Na abertura de Habitar Juntos, primeira individual em nossa galeria de Carlos Bunga, o artista português, que expôs na última Bienal de São Paulo, fez uma apresentação tão interessante de sua obra e história pessoal que, transcrevi algumas partes que ilustram seu fazer e pensar. Antes da fala, Bunga cantarolou uma toada elevando quem estava ali reunido a outra dimensão naquela ensolarada manhã paulistana.
“Por que abri cantando esta música? A resposta é não sei. Vivemos em um mundo onde esperamos repostas para tudo. Mas o campo da arte é um mundo que escapa do mundo da lógica, do mundo da palavra. É um lugar privilegiado relacionado à vida, onde podemos sentir emoções, descobrir coisas que não sabemos explicar. Isso nos fascina nos trabalhos dos artistas que são pessoas que tentam expressar suas inquietudes fora da ditadura da lógica”.
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“Meu trabalho está relacionado à ideia de casa, está marcado pelas minhas origens. Minha mãe é refugiada, fugiu da guerra de Angola em 1974, grávida de mim. A gravidez é a primeira casa de todos nós. A barriga da mulher, com seu ventre orgânico, respira, protege, alimenta, contrasta com a violência exterior. Quando nascemos, não escolhemos nossos pais, nem o país onde nascemos, nem a cor da pele, nem nosso sexo. Temos que nos adaptar, assim como os animais, a um mundo muitas vezes bastante hostil. Mas dispomos da capacidade de sobreviver. Encontrei na arte, o lugar que me salvou e, acredito, ser a arte um lugar que pode nos salvar a todos”.
“Quando pequeno, era muito tímido, brincava com aquilo que encontrava, paus, madeiras. Eu vivia em um lugar cheio de crianças em um castelo enorme, de verdade, e não entendia por quê. Mais tarde compreendi que se tratava de um centro de refugiados, a Fortaleza de Peniche, símbolo da resistência de Portugal, onde muitos políticos foram aprisionados durante a ditadura salazarista. Depois, por um período de cerca seis anos, foi transformado um centro para refugiados”.
“Minha formação na pintura é clássica, fiz aulas de aquarela, acrílico, óleo, mas essa formação me levou a um estado de frustração. Minha pintura foi enveredando para uma hibridização e uma expansão de seus limites – uma pintura expandida, como costumo dizer. Com isso meu trabalho foi se aproximando à arquitetura, à escultura, à performance”.
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“Aos artistas, muitas vezes, perguntam-nos quando você se tornou artista? Considero que ser artista começa quando nascemos. O momento de tomada de decisão está condicionado por todo um processo da vida: os traumas, as alegrias, de onde viemos, tudo isso influencia o modo que somos, nossa personalidade, como trabalhamos. Para mim, a pintura é algo maravilhoso, é o lugar onde posso ser livre, me expressar”.
“Meu trabalho é muito intuitivo, é sentir com o corpo, pensar com o coração. O artista mais convencional trabalha em um estúdio. O estúdio é como um bunker, onde choramos, rimos, bebemos, fazemos de tudo. É diferente de como venho trabalhando, ao em vez de se enviar a obra, envia-se o artista. Quando chego a um museu ou a uma galeria para produzir meu trabalho, transformo-o em um estúdio temporário, com isso esses espaços precisam entender que, como no estúdio, é importante assumir riscos, acidentes e topar os desafios”.
“Todas as obras expostas na Galeria Nara Roesler foram criadas em São Paulo, onde estou desde dezembro, como parte de meu processo de estar na cidade. A galeria me alugou um galpão e me tornei um arqueólogo urbano, recolhendo folhas, madeiras, detritos nas ruas, acumulando tudo para trabalhar essas novas obras. As cores também foram escolhidas em São Paulo. Portanto, tudo é muito intuitivo.”
“Alguns me perguntam se sou arquiteto. Não tenho formação de arquiteto, considero que minha maneira de trabalhar, de ver o mundo, mais próxima da visão de um pássaro que constrói o seu ninho do que a de um arquiteto que constrói uma casa. O ninho, por mais sofisticado que seja, é uma estrutura que nos emociona. Essa complexidade dos processos está presente nos animais, que nos mostram outras maneiras de construir, de pensar, de viver. Tudo isso está impregnado no meu trabalho”.
“A arte, não é algo para ser meramente contemplativo, claro, também pode ser, mas em uma sociedade tecnológica onde passamos tanto tempo em frente ao computador, tablets, celulares, sentimos falta da experiência. Quanto mais avançamos a tecnologia, mais nostálgicos nos sentimos, mais a necessidade temos de tocar os objetos, a terra, de abraçar, de amar. Essa é a parte mágica do artista, pois produzimos obras onde ainda há o gesto. A arte é uma extensão de nosso corpo, pode nos salvar, é uma terapia”.
“Esta exposição não quer ser meramente contemplativa, quer romper o objeto elitista para nos sentirmos vivos. Hoje, nesse mundo esquizofrênico, pulverizado, fragmentado, no qual todos nos sentimos inquietos, é muito importante aprender e perguntar como Habitar Juntos, título da exposição”.
Carlos Bunga, nasceu no Porto, mas vive em Barcelona, trabalha em vários formatos, como escultura, pintura, desenho, performance, vídeo e, sobretudo, instalações in situ que intervêm na arquitetura do seu entorno. O artista vem realizando exposições individuais desde 2002. Já participou de várias exposições internacionais, incluindo duas edições da Bienal de São Paulo, 2023 e 2010. Em 2012, expôs no Octógono da Pinacoteca de São Paulo.
Carlos Bunga: Habitar Juntos
Texto crítico de Ivo Mesquita
Até 20 de abril de 2024
Galeria Nara Roesler, São Paulo
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) cynthiagarciabr@gmail.com
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
info@nararoesler.art
Instagram: @galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/
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