As apostas esportivas através de plataformas online aumentaram exponencialmente no mundo todo durante a pandemia da covid-19 e, desde então, seu crescimento tem sido contínuo, tornando-se objeto de pesquisas nas áreas de psicologia social, economia comportamental, saúde, entre outras.
Os impactos do aumento do interesse por apostas é imenso, passando por questões socioeconômicas, de saúde mental, e afetando, inclusive, a formulação de políticas públicas em vários países. O tema é muito amplo e demanda várias abordagens, uma delas, certamente tem a ver com a educação financeira.
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O brasileiro está apostando mais
A Anbima divulgou, há poucos dias, dados relevantes sobre o comportamento dos brasileiros em relação aos investimentos e às apostas esportivas. A sétima edição do Raio X do Investidor Brasileiro introduziu novas variáveis à pesquisa sobre investimentos, a fim de entender aspectos como autocontrole, imediatismo em relação ao dinheiro e a visão das pessoas quanto ao que é ou não investimento, e neste contexto é que os dados sobre as bets trouxeram informações bem preocupantes.
Os indicadores sobre o fenômeno das bets trazidos pela Anbima no Raio X do Investidor 2024 foram incorporados devido a resultados identificados anteriormente na pesquisa “Como você investe o seu dindim?”, feita pela Anbima em parceria com a consultoria Na Rua, onde se verificou que pelo menos 14% dos brasileiros com 16 anos ou mais fizeram, no mínimo, uma aposta online em 2023.
As duas principais motivações apontadas como justificativa para o gasto com apostas, foram: a chance de ganhar dinheiro rápido em momento de necessidade e a possibilidade de altos retornos.
Claro que outros fatores também interferem, como a emoção de apostar, diversão ou o simples fato de ser fácil e acessível. Apostas online estão disponíveis na palma da mão a qualquer hora e lugar, e essa disponibilidade torna mais difícil resistir ao apelo do “dinheiro fácil”.
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Mas, afinal o que está por trás do comportamento de pessoas que, de acordo com a pesquisa, gastam uma média mensal de R$ 263 em apostas sem quaisquer garantias de ganhos, ao invés de investir esse dinheiro através de uma corretora ou banco, sabendo previamente quanto irão ganhar e, o mais relevante, com a certeza do ganho de acordo com o produto financeiro escolhido para investir?
A falta de educação financeira é só um aspecto do problema
Como educador financeiro, entender o comportamento humano faz parte da minha rotina, contudo, eu não quero cair na análise simplista de que as pessoas preferem apostar do que investir por não terem educação financeira. É claro que essa é parte da explicação, mas há muito mais questões.
Pesquisas comportamentais apontam diversos vieses que influenciam nossas escolhas, tornando-as, muitas vezes, bem menos racionais do que gostaríamos. A economia comportamental tem teses importantes sobre o interesse por jogos de azar. Por exemplo, o cérebro tende a sentir menos a dor do pagamento ao jogar online, pois não parece tão real e tangível quanto o desembolso financeiro numa casa de apostas, evento esportivo ou cassino.
Vieses comportamentais podem conduzir a erros perigosos
Falácia do jogador: as pessoas usam o resultado conhecido de eventos passados como referência para eventos futuros, mesmo que não haja nada além de aleatoriedade. Por exemplo, uma moeda jogada para cima 10 vezes em que deu “cara” não torna mais provável a ocorrência de “coroa” no próximo lançamento, no entanto, as pessoas tendem a pensar que uma sucessão de “coroas” ocorrerá após uma sequência de “caras, sendo que na verdade, as probabilidades continuam sendo de 50%.
Ilusão de controle: muitos jogadores superestimam sua real condição de controlar os acontecimentos e vencer uma aposta, normalmente pautando-se por parâmetros totalmente infundados e até ilusórios
Excesso de confiança: as pessoas muitas vezes acreditam que são melhores nas apostas do que realmente são, devido a um sucesso anterior em algum jogo, subestimando assim os riscos associados às apostas.
