Como a Esalq pariu um quarteto fantástico para o agro

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IMBR/Divulgação

O quarteto: Gustavo Oharomari, Filipe Scigliano, Hernan Angulo e Lucas Koren 

Nas histórias em quadrinho e no cinema, Quarteto Fantástico é uma equipe de super-heróis criada pela Marvel Studios, uma subsidiária da Walt Disney Company que tem um valor de mercado de US$ 206,3 bilhões, cuja primeira sede foi em um celeiro.  Entre Burbank, na Califórnia, onde está a monumental sede da Disney, e Piracicaba (SP), onde está a Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), são quase 10 mil quilômetros de distância.  O que elas têm em comum? A Esalq também é um celeiro de talentos, mas para o agro, e é dela que surgiu um quarteto que corre para ser reconhecido como fantástico.  

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Há três anos, os economistas Filipe Pinto e Lucas Koren, ambos com 28 anos, mais Hernan Angulo, 26 anos, e o engenheiro de produção Gustavo Oharomari, também de 28 anos, todos uspianos, criaram nos corredores da Esalq a startup IMBR Agro, uma plataforma tecnológica de análise e monitoramento de dados.  Hoje, a startup faz parte do ecossistema Agtech Garage — o principal hub brasileiro de agtechs, também em Piracicaba. 

No final de 2023, o quarteto IMBR Agro foi escolhido, conjuntamente, para compor a lista do mais recente Forbes Under30, um projeto global da marca Forbes para mostrar talentos precoces em vários setores, e que no Brasil também destaca o agro.   A plataforma IMBR Agro foi construída a partir do Geoinfo, sistema de curadoria de dados desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). “O valor gerado pela IMBR está em medir os riscos agroclimáticos em áreas agrícolas, para entregar uma maior previsibilidade, tanto em termos de produção quanto financeiros”, explica Koren. Nas culturas da soja, milho verão e safrinha, a startup já coletou e consolidou informações de 116,5 mil polígonos agropecuários no Brasil. 

A partir do processamento de dados, o quarteto oferece análises tipológicas de cada solo e as probabilidades de quebra de safra, além de estimar os valores (valuation) das terras. Atualmente, eles prestam serviços a três clientes: a Brasilseg, seguradora do Banco do Brasil; a Koppert, subsidiária holandesa de insumos biológicos; e à Três Tentos, complexo agroindustrial na área de sementes, fertilizantes e outros insumos. Em entrevista à Forbes Agro, o quarteto conta detalhes dessa trajetória. Confira:  

Podem contar um pouco da trajetória desse quarteto? Hernan Angulo: A IMBR começou na universidade, em 2020. Eu e o Lucas (Lucas Koren) somos colegas de turma e fizemos a iniciação científica juntos. Sempre tivemos interesse em métodos quantitativos, estatística e econometria. Estudando, percebemos que não existiam muitas metodologias para operações financeiras do agro. É diferente, por exemplo, de procurar uma análise de risco para o mercado de ações ou qualquer outro tipo de mercado. 

Começamos escrevendo um projeto que foi aceito em um congresso e houve uma repercussão legal. Certo dia, o Lucas me falou que estava conversando com algumas pessoas e achava que havia potencial mercadológico. E fomos conversar com o setor — professores, produtores, bancários — sobre os diversos tipos de operações vinculadas ao agro. Realmente, havia carência de informações calibradas para ajudar nas operações. Era tudo muito rústico, quase artesanal. Ou nada específico. Às vezes, era muito qualitativo e pouco quantitativo. Então, decidimos empreender. 

Há algum ocorrido marcante neste início? HA: Um grande marco foi quando conseguimos a Brasilseg (seguradora do Banco do Brasil) como cliente, no começo de 2023. Para nós, mostrava que a tecnologia foi realmente validada, criando valor no mercado. Foi muito importante para a IMBR, porque, ‘beleza, dado que temos um cliente desse tamanho, isso quer dizer que conseguimos fazer alguma coisa, atender ao mercado, então bola pra frente’. Desde então, mudamos a forma como nos apresentamos como empresa, o nosso produto e tudo mais. Nos identificando como uma big data para o agronegócio, fomentando a transformação digital baseada em dados.

Quando começaram, qual foi o principal desafio? HA: O financeiro, porque, para empreender, a não ser que você já comece com um cheque muito alto – por já ter feito uma rodada ou algo do tipo –, é preciso ir na coragem e apertar a torneirinha do dinheiro para conseguir ir levando as coisas.

HA: Conciliar o tempo no vermelho – esse período de prejuízo que a empresa dá – , até chegar em resultados, é onde a maior parte das tentativas de empreender acabam não dando sucesso. Às vezes, não por conta da ideia e força de vontade das pessoas, mas pelo financeiro mesmo.

