Silenciosamente, está em curso uma revolução biotecnológica que carrega a promessa de uma mudança tão abrangente como a revolução industrial. Mas, desta vez, ela não está sendo liderada por máquinas e sim pelos mais ínfimos blocos de construção da vida – as células. Os avanços na ciência do cultivo de células impulsionaram a história para uma nova era de possibilidades, na qual a produção e o consumo em massa de células cultivadas não só são possíveis como também economicamente competitivos.
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Há 10 anos, o primeiro hambúrguer de carne cultivada em laboratório do mundo demonstrou o potencial do cultivo de células como fonte alternativa de alimento, mas os desafios no custo de produção, engenharia e biologia impediram a sua viabilidade como alternativa à carne proveniente diretamente da criação de animais. Avançando uma década, a tecnologia chegou ao ponto de a carne cultivada, por meio do cultivo de células, estar pronta para chegar às prateleiras dos supermercados.
Na vanguarda dessa revolução está a Pluri, uma empresa de biotecnologia sediada em Israel, cuja tecnologia inovadora está remodelando o futuro da produção de carne. Em 2022, a Pluri estabeleceu uma joint venture com a Tnuva, o maior produtor de alimentos de Israel, a Ever After Foods, para utilizar sua tecnologia destinada a tornar uma realidade a carne cultivada em células.
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O CEO da Pluri, Yaky Yanay, afirma que sua tecnologia posiciona a empresa como uma das facilitadoras mais significativas do setor, “em comparação com a segunda melhor tecnologia disponível, oferecemos uma redução de 90% nos custos e um aumento de 700% na eficiência. Com nossa escala e tecnologia atuais, Ever After pode produzir mais de 10 quilos de massa de carne cultivada usando apenas um biorreator de produção de 35 litros, abrindo caminho para escalabilidade e paridade de preços.”
A estimativa é de que a indústria de carne cultivada atinja um valor da ordem de US$ 25 bilhões (R$ 123 bilhões na cotação atual) até 2030, diz o CEO do Good Food Institute, Nir Goldstein, mas os desafios em torno da expansão das operações, acessibilidade e aprovação regulatória têm sido obstáculos à comercialização.
“De acordo com a McKinsey, as empresas de carne cultivada precisam de acesso a mais de 17 vezes a capacidade de fermentação que existe atualmente na indústria farmacêutica global para atender às demandas de alto crescimento da indústria de carne cultivada”, afirma Goldstein. “Além do aumento de escala, outro fator que contribui para o alto custo da carne cultivada é o custo dos meios de cultura celular, ou seja, os nutrientes dos quais as células se alimentam, e que representam cerca de 90% dos custos atuais.”
A Pluri superou essas barreiras aproveitando 20 anos de experiência em expansão celular – aprendendo a integrar a sabedoria da natureza na biotecnologia para ultrapassar os limites da inovação. “Em vez de tentar reinventar a roda, observamos cuidadosamente como a natureza age e replicamos em nossos processos. Embora muitas tecnologias dependam de grandes tanques em suspensão para a produção de células, a abordagem da Pluri reflete o ambiente do tecido com a estrutura celular”, explica Yanay, o CEO da Pluri.
“Entendemos que as células, além daquelas da corrente sanguínea, prosperam em um ambiente semelhante a um tecido com interação tridimensional”, diz ele. “Temos mais de 140 patentes concedidas para o conceito de expansão celular. Nosso sistema é escalonável e comprovado, e temos instalações completas de fabricação que nos permitem chegar ao mercado em pouco tempo.”
As implicações da carne cultivada transitam sobre aspectos cruciais na capacidade de o mundo sustentar uma população grande e crescente. O consumo anual de carne é de 360 milhões de toneladas, globalmente. A pecuária tradicional consome cerca de 1/3 das terras habitáveis e dos recursos de água doce do planeta (embora essa água não saia do sistema produtivo. Mas há impactos ambientais e nos dias atuais há um imenso esforço de grandes produtores, como o Brasil, em busca de intensificação da produção e de um manejo mais sustentável).
O fato é que em um ambiente de insegurança alimentar, a demanda por proteína animal supera a oferta e é nesse viés que o mercado de carne cultivada pretende atuar. Para satisfazer a procura, impulsionada pelo crescimento populacional, o mundo terá de produzir 60% mais alimentos até 2050, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura).
Investimentos e regulação para a carne cultivada
Para criar este ambiente de inovação, o Banco Mundial propôs uma abordagem em três vertentes, para uma nova agropecuária inteligente em termos climáticos centrada no aumento da produtividade, maior resiliência e redução de emissões.
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O avanço tecnológico pode contribuir para mudanças na produção de alimentos, e a carne cultivada está entre as principais inovações, com seus adeptos fazendo sua defesa como um agente transformador da pegada alimentar nos próximos anos. A Pluri, por meio de sua subsidiária Ever After Foods, afirma estar pronta para esse novo mercado da produção alimentar.
Para o consumidor urbano, ela soa como um apelo quase irresistível para um produto que promete menos uso de terra e de água em seus processos. Outro apelo para o consumo de carne cultivada, no caso do mercado dos EUA, é que a Pluri não utiliza hormônios e nem antibióticos como agentes de produção (lembrando que no Brasil, que é o segundo maior produtor e maior exportador de carne bovina do mundo, o uso de hormônios nunca foi permitido).
“Do lado regulatório, a aprovação para venda foi concedida a produtos nos EUA e em Cingapura, e o governo israelense está muito próximo de ser o terceiro”, explica Goldstein. “As empresas estão trabalhando para aumentar sua produção, com grandes instalações anunciadas por empresas como Upside Foods, Good Meat e Believer Meats. Parcerias estratégicas com empresas líderes de alimentos, como Nestlé, BRF e Mitsubishi, também contribuem para ampliar a produção, desenvolvendo produtos finais para distribuição.”
Mas o mundo está preparado para esse nicho de mercado? “Um estudo realizado na China mostra que 90% de sua população está aberta ao consumo de carne cultivada, sinalizando uma potencial transformação. Embora os números possam não ser tão elevados noutros locais, a mudança é evidente e devemos nos preparar para ela”, afirma Yanay. “Até 2030, prevemos uma taxa de conversão anual de 10% neste mercado de U$ 1,4 bilhão (R$ 7 bilhões). Esta transição representa uma oportunidade significativa.”
“Estamos fazendo parceria com empresas que sabem como abordar o mercado e como alcançar os clientes”, diz Yanay. “Vai ser um processo. Em primeiro lugar, precisamos garantir que o produto seja saboroso, pelo menos tão bom quanto às opções tradicionais e saudáveis. Estamos empenhados em utilizar bons ingredientes, em contraste com alguns produtos que podem parecer ‘vegetarianos’ ou ‘veganos’, mas que revelam uma história diferente quando se lê o rótulo.” E acrescenta: “Essa será a maior revolução, na minha opinião, na próxima década”, diz Yanay. “Vamos transformar células em soluções e isso é algo que me mantém muito otimista.”
* Marianne Lehnis é jornalista e colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre inovação, empreendedorismo e meio ambiente. Atualmente é líder da plataforma de networking Green Techpreneur.
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