Quando Rafael Gonçalves Tortola foi convocado para assumir os negócios de avicultura da empresa familiar, da qual eram sócios o pai, um tio e o avô, ele tinha apenas 24 anos. Corria então o ano de 2018, a receita anual era de R$ 2 bilhões e o grupo carregava uma alavancagem temerária de cerca de seis vezes o Ebtida (sigla para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização).
Na mais recente apresentação financeira, a de 2023, a receita da GTFoods, com sede em Maringá (PR), agora também na piscicultura e no cultivo de mandioca para amido, foi de R$ 3,7 bilhões, com estimativa de faturar R$ bilhões neste ano. E mais, com uma dívida sadia por conta de investimentos da ordem de apenas R$ 500 milhões. Juntando vegetais congelados e alguns itens de nicho em bovinos, suínos e ovinos, é vendida, todos os meses, vão para o mercado uma média de 30 mil toneladas de produtos.
“Sim, eu vinha sendo preparado para assumir funções dentro da empresa, mas não estava”, confessa Tortola. Vale registrar que a GTFoods atravessou um processo de recuperação judicial entre 2016 e 2020. “O que fizemos? Começamos a olhar para dentro, ter uma gestão à vista, monitorando seu desempenho semana a semana – e, o mais importante, aprendemos a trabalhar sem depender de banco e desalavancados”, diz ele. “Mas ainda somos uma empresa de dono”, afirma Tortola, referindo-se à construção de um ativo conselho familiar e à formação de seus sucessores.
Feita a lição de casa, a GTFoods voa. Em 2022, lançou seu primeiro CRA (Certificados Recebíveis do Agronegócio) no valor de R$ 83 milhões, com cerca de 2 mil investidores apostando na companhia. Em março deste ano, a empresa anunciou uma segunda emissão de CRA ainda para 2024, no valor de R$ 150 milhões visando investidores institucionais, como fundos, fiagros e family offices. Neste momento, ela está definindo o coordenador líder da operação para essa nova emissão. Outro projeto, este para os próximos cinco anos, é a possibilidade um IPO (sigla para “oferta pública inicial” em bolsa).
Hoje, a GTFoods é uma companhia de 10 mil funcionários – dos quais, 1.200 estão diretamente envolvidos na indústria, na encubadora e na fase em vivo do manejo das aves. Com ela, estão 880 produtores integrados, que criam as aves em 200 municípios. Somente de milho, a GTFoods consome 1 milhão de sacas por mês.
A agroindústria avícola, com quatro unidades de abate, processa cerca de 300 mil toneladas de frango, por ano. A GTFoods está entre as maiores empresas de processamento de frangos no Brasil, ao lado de JBS e BRF (as maiores do mundo em produção e abate), além de Copacol e Ceval, por exemplo, todas elas também na lista Forbes Agro100 2023.
Gestão de ponta a ponta
Junto de Tortola, está na gestão do negócio o primo Vinícius Gonçalves, de 29 anos, enquanto a geração fundadora foi para o conselho. Tortola conta que, mesmo assumindo o cargo não sabendo tudo – “ainda me sinto aprendendo”, já frequentava os corredores do que viria ser a GTFoods desde os 13 anos. Executivos jovens em cargos máximos ainda são raridade no país, embora esse movimento seja de ascensão.
Dados da consultoria Spencer Stuart de 2023 apontam que a idade dos CEOs das empresas listadas na S&P 500 caiu de 55 anos em 2021 para 53 anos em 2022. Foi a maior queda de um ano para o outro nas últimas duas décadas. Do total, cerca de 30% dos CEOs listados têm menos de 50 anos.
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Aos 30 anos, Tortola é o resultado de um pacote no qual está um novo modo de gestão no agronegócio das empresas familiares e um amadurecimento das cadeias produtivas, que passa pela profissionalização de processos em quase todos os setores do agro, incluindo as avícolas. O Brasil é o segundo maior produtor de carne de frango do mundo, com cerca de 14,9 milhões de toneladas em 2023.