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Qual o principal desafio no trabalho atualmente? Gustavo Oharomari: Superar a desconfiança no sentido de trazer algo inovador e as pessoas entenderem a sua proposta. Às vezes, as empresas não estão adaptadas para trabalhar com isso. No nosso caso, trabalhamos com dados. Hoje, todo mundo fala sobre isso, mas não há ainda, necessariamente, o melhor cenário para trabalhar. É preciso quebrar essa barreira e mostrar que o produto tem valor. É um trabalho de formiguinha no dia-a-dia, conversando, explicando e educando o mercado. 

Filipe Scigliano: Além disso, enquanto muito se fala da transformação digital, big data e dados etc., são poucas as empresas que estão preparadas. Nós não trabalhamos só com dados, vamos dizer assim, brutos. Também temos um processo para agregar valor a esses dados, trazendo modelagens científicas e resultados agronômicos aos clientes. Como empreendedores de primeira viagem que realmente têm a proposta de ajudar empresas a melhorar processos e trazer resultados científicos para o dia-a-dia empresarial, enfrentamos bastante a questão de provar que somos bons.

Onde imaginam que o quarteto estará dentro de cinco anos? Lucas Koren: A IMBR quer se transformar numa referência para a tomada de decisões ligadas ao planejamento e monitoramento agroclimático. Para galgar esse voo, precisamos de um time parrudo e de infraestrutura, afinal de contas são bilhões de dados que precisam ser processados. Esse processo vai exigir parceiros que não só tragam dinheiro, mas também conexões. 

Hoje, temos um investidor-anjo que nos deu um cheque parrudo. Por conta disso, conseguimos montar duas infra estruturas importantes, o IMBR Dash para analistas, consultas de produtividade, entre outras, e o IMBR-10 onde entregamos nosso conhecimento para grandes empresas. Também desenvolvemos um bot que opera via WhatsApp e Telegram. O bot ainda não está em escala fordista, estamos desenvolvendo o MVP (Minimum Viable Product)

FS: Temos muito respeito pelo tempo da empresa. Somos empreendedores de primeira viagem e estamos aprendendo muita coisa. Não queremos colocar a carroça na frente dos bois e fazer captação só para ter dinheiro. Temos objetivos estratégicos e, conforme cumprirmos esses objetivos, eles serão conciliados com a necessidade de capital e parceiros. Não queremos fazer parte da onda de bolhas de venture capital que aconteceu nos últimos anos.

O que é empreender? HA: É resolver problemas de maneira eficiente. O que a gente mais fala é que gostamos de resolver as coisas. Além disso, dar a cara a tapa, porque você está entrando num mercado com a proposta de inovar e sempre haverá contestações. Então, é preciso ter uma resiliência muito grande para seguir seu caminho e eventualmente alterar a trajetória, mas de forma estratégica e bem pensada.

Quais são as três boas atitudes de um jovem empreendedor? GO: O primeiro de tudo é mesmo a resiliência. Mais organização e senso de realidade. O que quero dizer com senso de realidade é entender a diferença entre teoria e prática. Você pode idealizar algo e pensar que é muito bacana, mas precisa ter atitude para buscar a realidade. É preciso entender qual é a demanda do mercado, porque vai ouvir muitas coisas boas e às vezes nem tão boas no caminho. 

Ao mesmo tempo em que se adequa à realidade do mercado, deve continuar a sua trajetória positiva. E para ter sucesso não dá para ser desorganizado. É preciso ter um planejamento com começo, meio e fim, e sempre ir alterando a rota.  No meio empreendedor, uma frase bem comum ‘é trocar o pneu enquanto o carro está em movimento’. 

Que conselhos dariam para alguém decidido a empreender? LK: Temos um único conselho: se você confia na sua ideia e confia no seu potencial, não desista.

Qual livros o quarteto recomenda para todo empreendedor? LK: “A decisão num piscar de olhos”, de Malcolm Gladwell. FS: Vou com Sun Tzu, “A arte da guerra”. GO: Um livro que me intrigou muito foi o “Homem que calculava”, do Malba Tahan. É um pouco fora do mundo do empreendedorismo, mas são pequenas histórias que têm soluções voltadas para a matemática. HA: Gosto muito do “Mindset”, da Carol Dweck, justamente porque fala sobre aprender com os próprios erros e ter resiliência. No final do dia, empreender é muito sobre tentativa e erro, entender o que deu certo e o que deu errado, ter abertura mesmo, e vontade. Esse livro exemplifica como aplicar isso no dia-a-dia e estar aberto para o que ela chama de mindset de crescimento. 

