Rumo Futuro: o jeito que frequentamos eventos mudou, e comunidades são a resposta

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Eventos que priorizam a formação e a escuta dos grupos que têm como público-alvo, são plataformas para a exploração de futuros desejáveis.

Eram 6h30 de uma sexta-feira abafada em São Paulo. O despertador tocou três horas depois de um longo e turbulento regresso de uma viagem. Algumas horas de sono a mais teriam sido bem-vindas, mas decidi cruzar a cidade para meu compromisso inegociável daquela manhã: um evento.

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Ter priorizado este acontecimento em particular — no caso, era o Creative Mornings, encontro mensal de profissionais criativos — me fez pensar sobre os motivos que fazem as pessoas saírem de casa para ir a encontros, conferências e afins. O episódio também me lembrou que, assim como outras pessoas que conheço, fiquei mais seletiva em relação a quais eventos presenciais escolho ir. Tenho buscado experiências que vão além do mais do mesmo em subsolos de hotel.

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Uma organizadora de conferências com quem trabalhei há mais de uma década, a Laura, trouxe uma reflexão sobre este assunto que fez bastante sentido à época e que continua atual. “Basicamente, as pessoas vão a eventos para comer, se divertir, participar de comunidades e aprender”, ela disse, em uma reunião de planejamento. De fato, o sucesso de um evento tem muitas nuances e expectativas sempre existiram, mas fazíamos algumas concessões. Agora é diferente.

Tudo isso porque algumas coisas mudaram fundamentalmente desde a pandemia. Uma delas é a valorização do que é importante para nós: nossa família, amizades e, sobretudo, nosso tempo. A forma que administramos o nosso bem mais precioso impacta diretamente a decisão de ir a um evento, ou não.

Há, também, uma conversa mais ampla acontecendo sobre temas como esgotamento relacional, termo criado pela fundadora do Instituto Amuta, Marcelle Xavier. Aqui, a pessoa se sente drenada em situações sociais — e vamos lembrar que eventos corporativos, não raro, são espaços de “performance”. Então, se um evento vai subtrair (energia, por exemplo) ao invés de somar, para que colocar na agenda?

Sem contar o aspecto tecnológico dos eventos: alguns encontros herdaram a prática de transmissão ao vivo. A partir daí, é possível transcrever, resumir, criar tarefas acionáveis… Isso quando não são resumidos nas redes sociais, em pílulas do tamanho da nossa atenção. Ou seja: para ir a um evento hoje em dia, precisa valer a pena.

Em meio a tudo isso, a indústria de eventos tem passado muito bem: em um relatório de 2023, a Allied Market Research prevê que o segmento de eventos corporativos deve continuar a crescer de forma expressiva e gerar mais de US$ 510 bilhões até 2030.

Por outro lado, a experiência vai ter que ser diferente e organizadores já sacaram isso. Outro estudo, da empresa de software de gestão de eventos CVENT, diz que metade dos organizadores aceita aumentar orçamentos em até 20% para dar um toque especial aos seus eventos, com experiências como curadoria e atividades paralelas.

Com tantas mudanças comportamentais a considerar, o que vai definir bons eventos no futuro, e o que comunidades têm a ver com isso?

Presencial vs. online

O Creative Mornings é um evento presencial e sem fins lucrativos criado em 2008 em Nova York por Tina Roth-Einsenberg para reunir a comunidade criativa da cidade. O encontro tem foco em discussões que provocam reflexões precedidas por um café da manhã logo cedo, e ocorre em mais de 230 cidades ao redor do mundo.

Divulgação

Caio Matos, organizador do Creative Mornings.

Organizados por Caio Matos com o apoio de um time, os eventos do capítulo de São Paulo — assim como os das outras cidades ao redor do mundo — são realizados voluntariamente e são gratuitos para os participantes. Para fazer o encontro acontecer, organizadores dependem do apoio de empresas, que cedem o café e o espaço, além de serviços como tradução em libras ou brindes.

Após o encontro do mês passado, conversei com Matos e Caetano Tona (que também apoia o Creative Mornings e é um dos principais preparadores de palestrantes do Brasil, além de organizar e atuar em eventos TEDx pelo país todo) sobre as mudanças em eventos que movimentam comunidades, e o que eles acreditam ser o futuro no segmento.

