A minha vida toda foi muito voltada para o esporte. Pratiquei muito quando era jovem, fiz uma pausa pelas circunstâncias da vida (universidade, doutorado etc.) e, já mais tarde, iniciei na corrida, depois na bicicleta e, por fim, na natação (sempre fui um péssimo nadador). Isso, naturalmente me levou ao triatlo e, finalmente, ao Ironman.
Posso dizer que, além da construção de um currículo como profissional da saúde mental (sou psiquiatra especialista em dependência química), edifiquei um currículo como atleta, do qual tenho muito orgulho.
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Hoje, perto de completar 70 anos, sinto que fecho um ciclo, o de esportista. Aquela imagem de um Arthur que treinava de três a quatro horas por dia (natural para quem competia provas ultralongas), que colecionava as tão sonhadas medalhas, que corria atrás de bater seus próprios recordes pessoais e tinha metas rígidas para que fosse selecionado para uma das poucas vagas para disputar um Iron não existe mais.
Eu não deixei de me dedicar ao esporte, lógico. Para mim – e é o que eu defendo para os meus pacientes e para todas as pessoas -, atividade física talvez seja a commodity mais valiosa quando falamos em cuidados com a saúde mental.
Mas, agora, não passo mais horas em cima de uma bicicleta ou no asfalto. Exercito-me, diariamente, uma hora por dia. Ampliei o meu leque de possibilidades em relação à atividade física e passei a contabilizar na minha calculadora de minutos exercitados até a minha caminhada vespertina com o Franc, meu cachorro. Além da minha hora diária na piscina ou na sala de musculação, no fim do dia caminho mais uma hora com o Franc.
Fechar um ciclo não é esquecer ou negar o que vivemos, mas aceitar que nossa energia criativa, intelectual e física pode ser dedicada a outros projetos. Com isso, vieram novas paixões. Meus netos estão no topo da minha nova lista de interesses. Meu cachorro também. E até a minha relação com a comida mudou: de uma pessoa que só se preocupava em ingerir alimentos saudáveis, passei a me aventurar na cozinha.
Encerrar um ciclo é usar as lições que tiramos dele para se reinventar, se recriar, se renovar. Tenho feito isso: abri com uma sócia/parceira de vida uma empresa que cuida da saúde mental das empresas, abri com duas colegas uma clínica que estuda o uso de novas tecnologias na saúde mental, associei-me a uma clínica de reabilitação considerada uma das melhores da capital paulista.
Também entendi que era preciso estar mais com minha família. Atualmente, minha semana termina na 5a-feira. Vou para a minha casa de praia para relaxar e curtir com a minha mulher.
Penso na vida como se ela fosse uma roda-gigante. A gente entra, senta na cadeirinha e ela gira rumo ao alto. É o momento de erigir as nossas carreiras, nossa vida esportiva como atletas (para quem se dedica a isso), entre outras coisas. Chegamos a um ponto máximo, a um ápice e, depois, lentamente, a cadeirinha desce. Isso não significa que ela pare no ponto mais baixo, mas que, ao chegar ali, ela dá início a um novo giro. Eu me encontro nesse segundo ciclo da roda, muito feliz e muito realizado.
Gosto demais dessa metáfora porque ela nos ajuda a entender que os ciclos fazem parte da vida, e não só da minha, mas da de todos.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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