Sentada na mesa do seu restaurante Arturito, desde março de endereço novo nos Jardins (SP), Paola Carosella não para. Enquanto recebe a Forbes para uma entrevista em uma tarde ensolarada de sexta-feira, ela também está de olho em tudo – do serviço no salão aos clientes. Responde com serenidade e atenção até ser interrompida por um aviso: sua filha de 12 anos machucou o pé. Imediatamente liga para a menina, a tranquiliza, aciona a rede de apoio e, pá pum, volta ao papo.
É só mais um dia comum na vida da argentina de raízes italianíssimas, que aprendeu a ser metódica e multitarefas para enfrentar tantos títulos: chef, empresária, mãe, comunicadora, apresentadora e youtuber, entre outros. Para lidar com todos eles desenvolveu uma rotina regrada (em que acorda às 6h, faz terapia semanalmente e já está na cama às 21h), mas sem monotonia: “Vou atrás de ter algo que me encanta, para não cair na mesmice. Sempre procurei desafios, e adoro resolver problemas”.
É assim que define sua fase atual, cheia de renovações. Prestes a completar 52 anos, 23 deles vividos no Brasil, Paola acumula muitas mudanças recentes. Em três anos, saiu do sucesso do Masterchef, estreou um programa no GNT – já indo para a 3ª temporada este ano –, investiu no seu canal no YouTube (onde tem 2,3 milhões de inscritos), passou por um divórcio e acaba de abrir um novo Arturito, depois de 16 anos no mesmo ponto. Tudo isso enquanto cria uma pré-adolescente e aprende a trilhar o caminho pela vida depois dos 50.
Parece estar indo bem. Ela se diz feliz, ativa e atenta, mas já com desejos de desacelerar do trabalho nos próximos anos: “Quero relaxar e curtir a vida. Só não sei se eu vou conseguir, trabalhar sempre foi o que organizou a minha vida”, confessa.
Em um papo de mais de uma hora, Paola falou à Forbes sobre seus novos objetivos, maturidade, as delícias e os desafios da maternidade, o que a mantém motivada depois de 30 anos de cozinha e como ela enxerga o futuro.
Confira destaques da conversa com Paola Carosella a seguir:
Forbes: Como descreveria seu momento de vida atual?
Paola Carosella: Estou muito presente no novo Arturito, algo que não estava fazendo tanto no antigo. Agora, estou aqui todos os dias encarando o papel de dona de restaurante de uma maneira diferente, olhando para o todo: não só para a cozinha, como foi sempre, mas para o salão, o bar, os clientes, as reservas. Estou encantada. Também é um momento de muitas mudanças, todas elas intencionais.
Sente falta de cozinhar mais?
Eu já deixei meu papel de chef de cozinha há muitos anos, hoje sou mais dona de restaurante. Já foram 32 anos atrás do fogão e agora me seduz muito mais o olhar do todo. É um desafio, mas sempre procurei desafios. São basicamente quatro grandes papéis: empresária, mãe, apresentadora do GNT e youtuber. Me sinto muito feliz por ter várias oportunidades. Se alguma me deixar entediada, consigo pular para outra. Sempre vou encontrar uma maneira de me encantar com a vida de novo.
Diria que está na fase mais feliz da sua vida?
É um bom momento. Me sinto feliz no meu relacionamento comigo mesma e nas outras relações: com o meu trabalho, meu sócio, minha filha, meu namorado, minha casa. Mas já tive outras fases muito felizes também. Acho que tenho a sorte de ir renovando fases, sempre buscando jeitos para não cair na rotina, na mesmice. Quando sinto que isso tá acontecendo, já busco uma maneira de mudar.
“Comunicação é algo que me encanta. Acho poderoso e muito bonito contar histórias”
É isso que aconteceu com a mudança de endereço do Arturito?
Estávamos naquele ponto [da Rua Arthur de Azevedo, em Pinheiros] há 16 anos, cansados com algumas coisas difíceis do imóvel: a arquitetura, o espaço meio estreito, a falta de luz durante o dia. São coisas que faziam sentido em 2008, quando ele nasceu para abrir só de noite, mas depois que eu engravidei quis trabalhar mais de dia e começamos a abrir no almoço – e nunca foi fácil dar essa cara diurna para ele. E quando a Tishman [Speyer] nos ofereceu esse ponto [na Rua Chabad], fiquei muito feliz, porque o lugar é lindíssimo, tem jardim, luz natural e eu consegui fazer com o arquiteto [Otavio de Sanctis] do jeito que eu queria.