Quem mais admiram como mentor da startup? LK: O nosso grande mentor se chama Durval Dourado Neto (coordenador-geral da Esalq-USP), por duas características. A primeira, por ser brilhante e muito inteligente, com um ímpeto que nunca vi igual, em termos de agronegócio, em trazer a ciência que ele desenvolve dentro da academia para o mercado. Dourado faz isso com maestria. E o segundo motivo é que essa transferência é feita com uma energia incansável. É uma pessoa que está sempre propondo algo de novo. Isso nos deixa cada vez mais motivados e focados no nosso objetivo.

Como gerenciar a saúde mental em um projeto de grupo, como o IMBR? GO: É muito importante ter o apoio de uma rede de amigos, família e acompanhamento psicológico. É claro e muito bom ter um abraço do pai e da mãe. Mas é sempre bacana expor suas ideias e buscar alguém de confiança, que tenha experiência e possa te dizer as duras verdades, que muitas vezes um familiar te poupa, aquilo que dizemos ser ‘uma doce mentira’.

FS: Além do ciclo familiar e amizades, a equipe que você monta para sua jornada é importante. Nós somos quatro — já disseram várias vezes que é muito —, mas sempre funcionou muito bem porque, enquanto um está pra baixo, mais nervoso, ansioso, os outros estão ali. Um calibra o outro, voltando para um patamar mais sossegado. Se confia nas pessoas que estão com você, isso facilita muitas coisas. 

Como observam o mercado agrícola brasileiro? FS: A agricultura brasileira é um benchmarking para o mundo. Tanto em relação às tecnologias fora da porteira, como às tecnologias dentro da porteira, ou seja, empregadas na lavoura para produzir mais em cada vez menos espaço. Isso está 100% ligado à agropecuária brasileira. As fazendas são verdadeiras empresas que lidam com o ambiente de produção a céu aberto e não é fácil conduzir tudo isso. Por conta desse desenvolvimento, o Brasil tem galgado cada vez mais inovação.

E no segmento da startup? FS: As startups atuam em diversas escalas, nos ativos biológicos, financiamento, etc. Há grandes saltos. O mercado de ferramentas para a tomada de decisões baseada em informações é um segmento que, por conta dessa geração de dados e inovação tecnológica, tem acontecido cada vez mais dentro da fazenda. GO: Se antes, na década de 1970 e 1980, o maior avanço foi o maquinário, hoje, além desses avanços, os dados transformados em informações são da maior utilidade para o produtor.

Quais são as pautas que consideram prioritárias para o setor? FS: Não só a transformação digital, mas todas as mudanças promovidas pelo Agro 4.0. Questões de sustentabilidade, produtividade, enfim, tudo que envolve o agronegócio hoje, elas vão culminar num ponto – quanto mais rápido ou mais eficaz for esse trabalho, os resultados serão exponenciais. É a tecnologia para produzir melhor, insumos menos agressivos, recursos naturais, aumento da produtividade e, consequentemente, mais dinheiro e alimentos. É aprimorar caminhos logísticos, utilizar a tecnologia a favor daqueles que cumprem as legislações ambientais e também penalizar quem não está cumprindo. 

Usar imagens de satélite, por exemplo, para ver como estão as APPs (áreas de proteção permanente). É adotar tecnologias para entender melhor o campo. A BrasilSeg, por exemplo, está fazendo um trabalho extenso de aprimorar os mecanismos para chegar a melhores produtos de seguro para o campo. Melhorando as condições de seguro, você ajuda a manter a renda. E aí também entram a conectividade e novos equipamentos. 

GO: Também há uma dificuldade do público para entender a importância do agro. Sem o agro, não há comida na mesa. Já temos uma exposição positiva do agro, mas falta um pouco mais, institucionalmente, as pessoas terem isso em mente. O agro não se resume a um estereótipo ou outro. A promoção do setor é um trabalho importante.

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Que nota dariam hoje para o ESG (ambiental, social e governança) no agronegócio brasileiro? LK: Não é porque a gente trabalha no setor que isso vai enviesar a resposta, mas eu dou nota 10. Porque, sim, existe toda uma temática, principalmente no que diz respeito ao meio ambiente, contra a agropecuária brasileira. Mas, se há criminosos não se pode transformar uma exceção na regra. O produtor rural brasileiro hoje trabalha sob uma legislação pesadíssima com o Código Florestal. 

Em termos de sustentabilidade, avanços de produtividade, novos insumos biológicos e químicos, com todos os seus componentes respeitando a legislação e a sua perfeita utilização, também é 10 em termos de governança. Mesmo pequenos produtores, a gente tem visto se organizarem como grandes empresas. É claro que ainda existe aquele produtor que prefere tomar nota no seu caderninho, mas, poxa, eu trabalho numa startup, que é uma empresa de tecnologia, e não vivo sem o meu caderninho. No conjunto da obra, e não é para puxar a sardinha para o lado do setor, a nota é dez mesmo.

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