ12
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QUEM É QUEM DENTRO DO BARCO
Divididos entre terra e mar, cada time da America’s Cup pode contar com mais de 200 profissionais. Dentro dos AC75, entretanto, o número de tripulantes é limitado a oito. Quatro deles são conhecidos como “cyclors” e são responsáveis pelo controle das velas, do mastro e das funções hidráulicas da embarcação. Nos dias de prova, o barco conta com dois timoneiros: um posicionado a bombordo e o outro a estibordo. Eles são os encarregados de dirigir o barco e controlar seus volantes. Além disso, há dois controladores de voo/trimmers, cuja função é manter a embarcação “voando” e alcançar a velocidade desejada, ajustando as velas corretamente. Como em qualquer equipe esportiva, há também um time reserva sempre pronto para entrar em ação, se necessário. Todos esses atletas são velejadores profissionais, muitos deles campeões mundiais, medalhistas olímpicos e vencedores de edições anteriores da America’s Cup.
Reportagem publicada na edição 120 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.
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