O anúncio devastador veio em 2 de setembro de 2022: o gigante bancário suíço UBS estava abandonando oito meses de negociação para comprar a empresa de desenvolvimento de consultoria automatizada (também chamado “robo advisory”) Wealthfront por US$ 1,4 bilhão.
O presidente do UBS disse meses depois que os clientes da fintech não eram “sofisticados o suficiente” para o banco. Porém, o acordo também enfrentou resistência dos reguladores dos EUA. A notícia foi um golpe para a fintech então com 14 anos e para os seus investidores. “Ficamos coletivamente desmoralizados”, diz Mike Volpi, conselheiro da Wealthfront e sócio da Index Ventures. “Era um valor muito bom na época.”
O CEO da Wealthfront, David Fortunato, prefere não discutir o fracasso. “É preciso ter uma memória muito curta para coisas assim”, diz o barbudo de 38 anos, que normalmente se veste com bonés de beisebol, gorros e camisetas que não são do estilo UBS. Em vez de lamber as feridas, ele apostou em outra estratégia: oferecer contas remuneradas. O momento foi de ouro. O Federal Reserve (FED), o banco central americano, já havia aumentado os Fed Funds de zero em março de 2022 para 2,5% ao ano, e iria seguir elevando as taxas para os atuais 5,50% ao ano, levando os consumidores a transferirem dinheiro de contas bancárias tradicionais para contas remuneradas.
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Ao longo de 2023, os recursos em caixa na Wealthfront cresceram de US$ 9 bilhões para US$ 27 bilhões, enquanto os ativos totais passaram de US$ 32 bilhões para US$ 55 bilhões. As contas em dinheiro agora pagam juros de 5% e são seguradas pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) até US$ 8 milhões.
A receita mais que dobrou, para quase US$ 200 milhões, e registrou um EBITDA de US$ 89 milhões, entrando na lista Fintech 50 da Forbes para 2024. Volpi prevê que a receita da Wealthfront dobrará novamente este ano, embora Fortunato se recuse a compartilhar as projeções oficiais da empresa.
O desafio será continuar crescendo quando os juros americanos começarem a cair. Mas a Wealthfront tem um histórico de se reinventar. Andy Rachleff, cofundador da empresa de capital de risco Benchmark, iniciou a companhia em 2008 com o antigo trader Daniel Carroll sob o nome menos digno de KaChing. A ideia inicial era um mercado onde os investidores pagassem pelo acesso a gestores de recursos, por meio da divisão das taxas de corretagem.
A ideia foi lançada com investimentos de figurões do Vale do Silício, incluindo Marc Andreessen e Ben Horowitz. Em 2010, Rachleff rebatizou-o de Wealthfront com um modelo completamente novo: oferecer carteiras de investimento concebidas e geridas por robôs que se adaptassem aos prazos e à tolerância ao risco dos investidores. A startup Betterment, de Nova York, tinha lançado a ideia apenas um ano e meio antes.
Fortunato viveu grande parte da transição da Wealthfront. Ele foi o terceiro funcionário, contratado em novembro de 2009, apenas um ano e meio depois de se formar em Amherst com especialização em ciência da computação e em economia. O espaço inicial de KaChing, lembra ele, era anteriormente ocupado por uma lavanderia a seco. “Eles tiveram que fazer testes de qualidade do ar para garantir que nenhum dos produtos químicos estivesse vazando.” Foi uma operação de orçamento tão baixo que Fortunato acabou montando pessoalmente 40 mesas Ikea para novos contratados.
Desde o início, Rachleff acreditou que a chave era automatizar tudo, de modo que pudesse obter lucros com taxas baixas. “Se você vai enfrentar as empresas incumbentes, você tem que criar uma estrutura de custos completamente diferente”, diz ele, hoje presidente do Conselho. “Se não pudéssemos automatizá-lo, não o entregaríamos.” Hoje, metade dos 280 funcionários da Wealthfront são engenheiros e ela tem apenas 19 pessoas no atendimento ao cliente para 800 mil usuários. A Betterment tem mais de 400 funcionários para seus mais de 850 mil clientes.
