Ela criou um negócio artesanal e inédito de suínos no Brasil, antes dos 30 anos

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Flávia Brunelli Sclauser, da Del Veneto, criou um negócio a partir de uma ideia durante a faculdade

“O lado difícil das situações”, do escritor californiano Ben Horowitz, é o livro de cabeceira da empresária Flávia Brunelli Sclauser, 29 anos, de São José dos Campos (SP), município do Vale do Paraíba a cerca de 100 quilômetros da capital. “O livro mostra que existe lado duro em todas as decisões”, diz a CEO da Del Veneto, marca de carne suína. Está na cabeceira, porque a obra tem a ver com sua história, a construção de um negócio baseado em carne suína artesanal.

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Flávia montou um projeto verticalizado, da criação familiar ao abate, porcionamento e venda, e se tornou uma referência em produtos artesanais de suínos, carne que por muito tempo não esteve no panteão das nobres proteínas. Foi pelo trabalho sofisticado nessa cadeia de produção – apoiado por chefs como Alex Atala, dono do restaurante D.O.M com suas duas estrelas no prestigiado Guia Michelin, e o chef e proprietário do Cosi, Renato Carioni –, que ela foi escolhida para compor a lista Forbes Under30 2023, na mais recente edição da revista Forbes Brasil que mapeia talentos em várias áreas do conhecimento.

A Forbes Agro conversou com Flávia após o anúncio e publicação do Under30 2023 para saber mais detalhes de sua história e de suas crenças. Confira na entrevista a seguir, o que ela fala sobre os desafios que enfrentou e alguns planos, como a expansão do negócio, hoje centrado em São Paulo, em um país no qual a demanda pela carne suína ainda tem muito a crescer, principalmente como produto nobre:

Forbes: Qual foi o maior desafio no início do seu negócio?
Flávia Brunelli Sclauser: A maior dificuldade foi o fato de eu ser mulher e jovem. As pessoas não davam tanta credibilidade para mim. Mas, mais do que ser mulher, eu sou zero vítima. Acho que a gente tem que trabalhar e fazer o nosso melhor. Eu entrego o meu melhor.

Sobre ser jovem, as pessoas julgavam. ‘Ah, o que essa menina tá falando? O que ela tá fazendo?’ Também teve o desafio de introduzir um produto artesanal. A primeira vez que eu aluguei uma sala de desossa, falaram isso para mim ‘Flávia, isso daí não vai dar certo, demora muito esse corte, é muito artesanal, isso não vai pegar no mercado, o mercado não vai querer comprar isso, não vai querer pagar mais caro por um produto diferenciado’.

F: O que é empreender na sua visão?
FBS: Acredito que empreender é você encontrar alguma oportunidade, alguma dor do mercado, um gap que as pessoas não acreditam, uma oportunidade e investir esforços, se dedicar a estudar, ter muito estudo e entendimento do mercado e aí fundar, começar algo nesse nicho que você encontrou de oportunidade. Juntando uma dor e uma oportunidade com estudos, com analisar tendências de outros lugares, pegar referências e criar algo novo.

F: Quem você mais admira e que tem o papel de seu mentor?
FBS: É meio complicado falar disso. Tem pessoas que eu admiro profissionalmente, empreendedores, mas a minha principal mentoria vem de cima, vem de Deus. Sou muito espiritual. Deus é quem me guia em todas minhas decisões. Ele é quem me dá os direcionamentos, os caminhos.

F: Pode contar um pouco da sua trajetória até aqui?
FBS: Ela começou na faculdade de administração de empresas. Fiz um TCC (tese de conclusão de curso) e tinha que criar um projeto inovador, uma empresa inovadora. Criei um fast food especializado em carne suína. E também ganhei um prêmio para fazer um curso na Disney University, em Orlando. E aí foi uma virada de chave e resolvi empreender. Todo mundo que eu encontrava dizia: “Flávia, você tem de investir nesta ideia, é muito boa”. Eu trabalhava em uma multinacional na época, a Tetra Pak. Tomei coragem, pedi demissão e resolvi empreender. Enxerguei uma oportunidade no mercado de entregas de cortes porcionados. Criei o meu produto em cima disso.

Daí, fui fazer cursos sobre cortes nos Estados Unidos, na Argentina e na Itália. Lá fora trabalhei em açougues, fui aprender, ver como funcionam os açougues especiais dessas regiões. Pedi para os açougueiros me ensinarem os cortes, como eles faziam, tirei fotos, fiz muito benchmark, visitei supermercados, vi o que estava acontecendo, e foi o que eu trouxe para o Brasil. Fui pioneira em cortes especiais de carne suína, como o T-bone, prime rib, ancho, que ainda não tinham no Brasil, que a gente ainda não via no suíno. Isso há seis anos.