Como o cenário gastronômico mudou no Brasil nas últimas décadas? Se acha uma precursora?
Jamais me autoproclamaria precursora, mas acho que fiz parte de um movimento em busca da cozinha de produto e de ingredientes sustentáveis. Hoje o mercado é outro, mudou radicalmente. Quando cheguei no Brasil em 2000, os restaurantes eram pouquíssimos, sempre do mesmo estilo, mais clássicos. E depois novos chefs surgiram, abrindo pequenos restaurantes, com outras opções. Tudo veio desse movimento dos últimos 20 anos de olhar mais para a gastronomia brasileira, identificando e criando uma cultura gastronômica nacional nas mãos de diferentes chefs. Sempre existiu essa cultura, claro, mas a brasilidade foi levada para dentro dos restaurantes, com ingredientes e técnicas.
Prestes a completar 52 anos, como lida com a maturidade?
A maturidade é um espaço que estou entrando aos poucos. É uma descoberta, como todas as fases, mas talvez mais consciente do que outras. Você não sabe que está entrando na juventude, né? Os 50 me dão consciência do tempo, da brevidade, da unicidade dos momentos. Então é muito importante aproveitar tudo, cada oportunidade. E com uma consciência de saúde, do quanto eu preciso estar sólida, forte e saudável para fazer tudo o que se apresenta. Também comecei agora a agradecer.
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O que tem sido mais desafiador agora, depois dos 50?
Para a mulher, é um território novo. Assim como ninguém te prepara para a maternidade ou para o primeiro namoro, ninguém prepara uma mulher de 50 anos para estar super ativa, cheia de desejos e vontades de fazer coisas. Talvez não seja igual para todas: algumas mulheres podem continuar exatamente as mesmas a vida toda, outras querem se adaptar. Para mim, acho que não sou a mesma dos 25, dos 33, nem dos 40. Tenho 51 – então como esses anos cabem em mim? Qual é a imagem que eu passo? Estou passando a imagem que quero passar ou sou influenciada pelo ambiente externo ou do que se espera de mim? Ainda não sei a resposta. Como é um espaço novo, ainda estou descobrindo, estou atenta. Acho que o momento é de atenção.
Os 50 me dão consciência do tempo, da brevidade, da unicidade dos momentos
Reconhece qual foi o grande ponto de virada da sua carreira?
Acho que teve muitos pequenos e médios pontos de virada na minha carreira, mas talvez uma que não posso ignorar é ter me arriscado a fazer a TV. Sair da cozinha para a tela da TV definitivamente abriu muitas outras portas que talvez só focar nos restaurantes não teria. E eu fico muito feliz de ter me arriscado nisso, porque a comunicação é algo que me encanta. Acho poderoso e muito bonito contar histórias. Também é uma maneira de eu continuar me reinventando.
Como alguém que tem 9,3 milhões de seguidores, juntando Instagram, X e YouTube, qual é o seu relacionamento com as redes sociais?
Tenho dificuldades. Ainda não sei me relacionar muito bem com as redes; às vezes apareço mais, outras menos – mas normalmente posto muito pouco. Não tem uma pessoa que cuida disso para mim, nem uma rotina de postagens, é tudo eu. Se tem algo que aprendi é que a gente não domina o que o outro pensa ou faz. Tentar controlar como alguém vai ler ou interpretar algo que posto é perder tempo.
Mas você não tem medo de se expressar online, certo?
Pelo contrário, cada vez tenho mais medo. Acho que as pessoas ficaram muito agressivas e muito cruéis nas redes. Na verdade, a palavra não é medo: é precaução. Acho que em algum momento me expressei mais, achando que era possível, mas não. Hoje eu entendo que as regras do jogo são outras e os ataques são muito profundos. Me machuca muito quando inventam mentiras sobre mim, não consigo lidar com fake news. Então, às vezes é melhor saber onde se expressar. Cada vez mais escolho lutar certas batalhas nos lugares certos; não sei se é rede social é um ambiente de lutar batalha. É um circo.