A Wealthfront começou cobrando (e ainda cobra) apenas taxas equivalentes a 0,25% dos ativos, superando tanto os consultores financeiros típicos, cujas taxas eram em média de 1,3%, quanto a própria Betterment, que posteriormente baixou seus preços e agora também cobra 0,25%. Nenhuma fintech cobra uma taxa percentual para contas em dinheiro – em vez disso, elas ganham seu sustento cobrando um spread, pagando aos clientes uma taxa de juros ligeiramente inferior à que recebem de seus parceiros bancários.
No início, a Wealthfront tinha como alvo os trabalhadores das empresas de tecnologia que, graças às suas opções de ações, tendiam a ter patrimônios líquidos mais elevados. Até criou programas especiais para ajudar funcionários do Facebook e do Twitter a vender as suas ações pós-IPO e a diversificar as suas carteiras. Até hoje, a Wealthfront tem uma base de usuários mais abastada do que a maioria das fintechs – seu cliente médio ganha US$ 120 mil por ano, diz.
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A consultoria automatizada revelou-se um negócio difícil, exceto para os fornecedores de custo mais baixo. “Não conseguiu decolar como as pessoas pensavam”, diz Amy Arnott, estrategista de pesquisa de portfólio da Morningstar. Os robôs consultores dos EUA detêm US$ 1,07 trilhão em ativos de clientes, de acordo com a empresa de gestão de fortunas Condor Capital, ou 3,6% dos US$ 30 trilhões em ativos geridos profissionalmente. O JPMorgan encerrou recentemente suas atividades nessa área, citando desafios para torná-las lucrativas, e a Betterment anunciou em abril que irá adquirir as contas do Marcus, da Goldman Sachs.
O grande vencedor não foi uma fintech, mas a uma gestora tradicional, a Vanguard. Seu serviço Personal Advisor de robô híbrido, lançado em 2015, cobra 0,30% dos ativos e menos para contas maiores, enquanto seu serviço mais recente totalmente digital custa apenas 0,20% dos ativos por ano, incluindo taxas de fundos. A Vanguard atraiu US$ 300 bilhões, grande parte de clientes existentes, tornando a gestora a maior do mundo em consultoria automatizada.
A CEO da Betterment, Sarah Levy, diz que as empresas estão recuando da consultoria automatizada porque os custos de aquisição de clientes são altos. “Este negócio tem um grande valor para o cliente, mas tantas empresas estão lutando por fatias de mercado que o retorno demorou demais”, diz. Ela ingressou na Betterment no fim de 2020 e substituiu o fundador Jon Stein.
Desde então, a empresa se concentrou em duas novas linhas de negócios: contas de aposentadoria 401(k) para pequenas empresas e produtos de investimento para consultores financeiros que gerenciam US$ 150 milhões ou menos. A sua estratégia de rentabilidade a longo prazo consiste em criar produtos que possam ser vendidos a diversos públicos, incluindo clientes de varejo, pequenas empresas e consultores de investimento, mesma estratégia de gestoras tradicionais como Schwab, Fidelity e Vanguard.
Os anos que antecederam o acordo com o UBS não foram uniformemente bons para a Wealthfront. Depois veio a pandemia. Foi uma bênção para algumas fintechs, mas um período difícil para a Wealthfront. Buscando animar a economia, o FED zerou os juros. O crescimento dos ativos foi de 28% em 2021 e de 10% em 2022, refletindo o comportamento do mercado de ações. Mas a alta dos juros e o colapso do Silicon Valley Bank em março de 2023 estimularam clientes a transferir o seu dinheiro para contas de elevado rendimento como a da Wealthfront.
A empresa finalmente se tornou lucrativa porque manteve as despesas sob controle enquanto as receitas disparavam. Quando as taxas de juros eventualmente caírem, isso se tornará menos eficaz, embora Volpi diga que as contas ainda serão lucrativas com taxas de juros até 2,5%.
O post Robôs bilionários: a fintech que faturou alto com a alta de juros nos EUA apareceu primeiro em Forbes Brasil.