No artigo da semana passada, eu falei um pouco sobre imóvel como investimento, e hoje quero seguir com o tema ‘imóvel’, porém sob a perspectiva do que é, segundo pesquisas recentes, a principal prioridade financeira da maioria: imóvel para moradia.
Dentro desse tema, uma das perguntas quem ais recebo no meu dia a dia é: “o que é melhor: comprar ou alugar imóvel?”. Obviamente não existe uma resposta taxativa que dê conta dessa questão. A resposta sempre vai ser “depende”, pois o número de variáveis é imenso e vou começar pelas mais subjetivas.
Casa própria está no topo do ranking de metas do brasileiro
O sonho da casa própria faz parte do imaginário e, sobretudo, da cultura do nosso país. Uma pesquisa realizada em 2022 pela startup Quinto Andar revelou que 7 em cada 10 brasileiros vivem em imóvel próprio, sendo 62% desse total, imóveis quitados, e 8% imóveis financiados. Entre a população que não possui imóvel, este é um desejo em 87% dos casos, especialmente entre jovens entre 21 e 24 anos, onde o percentual sobe para 91%.
A pesquisa também apontou que a maioria desses imóveis próprios apresenta condições precárias, mas, não é esse o meu foco hoje, mas sim o dado macro que, por si, já demonstra o quanto a moradia própria está entre as prioridades da nossa população, e os motivos disso são variados e remontam à história do capitalismo.
A moradia é uma necessidade humana ligada a segurança, proteção e autopreservação, mas a propriedade é uma construção social dada pelo que a sociologia chama de práxis utilitária. Ou seja, morar é uma necessidade, possuir o imóvel não.
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Trata-se de uma questão complexa e com muitas camadas, e eu apenas quis pontuá-la, porque esse aspecto entre
necessidade e vontade é algo que precisa permear suas reflexões pessoais quanto a qualquer tipo de aquisição que resolva fazer, incluindo o imóvel.
É melhor comprar ou alugar um imóvel?
A resposta a essa pergunta é muito individual, pois extrapola a simples questão financeira e, mesmo essa, também tem particularidades que precisam ser avaliadas com muito cuidado.
Do ponto de vista financeiro, numa conta fria e objetiva, é bastante provável que você chegue à conclusão de que alugar o imóvel é mais viável, pois o valor que seria imobilizado neste bem pode ser aplicado e transformado, por exemplo, em uma carteira de ações pagadoras de dividendos que se tornem uma renda extra para ajudar no custeio de seu aluguel ou no seu crescimento patrimonial.
Acontece que o racional não é tão cartesiano assim. Há muitos fatores envolvidos: para uma pessoa de alta renda, não necessariamente rica, mas com boas fontes de receita, essa ideia tem muita lógica, pois não comprar um imóvel é simplesmente uma opção e não uma impossibilidade.
Isso significa que essas pessoas podem optar por viver de aluguel enquanto destinam seus recursos a investimentos, pois sabem que a qualquer momento, se a economia sofrer reveses onde os investimentos em ações ou fundos deixem de ser interessantes, é possível mudar rota relativamente rápido e adquirir uma casa.
Quando pensamos na imensa maioria, isso não é uma simples mudança de planos, pois o acesso ao crédito muitas vezes é difícil e caro, o patrimônio inicial necessário à aquisição de um imóvel é alto, a renda média do brasileiro, abaixo de R$ 3 mil por mês, segundo dados do IBGE, não possibilita acesso à moradias em bairros mais centralizados, o que faz com que as aquisições se dêem em áreas mais longínquas, aumentando os custos com mobilidade, entre outros fatores.
De forma muito direta, o que irá definir se comprar é melhor que alugar ou vice-versa, é sua renda e a consistência do seu planejamento financeiro, possibilitando saber se é hora de “fincar raízes” em determinado local.
Faça o raio-X de suas expectativas e defina o que o imóvel significa
Ao cogitar a compra de um imóvel, considero importante que você faça um exercício muito realista e prático para entender seu momento de vida, suas necessidades objetivas, A partir disso, fica um pouco mais fácil tomar uma decisão coerente e adequada à sua realidade.
