Fazer fila para pagar compras, para pedir aquele café essencial, ou uma cerveja depois de um expediente daqueles. Fila para tirar uma selfie com celebridade, para ter um documento autenticado, para comprar ingressos e para abraçar os noivos. Fila para usar o banheiro em um festival, para ter o livro autografado e para entrar no ônibus — se tiver espaço. Fila para ficar colado na grade do show, para comer um pedaço de pizza às 2h da manhã, para ser atendido pelo caixa do banco, para se vacinar ou para cantar no karaokê.
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Filas são uma experiência universal, que a maioria de nós precisa ter para funcionar na vida cotidiana. Mas, na verdade — e por mais mundana que essa forma de organização seja —, a fila é um fenômeno social fascinante, que revela dinâmicas da interação humana e, sobretudo, testa a nossa paciência.
Diante disso, fico pensando: como a inovação, sobretudo a tecnológica, poderá ajudar a melhorar essa experiência tão comum no nosso dia a dia e, às vezes, tão frustrante? E será que ela precisa deixar de existir?
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A experiência de aguardar para ser atendido pode ser influenciada por inúmeros fatores e o zeitgeist (o espírito do tempo) daquela era. Este é o foco da psicologia da fila (sim, você leu certo). Segundo os especialistas da área, há muita coisa envolvida quando esperamos, e há pessoas esperando antes de nós.
Existe, por exemplo, o senso de injustiça social, que surge quando vemos alguém passar na nossa frente, ou quando assistimos ao exercício de privilégios de pessoas que acessam lugares antes dos que não pagaram por isso – quem nunca? Além disso, filas demandam tempo, recurso que valorizamos mais do que nunca. Como resolver estes impasses?
A tecnologia ajudou tornar o processo da espera menos doloroso nos últimos anos. Desde o e-commerce, que ofereceu uma alternativa à espera em loja, até a bilheteria digital, que eliminou a necessidade de filas para emissão física de bilhetes, as coisas andaram muito. Vimos a emergência de filas virtuais, em contextos como compra de ingressos para shows e parques temáticos, chatbots que dão respostas para perguntas frequentes a qualquer hora, uso massivo de software de gestão de fila e por aí vai.
O autoatendimento é outro exemplo clássico de iniciativa para reduzir custos, além de tornar a espera por atendimento menos inconveniente. Os tais totens self-service já são comuns até em supermercados de bairro.
Eu sempre preciso de ajuda porque, volta e meia, o equipamento não funciona, o código de barras se recusa a ser lido, a balança não detecta os limões, nem por um decreto. A sirene do totem chama uma pessoa para me ajudar, estou atrasada, penso que melhor seria passar no caixa tradicional. Mas, espera, o caixa nem existe mais. Se este for mesmo o futuro, eu quero a fila de volta.
Nem todos pensam igual sobre a fila, e as nossas atitudes sobre ela podem mudar de acordo com as circunstâncias. Em visita ao Localiza Labs, em Belo Horizonte, conversei com o chief technology officer (CTO) da companhia, Andre Petenussi, e tive uma perspectiva diferente sobre o assunto.
A locadora de veículos tem um serviço chamado Fast, que permite que o usuário pegue o carro sem passar pelo balcão de atendimento. Disponível desde 2017, o serviço é baseado em um dispositivo no carro, baseado em Bluetooth Low Energy e com software embarcado, que permite o monitoramento da utilização do carro. O sistema também tem uma interface de comunicação para abrir a porta do veículo, e começar a locação sem passar pelo balcão.
Além de contribuir para o tal encantamento do cliente, a opção de não ter que esperar até expande o mercado endereçável, diz Pete, como é conhecido o CTO (e músico nas horas vagas): “Tem muita gente que simplesmente não quer o balcão, e quer consumir o serviço de um outro jeito.”
Por outro lado, Pete não é taxativo sobre o futuro da fila. “Sou muito cético sobre estes cenários apocalípticos, como pensar que a fila tem que acabar. Tem muitas nuances aí”, reflete.
De fato, há quem não se importe em aguardar – e inclusive goste de ter a interação pessoal com atendentes e outros clientes. Imediatamente, penso na padaria do meu bairro: as pessoas fazem fila antes de abrir, logo cedo no sábado, para comprar um tipo de pão específico. Se conhecem, trocam ideias sobre a vida e depois com as pessoas no balcão, com o dono do local. É a vida acontecendo.
É claro que existem momentos em que a única coisa que se quer é fazer o que tem que ser feito, ou obter algo, o mais rápido possível. Neste caso, a tecnologia vem para somar. “Não acho que a automação vem para matar a fila. Ela vem para trazer uma alternativa para momentos específicos de necessidade: a questão é dar opções,” diz o CTO da Localiza.
Concluo que resolver a questão da espera no serviço não é apenas sobre eficiência ou velocidade, mas também é sobre preservar o valor das pequenas interações do dia a dia. À medida que o autosserviço se torna cada vez mais comum, não dá para ignorar as experiências que ocorrem em torno da espera, e no atendimento no final dela. Afinal, essas interações nos moldam, nos conectam com o outro e nos fazem observar o tempo e o que estamos fazendo de uma maneira que o puro automatismo nunca poderá contemplar.
Quando pensamos no papel da tecnologia em aspectos do serviço, como a fila, devemos buscar um equilíbrio onde a tecnologia coexista com o que nos torna intrinsecamente humanos.
Inovações (tecnológicas ou não) precisam simplificar processos, mas também enriquecer a experiência humana. Podemos querer vidas mais eficientes, mas também o significado das interações preservado, por mais mundanas que sejam. No fim das contas, a verdadeira inovação será aquela que conseguir integrar a tecnologia na sociedade de maneira que preserve nossas subjetividades e celebre as nuances da nossa condição.
O post Rumo Futuro: fila, pra que te quero? apareceu primeiro em Forbes Brasil.