Novas ilhas a esqui no deserto: a aposta bilionária da Arábia Saudita no turismo

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Neom

A estação de esqui Trojena, na Arábia Saudita, estará aberta para esquiar três meses por ano. No resto do tempo, oferecerá esportes aquáticos

Independentemente da sua noção preconcebida sobre a Arábia Saudita como destino turístico, o país está prestes a passar por uma grande renovação.

Imagine Sindalah, por exemplo, um complexo 7 estrelas em uma ilha particular com três resorts ultraluxuosos, 38 restaurantes de alto padrão e várias marinas para superiates. Ou Qiddiya, uma cidade futurista com 600 mil habitantes surgindo do chão do deserto, dedicada a esportes eletrônicos e jogos. E que tal Trojena, uma estação de esqui de última geração construída acima do alto deserto? Ou no Mar Vermelho, onde a vasta paisagem aquática logo terá 50 resorts de luxo e 8.000 quartos de hotel espalhados por 22 ilhas em um arquipélago estilo Maldivas – abastecido inteiramente por energia eólica e solar?

Também está em andamento o “The Rig“, um parque temático de aventuras de US$ 5 bilhões construído em uma plataforma de petróleo no mar. Sem contar o fato da Arábia Saudita estar se posicionando como um importante destino de cruzeiros, com a Cruise Saudi tendo recentemente comprado um navio de US$ 300 milhões.

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Em todo o reino, novas estradas, aeroportos, campos de golfe e terminais de cruzeiros estão surgindo da areia. O mapa está literalmente sendo redesenhado em tempo real.

Neom

Sindalah contará com 88 vilas, 333 apartamentos, 51 lojas de varejo de luxo e uma marina de super iates com 86 vagas

E há também todos os novos hotéis, com milhares de quartos recém-construídos. As empresas de hospitalidade mais icônicas do mundo – Ritz-Carlton, Four Seasons, St. Regis, Fairmont, Marriott, Hilton, Hyatt e InterContinental – estão se esforçando para entrar em um pipeline de construção que está girando mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo. Qualquer um desses projetos pode momentaneamente atrair a atenção fugaz da indústria de viagens. Mas juntos, o que está acontecendo na Arábia Saudita simplesmente não pode ser ignorado.

De fato, muitas vezes é difícil visualizar a vastidão da transformação física da Arábia Saudita. Alguns dos projetos mais notáveis em andamento (incluindo Sindalah, a ilha 7 estrelas, e Trojena, a improvável estação de esqui no deserto) estão dentro da NEOM, uma região construída do zero no noroeste do país, onde o reino está criando novas cidades, resorts e outros empreendimentos. Com 26.400 km² e limitada pelo Mar Vermelho ao sul e pelo Golfo de Aqaba a oeste, ela é aproximadamente do tamanho da Albânia.

Financiada principalmente pelo Fundo de Investimento Público de US$ 700 bilhões da Arábia Saudita, a ideia para a NEOM nasceu da Visão 2030, o grande plano do país para se libertar de sua histórica dependência do petróleo e diversificar sua economia. Um dos pilares do esquema envolve reinventar o país como um gigante global do turismo.

Quando foi anunciado pela primeira vez em 2016, os objetivos turísticos do reino pareciam fantasiosos: atrair 100 milhões de visitantes estrangeiros e domésticos ao país a cada ano e aumentar a participação do turismo na economia de cerca de 3% para 10%. Ah, e fazer tudo isso em apenas 14 anos.

Red Sea Global

O projeto Red Sea Global apresenta vários resorts de luxo, incluindo um com bangalôs sobre a água

Essa aspiração parecia ainda mais absurda, dado que, em 2016, a Arábia Saudita ainda não havia aberto suas portas para os turistas de lazer internacionais. Na época, a viagem para o reino era quase inteiramente restrita a três tipos de pessoas: trabalhadores expatriados, aqueles com vistos de negócios e peregrinos religiosos visitando as cidades sagradas de Meca e Medina.

Então, em 2019, a Arábia Saudita anunciou que forneceria e-visas e vistos na chegada para visitantes de 49 países, incluindo o Brasil. Entre outras mudanças anunciadas na época, visitantes do sexo feminino estariam isentos de usar abaya (a tradicional e obrigatória vestimenta que cobre da cabeça aos pés) em lugares públicos, e seriam autorizadas a viajar sem um acompanhante masculino. Os turistas ainda seriam obrigados a se vestir de maneira modesta e Meca permaneceria fora dos limites para não muçulmanos.