Nesse exercício, desprenda-se de velhas máximas como “quem casa, quer casa” ou “quem compra terra, não erra” pois são conceitos relativos. A decisão de compra ou locação de um imóvel precisa atender exclusivamente à sua dinâmica de vida e não ao senso comum sobre o assunto.
Por que você deseja um imóvel? Liste os motivos racionais e práticos, mas também aqueles mais subjetivos e emocionais, pois também são muito importantes.
Quanto de sua renda você pode comprometer com moradia sem que um eventual endividamento com este item ponha em risco toda a sua saúde financeira e metas de médio e longo prazo?
Esse percentual da renda destinado à moradia é algo perene e que você tem certeza de que irá conseguir manter ao longo dos próximos anos? Por quantos anos?
Você possui uma reserva que possibilite arcar com os custos de um imóvel, caso sua renda cesse em algum momento? Lembre-se que quando você vive de aluguel e sua vida muda, basta você trocar de imóvel para um degrau acima ou abaixo, conforme a situação. No caso de um imóvel próprio, para obter uma boa negociação comercial, é preciso tempo e paciência, pois nunca é algo rápido.
Seus planos profissionais e pessoais para os próximos anos, possibilitam que você defina desde já o local do seu imóvel sem grandes riscos de arrependimento ou sem a necessidade de vender às pressas?
O local onde você deseja ter um imóvel é compatível com os recursos que você dispõe para esse fim, ou você terá que morar distante dos locais onde sua vida acontece (emprego, estudos, lazer, etc)?
Ter um imóvel é um desejo genuinamente seu, ou você está apenas vivendo o sonho de outra pessoa? O sonho ser de outra pessoa e compartilhá-lo não é um problema, desde que você esteja consciente das implicações disso em sua vida e escolhas financeiras pessoais.
Eu sei que é uma abordagem pouco ortodoxa para um educador financeiro. Sei que talvez você estivesse esperando cálculos matemáticos te mostrando prós e contras da prestação x aluguel. Entretanto, essa parte da conta é a mais fácil e só fará sentido depois que você tiver feito essa espécie de inventário subjetivo e emocional relativo a essa decisão.
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Somente depois de entender qual o espaço que o imóvel ocupa em seu código de valores de vida é que será possível partir para o estudo de viabilidade financeira, pois este é sempre adaptável, enquanto o seu emocional, na maioria das vezes não é.
Imóvel para moradia não é investimento
Essa é uma questão que você não pode perder de vista. Investimento é algo que aumenta seu patrimônio e gera receita, sendo, portanto, um ativo. Ao contrário disso, um bem que aumenta seu patrimônio imobilizado, mas gera despesas, é um passivo.
Sendo assim, a definição sobre a compra ou aluguel de sua moradia, passam também por suas metas financeiras principais. Imprescindível que você saiba onde quer chegar em termos financeiros, pois o esforço envolvido nesse processo pode exigir estratégias que, eventualmente, não contemplem a compra de um imóvel, ou minimamente, demandem a postergação deste plano.
Seja como for, o custo da locação ou da prestação de um imóvel precisa ser algo planejado com critério, para não empacar suas demais decisões financeiras.
No artigo da semana que vem, trarei algumas ponderações de ordem prática para que você compreenda o quê calcular ou avaliar, em termos de recursos imobilizados em imóveis, a relação entre financiamento e taxa de juros e possibilidades de amortização.
Por hoje, desejo que você não perca de vista que ninguém, além de você mesmo, pode definir o que é melhor para a sua vida, e essa definição depende de dedicar algum tempo para se conhecer profundamente e compreender o que te move, o que te faz ter sangue nos olhos e batalhar para conseguir alcançar sua meta, seja ela qual for.
Um imóvel, assim como qualquer outro bem não é um fim em si mesmo, é um meio para que você nutra suas necessidades objetivas e subjetivas. Então, esqueça receitas prontas, e comece sua jornada entendendo quem você é e porque deseja o que deseja.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI, pós graduado em pedagogia empresarial, coordenador do MBA em Planejamento Financeiro e Análise de Investimentos da Anhembi Morumbi, sócio do Clube FII e sócio fundador da holding financeira MR4 Participações.
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