Viés de confirmação: é a tendência de preferimos informações que confirmem nossas crenças pré-existentes, ignorando qualquer fato que possa contradizer essas crenças. Um apostador pode, por exemplo, se pautar nas estatísticas de resultados positivos em apostas que respaldem sua decisão de jogar, ignorando completamente os resultados ruins.
Efeito halo: ocorre quando julgamos um fato com base em uma única informação, em geral, um estereótipo. Por exemplo, ao conhecer uma empresa ou serviço através de uma celebridade muito admirada, alguém pode criar uma opinião positiva mesmo sem conhecer nada sobre a empresa. O raciocínio simplista é “se esse artista/atleta/celebridade diz que bets são seguras, então são”. Esse é um exemplo clássico do efeito halo.
Muitos outros vieses comportamentais influenciam nossas decisões financeiras, e eu já escrevi algumas vezes sobre isso aqui na Forbes. Sugiro que você busque saber mais sobre os vieses, pois ao conhecer como eles podem impactar seu raciocínio e comportamento, poderá se preparar e tomar melhores decisões.
Com reduzir os danos das apostas esportivas
A educação financeira é, sem dúvida nenhuma, um dos pilares imprescindíveis para que as pessoas aprendam que colocar o dinheiro para trabalhar a seu favor é mais fácil do que parece e muito mais inteligente e racional para construir patrimônio, do que delegar à sorte o seu futuro financeiro.
Importante lembrar, contudo, que a educação financeira será um instrumento eficiente, desde que combinada com outras medidas que coloquem o comportamento humano no centro das políticas que regulamentem apostas.
É difícil acompanhar vários pequenos pagamentos, como ocorrem nas apostas, e o cérebro tende a se concentrar nos grandes ganhos, quando ocorrem, ou mesmo em seu simples potencial de ocorrência.
Apenas dizer às pessoas que bets são ruins, que podem causar vício e grandes perdas financeiras nunca será suficiente.Tudo na arquitetura dos jogos conduz o imaginário do apostador para a crença de que há diversão, socialização, lazer, oportunidade de mudar sua vida.
Sendo assim, tornar obrigatório que empresas de apostas online forneçam extratos mensais de atividades de seus clientes, além de projetar formas de alertar as pessoas quando suas apostas aumentam com o tempo, como em um extrato bancário, pode ser um bom começo como medida de redução de danos e conscientização.
As apostas só enriquecem quem as administra
A indústria das apostas online conquistou muito espaço no mercado nos últimos anos, e a previsão é que até 2028 atinja quase 250 milhões de usuários no mundo inteiro.
As grandes indústrias dos jogos online investem fortunas em publicidade e, especialmente, em patrocínios de atividades esportivas, num marketing cada vez mais agressivo e eficiente, tornando os custos psicossociais e econômicos cada vez mais altos.
No mundo ideal, políticas públicas apoiadas na psicologia econômica estariam sendo amplamente discutidas em busca de soluções, mas ainda estamos longe desse cenário. Um mercado que movimenta bilhões de dólares anualmente e que se beneficia pela baixa ou inexistente regulamentação, agrega em torno de si interesses econômicos gigantes.
Certamente muitas facetas desse mercado estarão em pauta, antes da preocupação em educar financeiramente as pessoas para que saibam distinguir o que é investimento e qual seu potencial de mudar realidades, dos jogos de azar que só enriquecem quem os promove.
Dessa forma, cabe a você buscar informação de qualidade e educação financeira que o ensine os caminhos seguros para o enriquecimento lícito, e eu sugiro que você comece o quanto antes, pois nenhuma aposta tem potencial para mudar seu futuro, mas suas atitudes têm.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI, pós graduado em pedagogia empresarial, coordenador do MBA em Planejamento Financeiro e Análise de Investimentos da Anhembi Morumbi, sócio do Clube FII e sócio fundador da holding financeira MR4 Participações.
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