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Desde que o país abriu ao mercado internacional de viagens, a velocidade e a abordagem de não poupar despesas em sua transformação surpreenderam até os analistas de turismo mais experientes. “Estamos vendo planos extremamente ambiciosos, enormes quantias de desenvolvimento”, diz Caroline Bremner, chefe de pesquisa de viagens e turismo da Euromonitor International. “Bilhões, eventualmente trilhões, de dólares estão sendo investidos em infraestrutura e na diversificação de sua economia”. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) estimou que o reino já gastou US$ 800 bilhões, e isso não inclui as enormes quantias de investimentos estrangeiros que estão entrando.

A pandemia atrasou alguns projetos, é claro, mas em vez de reduzir as expectativas, os sauditas aumentaram sua meta para 150 milhões de visitantes anuais até 2030. Aqui é onde a semântica entra em jogo. Na terminologia do turismo, um “visitante” é definido como alguém que visita um local dentro do país, o que é muito diferente do que a Euromonitor considera uma “chegada”, alguém que faz uma estadia noturna – outras organizações às vezes chamam estes últimos de “turistas”. A Arábia Saudita teve mais de 24 milhões de chegadas estrangeiras em 2023 e receberá quase 37 milhões em 2030, segundo projeções da Euromonitor.

“Então, se cada um desses 37 milhões de turistas noturnos visitar três locais, você praticamente terá suas 100 milhões de visitas”, diz Bremner. “Em seguida, some a isso os turistas domésticos, e suas próprias metas são bastante alcançáveis”.

Uma medida mais significativa de sucesso é quanto os estrangeiros devem gastar enquanto estiverem na Arábia Saudita. A Euromonitor prevê que os turistas internacionais gastarão US$ 38 bilhões em 2030. Mas o impacto econômico total para o país será muito maior ao adicionar os gastos dos viajantes domésticos e o efeito cascata de um milhão de novos empregos no turismo. O WTTC projeta que, até 2032, o setor de turismo saudita poderia contribuir com quase US$ 169 bilhões para seu PIB, representando 17,1% da sua economia total.

“Eles estão construindo este destino praticamente do zero para o mercado internacional e estão trazendo os melhores dos melhores em termos de qualidade dos profissionais”, diz Bremner. “Posso ver que eles pensaram em cada aspecto do turismo, desde a equipe até o produto, a marca, o serviço, a conectividade, a sustentabilidade. Então, realmente parece que estão construindo algo para o próximo século”.

Four Seasons Resort

O novo Four Seasons faz parte do Red Sea Global e terá 149 quartos e suítes, spa e campo de golfe de 18 buracos

Preparar-se para o futuro também significa reconhecer a mudança sísmica no que as próximas gerações de viajantes globais desejam. Aproximadamente 90% dos jovens viajantes chineses e 70% dos viajantes da Geração Z no Reino Unido, Austrália e Índia dizem que estão procurando descobrir novos destinos, de acordo com dados da Skift Research. Nesse sentido, ser o novato no mundo do turismo é uma enorme vantagem.

“As novas gerações têm muito mais informações por meio das redes sociais”, disse Billy Canellas, chefe de gestão de ativos na NEOM, em uma conferência no Skift Global Forum East em dezembro. “[Os viajantes mais jovens] estão muito bem informados sobre os efeitos do overtourism em destinos tradicionais”, acrescentou, observando “uma clara tendência em direção a destinos ecológicos e sustentáveis” e um desejo de aprender sobre “a cultura e as tradições da diversidade de um destino”.

“O mercado de luxo está se tornando mais diversificado e jovem, e está se movendo para os mercados emergentes”, diz Bremner, observando que os Emirados Árabes Unidos, Índia e China são todos altamente atrativos para esse público. “Temos esse viajante de luxo com cara nova, e não é a tradicional geração mais velha de viajantes com muito dinheiro. É o viajante de luxo do Novo Mundo, altamente digital, muito consciente do meio ambiente, e para quem o impacto social é importante”.