Depois de fundar a empresa, ainda estava muito inconformada de só comer leitão no final do ano, em dezembro. Por que a gente só come leitão no final do ano? Por que esperar o ano inteiro para comer leitão? Por que, para comer um leitão inteiro, tem que reunir 15, 20 pessoas? Minha família tem criação de suínos e foi esta a virada: ‘por que a gente não faz cortes para as pessoas comerem leitão o ano inteiro?’. Então, fui aprender a desossar cordeiro, animal de um tamanho similar ao do leitão. Os primeiros cortes de leitão surgiram comigo e hoje já têm outras marcas que fazem isso.

Stinco, servido no Restaurante Cosi, do chef e proprietário Renato Carioni

F: Qual o seu principal desafio no trabalho atualmente?
FBS: É encontrar mão-de-obra, pessoas para me ajudar a padronizar e a manter o padrão, principalmente. Logística também é desafio para expandir o negócio. A logística refrigerada é complicada, não é uma coisa simples.

F: Quais conselhos daria para alguém decidido a seguir seus passos?
FBS: Três pontos, para mim, são fundamentais e que eu dou de conselho. Trabalho duro – não existe empreender e falar que vai ser fácil a jornada, não vai ser. Você vai ter de dedicar muitas horas, muito mais do que o normal. As pessoas vão falar que você é louca, que trabalha demais, mas é uma dedicação fora do comum, a cabeça não desliga, principalmente no começo.

O outro é fazer benchmark, estudar tudo o que acontece no mercado e ter grupos de networking. Grupos de troca são fundamentais para a gente não desistir, porque a jornada do empreendedor é muito solitária. Faço parte de dois grupos de empresários, o do G4 e do MBM (escolas de educação empresarial). Empresários de outros segmentos me ajudam a ter insights diferentes que eu nunca teria se eu só conversasse com gente do meu segmento. E o terceiro pilar é ter algum lugar para descarregar e recarregar a “bateria”. No meu caso, essa é a parte espiritual. Cada um tem que encontrar uma forma de recarregar a sua “bateria”, seja ela qual for.

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F: Que livro recomendaria para todo empreendedor?
FBS: O lado difícil das situações difíceis. É um livro que mostra grandes desafios, mostra que a vida não é colorida como se vê em muitos livros motivacionais de empreendedores. Existe o lado duro em todas as decisões.

F: Como observa a evolução do mercado agrícola do país e da suinocultura, em particular?
FBS: O Brasil tem crescido muito e é referência mundial. Já tem um animal de excelente qualidade e uma produção de altíssimo nível. O que falta é conhecimento e mais informação ao consumidor. Falta o público saber que a carne suína evoluiu.

Sim, aumentou o consumo de carne suína nos últimos anos, subindo de 15 para 20 quilos (per capita) nos últimos cinco anos. É um aumento bem drástico, mas comparado com o resto do mundo, que consome de 40 a 60 quilos per capita por ano, é muita diferença. O brasileiro ainda tem preconceitos sobre a carne suína, mas ela é uma carne de excelente qualidade e não deve nada ao exterior.

Prato de Carré leitão, servido no Amicci Anchieta, no Vale do Paraíba

F: Qual nota daria para o quesito ESG no agro brasileiro hoje, considerando os três tópicos juntos (ambiental, social e governança)?
FBS: É complicado responder. Mas diria nota 7. Porque há muita coisa importante que tem sido feita para a evolução na área do meio ambiente, que é necessária, fundamental. O Brasil tem tomado medidas que fazem sentido para o mundo.

F: Quais são os seus planos de investimento na empresa?
FBS: A gente está em um momento de captar investimentos. Sou a única dona, não tenho sócios e tenho recebido algumas propostas de investidores. Estou analisando e estudando propostas para a expansão. Vamos receber uma certificação nos próximos meses para vender a carne em todo o Brasil. Então, este é um caminho de crescimento.

F: Para onde caminha este plano de expansão?
FBS: O plano é ir para outros estados. Hoje, atendemos o estado de São Paulo, mas tem demanda de Minas e do Rio de Janeiro. Há estados bem carentes de cortes especiais e que têm me procurado. Com a certificação, que é o SISB (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal), poderemos entrar em outros mercados e expandir o negócio em nível logístico e comercial.

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F: Onde você imagina que estará o negócio daqui a cinco anos?
FBS: Imagino a gente sendo referência, levando a carne suína para um novo patamar no Brasil, expandindo o negócio para todo o Brasil, valorizando o produto e atingindo os principais estados e mercados consumidores com o melhor do corte suíno. Isso, sem perder a sua essência artesanal, mantendo os produtos naturais, mas crescendo.

F: Como você gerencia sua saúde mental e lida com o estresse no trabalho?
FBS: O principal é a atividade física, que para mim, é fundamental. E também ter uma alimentação saudável. Estou com um projeto agora, para este ano, de cursos online de receitas de carne suína saudável. Eu me alimento de carne suína, que é magra e com bastante proteína, além de vegetais. É uma alimentação low carb. Isso é minha chave para o equilíbrio mental, para diminuir a ansiedade e me reenergizar.

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