Como é um dia típico na vida de Paola Carosella?
Eu acordo muito cedo, às 6h, tomo café, faço a lancheira da minha filha e faço exercício – tenho um personal trainer três vezes por semana e tento fazer esteira todos os dias; hoje fiz 3 km, mas nem sempre consigo. Nesse momento, venho para o Arturito de segunda a sexta, das 10h às 19h, e tento sempre voltar até umas 19h30 para ficar com a Fran, jantar e ter umas duas horas antes de dormir para conversar e resolver o que precisa. Durmo cedo, porque não gosto muito de sair: quando alguém me convida para jantar, fico “Meu Deus!”. Às 20h30 já estou na cama me preparando para dormir até 22h. Então, estou em uma fase bem caseira, assisto muito seriado, gosto de ler dois livros ao mesmo tempo. Também faço terapia toda semana, e tenho uma agenda muito bem cuidada. Se está na minha agenda, é um compromisso que eu jamais vou adiar nem mudar. Sexta-feira à noite, eu desmaio (risos).
É uma grande libertação quando a gente abre mão dos estereótipos da mãe perfeita, dá risada do que é imposto e consegue construir uma maternidade amorosa que funciona para os filhos e para a mulher.
O que tem visto, lido ou ouvido ultimamente?
Nossa, eu gosto de tudo, vou até abrir meu Spotify para você ver. Tem muito clássico: Stevie Wonder, Aretha Franklin, James Brown, Tina Turner, Nina Simone, Rolling Stones, Neil Diamond. De podcast, gosto dos de história, tipo Rádio Novelo, acho Praia dos Ossos surreal. Estou lendo um livro de um filósofo italiano, o Franco Berardi, que se chama “Depois do futuro”, sensacional. E para assistir, o seriado “Feud”: gostei mais da temporada da Bette Davis e Joan Crawford, mas terminei esses dias a nova, sobre o Truman Capote, e gostei muito também. “Anatomia de um Escândalo”, da Netflix, também achei muito boa.
E cozinha em casa?
Durante a semana não, só no final de semana. E o que tiver na geladeira eu faço: às vezes é um arrozinho simples, às vezes é um macarrão ou churrasco. Tem dias que é algo mais sofisticado, em outros a gente come fruta e cereais e iogurte porque ninguém quer cozinhar. Ou peço delivery quando estou muito cansada.
Você já falou que voltou a trabalhar muito cedo depois de ter tido sua filha. De que forma lidou com esse começo de maternidade?
20 dias depois do parto da Fran eu já estava trabalhando. Foi uma loucura, impossível, mas naquele momento parecia que eu não tinha outra opção. Como dona de restaurante, onde 40 funcionários dependiam da minha presença, não era só ter me programado com dinheiro no banco; precisava continuar com o restaurante sempre cheio, lindo, com novidades. Tudo era urgente. Mas hoje não me culpo. Aos poucos a vida se ajustou, mas não sem muita luta e desencontros nos primeiros anos da Fran – eu não conseguia ser muito presente. Estive ali todos os dias, claro, mas muito longe do que se imagina da maternidade margarina, onde tudo é perfeito. Fiz tudo enquanto era o sustento financeiro da minha casa, com dois empregos, sem minha família por perto para dar apoio. Foi o que deu para ser no momento.
O que a maternidade significa para você?
Amo a maternidade, acho que ela me tornou uma pessoa muito melhor e me encheu de amor. Mas é uma construção. Quando ela aparece, você não faz ideia do que precisa fazer, a não ser que teve muitas influências e grandes referências. Não foi o meu caso. Então você precisa construí-la. Como? Fazendo, errando, sofrendo. Com muita terapia, ajuda, muita viagem interna para a própria filha que a gente é. E saber qual é a mãe que a gente quer construir, ao mesmo tempo também desconstruindo os estereótipos de mãe que a sociedade apresenta – que são absolutamente impossíveis. É uma grande libertação quando a gente abre mão disso, dá risada do que é imposto e consegue construir uma maternidade amorosa que funciona para os filhos e para a mulher.
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Se não tivesse sido cozinheira, seria o que?
Acho que comunicadora eu já sou, de alguma maneira. Mas, se em algum momento tiver com muito tempo nas mãos, eu queria fazer roupa. Adoraria cortar, costurar, desenhar umas peças; não sei nada disso, queria aprender.