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“Não se engane”, diz Geoff Freeman, presidente e CEO da Associação de Viagens dos EUA, “o que a Arábia Saudita está fazendo é identificar quem são alguns dos viajantes mais importantes – pessoas dispostas a gastar muito dinheiro em experiências – e perguntando: ‘Como vamos atrás deles?’”

Há, é claro, muitas maneiras para a grande visão saudita dar errado. Em primeiro lugar, existem enormes riscos financeiros inerentes em lidar com tantos projetos gigantescos de uma vez, mesmo para um país com bolsos aparentemente sem fundo. “Os sauditas estão com 82% de dívida pública em comparação com a receita do governo”, diz Bremner, observando que a dívida pública oficial como porcentagem do PIB foi de 23,8% em 2023. Ainda assim, é tudo relativo. A relação dívida-PIB do reino é quase o dobro do que era há uma década, mas ainda bastante baixa em comparação com outros países. Por exemplo, a dívida do governo da Suíça é 41% do PIB. A dívida dos governos dos EUA e do Canadá é de 133% e 106% do PIB, respectivamente. A dívida do Reino Unido é 98% do PIB.

A maior preocupação de Bremner é o excesso de capacidade hoteleira, que eventualmente suprimiria os preços. “Essa posição de luxo vai sofrer um pouco de erosão, porque [os sauditas] estão avançando tão rapidamente. Com esse nível de oferta, é bastante difícil equilibrar”, diz ela, acrescentando que o modelo de previsão mais recente da Euromonitor International prevê que os gastos médios dos viajantes já terão caído até 2030. “Muitos quartos de hotel que não estão sendo ocupados vão reduzir os preços, então esse é um risco”.

Além disso, a Arábia Saudita tem um problema persistente de relações públicas entre muitos potenciais viajantes, especialmente aqueles do Ocidente. O reino ainda tem leis rigorosas sobre o consumo de álcool e restrições severas para mulheres, sem mencionar alegações de violações dos direitos humanos e ataques contra jornalistas.

Mas qualquer preocupação com os direitos humanos não impediu empresas multinacionais de investirem na grande visão do reino. “Para alguns players, será uma questão muito importante, talvez uma barreira completa à entrada”, diz Bremner. “No entanto, podemos ver que a maioria das marcas de hotéis de luxo já se transferiu da China e dos Emirados Árabes Unidos para a Arábia Saudita”.

Afinal, o mercado internacional de viagens adora um destino novo e reluzente em um mercado emergente e, neste momento, o Oriente Médio está tendo seu momento. “Você tem a região na localização perfeita”, diz Bremner, “assim como a Turquia: a um voo de cinco horas da Ásia e da Europa Ocidental de distância”.

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Mesmo com o início da Guerra Israel-Hamas em outubro passado, o Oriente Médio foi, mesmo assim, a região de turismo que mais cresceu em 2023, com chegadas internacionais 23% acima dos níveis pré-pandêmicos, de acordo com o Rastreador de Recuperação do Turismo da Organização Mundial do Turismo da ONU. Isso é 35% acima da média global, já que o restante do turismo mundial ainda está, em média, com um déficit de 12 pontos em comparação com o volume de visitantes de 2019.

Embora pouco mais de três milhões de turistas americanos tenham visitado a região em 2023 – representando 12,6% do total de turistas americanos no exterior –, houve um salto maciço de 39% em relação a 2019. E embora a parcela de turistas americanos no Oriente Médio fosse menor do que as da Europa (40%) e Ásia (15,7%) no ano passado, foi a única das três regiões que cresceu desde a pandemia, segundo dados do National Travel & Tourism Office (NTTO), a agência dentro do Departamento de Comércio dos EUA que rastreia estatísticas de turismo.

Mas Freeman não está preocupado com a capacidade da Arábia Saudita de atrair grandes números de turistas americanos. “Estou preocupado com eles tentando atrair europeus, orientais que gastam dinheiro e asiáticos, que poderiam ter vindo e gastado dinheiro nos Estados Unidos”, diz ele.

Afinal, diz Freeman, o turismo internacional é um esporte cada vez mais competitivo onde o ganho de um país é a perda de outro: “O que nos dá uma pausa”, diz ele, “é que outras nações agora percebem que a viagem é uma competição global para descobrir quem pode atrair o cliente”.

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