No ano passado, foram exportadas 5,1 milhões de toneladas, alta de 6,6% em relação a 2022. O país é o maior exportador global dessa proteína, posição assumida em 2004. Nos últimos 20 anos, o Brasil exportou cerca de 73 milhões de toneladas de carne de frango e recebeu pela venda US$ 122 bilhões. “É dinheiro de fora do Brasil que foi trocado por um pedaço de carne”, diz Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e que assumiu em dezembro a presidência do International Poultry Council (IPC), entidade máxima da avicultura mundial.
Não à toa, logo em janeiro, Tortola desembarcou em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para seu primeiro compromisso internacional de 2024: apresentar produtos GTFoods na Gulfood 2024, uma das maiores feiras de alimentos e bebidas do mundo.
“Hoje, exportamos 30% da nossa produção e queremos chegar a 40%, mas não passarmos disso”, afirma ele. “Quando começamos a melhorar os processos de gestão, um dos focos era justamente a nossa internacionalização.” A GTFoods já possui certificações para embarques a cerca de 100 países e o que pretende é intensificar relacionamentos, principalmente com os mercados asiáticos, europeus e africanos.
Na construção de novos negócios
O executivo diz que, olhando para o mercado de forma geral, o “frango é complexo”, mas ascendente. O consumo per capita no Brasil foi de 46 quilos em 2023, com estimativa de ir a 47 quilos neste ano. Para comparar, em 2000, o consumo per capita registrado foi de 29,9 quilos.
Historicamente, a carne de frango é uma proteína barata e popular, ligada aos humores da carne bovina e fazendo um movimento contrário: quando o boi encarece, o consumidor vai para o frango. Embora esse cenário esteja hoje mais planificado, o fato é que o “frango é um mercado de centavos”, define Tortola.
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Para dirimir riscos, a GTFoods tem feito um movimento também visto em outras empresas do setor: diversificar, mas de forma intensiva, o core do negócio. E escolheu dois alvos: mandioca e peixe. Em 2015, ela comprou a Lorenz, uma tradicionalíssima produtora de fécula de mandioca, fundada em 1906.
“Há mais de 1.200 produtos que podem ser destinados à indústria de alimentos, cosméticos e farmacêutica a partir da mandioca”, afirma Tortola. “Quando compramos a Lorenz, foi para apostar além da fécula, que é um produto de pouco valor agregado. O plano é investir nos agregadores.”
Na indústria de ingredientes, por exemplo, a maltodextrina é encontrada em gelatinas, sucos em pó, pudding, molhos e alguns adoçantes. Com 280 mil toneladas de mandioca processada por ano, a receita da Lorenz é de R$ 400 milhões, com clientes do porte de Häagen-Dazs, Nestlé, JBS, Pepsico, Mondelez e Piracanjuba.
No entanto, a tacada mais ousada da diversificação vem sendo dada na aquicultura, com a criação de tilápias. “Acredito que a tilápia seja um modelo de negócio ganha-ganha. É um mercado reconhecido pelo consumidor de carne branca e que tem no peixe uma referência de produto saudável”, diz Tortola. “Vejo o peixe de hoje como o frango de 20 anos atrás.”
Para acelerar essa defasagem, a GTFoods já colocou no negócio R$ 40 milhões e deve investir outros R$ 150 milhões, incluindo no projeto um novo abatedouro, programado para 2025. Desde 2021, ela opera um abatedouro que processa 220 toneladas de peixe por mês. O processo de integração, como ocorre com o frango, está em fase inicial, mas o forte é mesmo o projeto de criação própria, em uma fazenda aquícola de 350 hectares de lâminas d’água.
Além dos tanques e abatedouro, o complexo possui uma fábrica de ração, outra fábrica de farinha para ração pet e um laboratório de alevinos de tilápia. No mais, a toada, para Tortola, segue o fluxo: “no peixe, queremos estar fortemente presentes no mercado interno, mas também exportar”. O foco está nos Estados Unidos, na China e no Oriente Médio. (reportagem publicada originalmente na Revista Forbes e atualizada)
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