O que ainda quer conquistar?
Tantas coisas. Mas principalmente saber organizar o tempo e fazer mais coisas que não sejam necessariamente ligadas ao meu trabalho. Eu gosto de trabalhar, me divirto muito, mas eu acabo ligando tudo ao trabalho. Ele sempre foi muito importante, desde o meu primeiro emprego aos 18 anos, porque de alguma maneira organizou bastante a minha vida. Então olho para tudo como se tudo fosse trabalho, e às vezes eu só queria ter tempo de fazer coisas só por fazer – por isso que falei de querer fazer roupa, seria uma atividade que me conectaria com outra vibração, outra energia. Não quero ficar levando trabalho até para aquilo que é descanso. Daqui a alguns anos, quero poder curtir mais a vida sem ser tão metódica. Relaxa, Paola, vamos curtir a vida. Só não sei se vou conseguir.
Está satisfeita com um restaurante ou quer mais?
Super satisfeita. Pelos próximos dois ou três anos, meu foco vai ser construir o Arturito: treinar, deixar tudo mais amarrado, melhorar o serviço. Quero que fique clara a mensagem que queremos passar, e que a equipe seja coesa e se divirta trabalhando. Quero especialmente construir uma cultura de trabalho forte nessa galera mais jovem. Isso é desafiador para mim, eu adoro trabalhar com gente jovem; entendê-los, ouvir os problemas, saber como deixar eles mais empolgados no trabalho, em uma época em que sociedade toda está desacreditando um pouco do mito que o trabalho dignifica.
A ideia de futuro também algo muito elitista: quem sempre sofreu nunca teve o privilégio do futuro
Então lida bem com as mudanças geracionais no mercado de trabalho?
É anacrônico querer trabalhar com pessoas de 20 anos com as regras de desde sempre, é preciso se adaptar. Hoje em dia, a equipe precisa de muito mais estímulo, então tem que treinar muito, incentivar e identificar qual é a missão de cada um. Isso me fascina. Trabalhar com pessoas é o que mais eu gosto: adoro resolver problemas, acolher, colocá-las nos lugares certos. Acho que cabe a minha geração ensinar a nova tudo que a gente aprendeu e também aprender junto, precisamente para nos mantermos jovens. E também entender como os mais novos vêem o mundo, porque com certeza é diferente. Qual é a visão e ambição deles para o futuro? Eles acreditam que exista futuro ou são mais apocalípticos?
Qual é a sua resposta?
Tento não ser pessimista. Para mim, apocalíptico não quer dizer literalmente fim do mundo, mas o fim do mundo que a gente imaginou que teria. Me defino como realista, mas não sei o que vai acontecer no futuro. Tudo está mudando, a sociedade, o clima, os princípios. E é interessantíssimo ser testemunha de tudo isso. Mas acho a ideia de futuro também algo muito elitista: quem sempre sofreu nunca teve o privilégio do futuro. Agora estamos com esse discurso apocalíptico, porque a crise climática mostra que talvez o mundo acabe, mas tem pessoas que já nasceram em um mundo que acabou e nunca vão ver a luz. Tudo tem um lugar de fala – e até me chamam de hipócrita por ter um restaurante caro no Jardins e depois ir ao Rio Grande do Sul ajudar na tragédia, mas acho tudo isso muito interessante.
Em que sentido?
É muito interessante e muito necessário que eu esteja conectada com tudo que está acontecendo, de percorrer todos os espaços e várias realidades diferentes. Acho que, para mim, tem a ver com estar vivo, de se envolver de verdade na experiência chamada vida. Isso implica se enraizar e tentar se enfiar em diferentes espaços.
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Qual o legado que você quer deixar?
Tenho medo de soar arrogante de imaginar que estou deixando um legado para a gastronomia. Mas para a minha filha, que seja uma mulher que se sinta livre para sempre feliz, para se sentir bem sem carregar anos de culpas e de de pesos que nos enfiaram na cabeça e não nos pertencem. Que ela seja livre para fazer o que quiser, seja independente e trabalhe no que ela quiser – mas também entenda que tem que trabalhar para conseguir as coisas. Acho que o legado é para ela. Não me sinto tão importante para deixar legados para o mundo.
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