Para Matos, do Creative Mornings, convencer as pessoas a confirmarem presença (e de fato comparecerem) não tem sido fácil e a tecnologia tem culpa no cartório. Após a pandemia, houve um desejo intenso de participação presencial, que foi posteriormente substituído por uma certa relutância em sair de casa devido à conveniência de participar de casa (o evento continuou a ser realizado online durante a crise sanitária).

“Atrair público em um contexto em que o conteúdo online é abundante e acessível é um desafio,” ressalta Matos.

O principal destaque do evento – que combina palestrantes famosos, mas também nomes emergentes abordando temas provocativos que atraem centenas de participantes todos os anos – não é necessariamente a palestra, mas sim a possibilidade de encontros, com uma dose da boa e velha serendipidade.

Muitas destas conexões são orquestradas no evento pelo próprio Matos, que já atuou como gestor de comunidades em empresas como a Natura. O organizador circula o tempo todo entre os participantes e logo junta pessoas diferentes que estão em suas panelinhas, ou sem muito jeito para conversar.

“A meta é que as pessoas sintam vontade de vir, mesmo sem saber o tema ou quem irá palestrar. E que saiam mais alegres, inspiradas e num estado mental diferente do que quando entraram”, pontua.

O futuro é das comunidades

Apesar de tanto o Creative Mornings quanto o TEDx dependerem de voluntários, são diferentes em alguns aspectos: enquanto o primeiro é gratuito e ocorre mensalmente, o segundo vende ingressos e acontece anualmente. Porém, tanto Matos quanto Tona convergem em diversas ideias quanto o assunto é o futuro dos eventos – mais especificamente, o que vai atrair pessoas com uma disposição menor de reservar tempo para encontros.

Divulgação

Caetano Tona, um dos principais preparadores de palestrantes do Brasil.

Segundo os organizadores, eventos devem oferecer “mais do que apenas conteúdo” para atrair participantes presenciais e apostar na cocriação de experiências junto às comunidades.

Outro ponto importante é adaptar temas de alcance geral, como o universo dos games, mas também trazer temas que despertem o interesse de grupos distintos, como monogamia. “Um evento pode se tornar mais nichado quando você dá a oportunidade de as pessoas trazerem as ideias. É aí que você descobre o que elas querem saber, o que querem falar. No meio de tudo isso, podem surgir coisas improváveis”, diz Tona.

A confiança em organizadores de eventos também é um fator crucial para atrair o público e garantir a diversificação. Isso reflete outra tendência mais ampla da era digital, que é a construção de comunidades com base em valores e expectativas compartilhadas.

“[Confiança enquanto organizador] é algo bacana, mas ao mesmo tempo é uma grande responsabilidade, sobretudo em relação a sair do óbvio. No que diz respeito à curadoria, é sobre trazer pessoas que sei que são muito relevantes e que podem furar bolhas, ao invés de chamar quem já falou em milhares de eventos”, pontua Matos.

Outra característica que chama a atenção nos eventos organizados por Matos e Tona é o processo colaborativo: no Creative Mornings, por exemplo, a cada mês um capítulo de uma cidade diferente do mundo escolhe o tema do próximo encontro, e a partir daí, organizadores escolhem um nome. No TEDx, curadores montam um casting de pessoas com ideias que valem ser espalhadas sobre um tema ou questão central.

Em ambos os contextos, organizadores precisam se expor e se adaptar a novos conceitos, e traduzir estas discussões junto às suas comunidades para refletir as realidades locais, e fomentar conversas que podem resultar em cenários diferentes do hoje.

O papo com Matos e Tona, assim como minha experiência em eventos desde a retomada pós-Covid, me fez concluir que a relevância das comunidades para o futuro dos eventos se ancora nas dinâmicas contemporâneas de interação social e profissional. Também reflete uma evolução em como nos reunimos e o que buscamos nestes espaços.

Eventos que priorizam a formação e a escuta dos grupos que têm como público-alvo, são plataformas para a exploração de futuros desejáveis, porque incentivam participantes não só a absorver informações, mas a questionar e reimaginar realidades. Ao promover essas mudanças de mentalidade, encontros baseados em comunidades se tornam catalisadores de inovação, impulsionando não só a evolução pessoal de cada participante, mas também a transformação social.

Em tempos complexos com tantas questões, verdadeiros faróis de perspectiva e esperança podem surgir em eventos cuja tônica é a troca de vivências e pontos de vista que nunca tínhamos considerado até então. E estes sim, são encontros pelos quais vale a pena sair de casa.

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