Ao lado de muitos anos dedicados à advocacia, Elizabeth Frawley Bagley, nascida na pequena cidade de Elmira, no estado de Nova York, construiu uma carreira diplomática de grande relevância. Trabalhou no Departamento de Estado como representante do Congresso para os Tratados do Canal do Panamá; foi assistente especial para os Acordos de Camp David; representante do Congresso para a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (Acordos de Helsinque) em Madri; assessora sênior dos secretários de Estado John Kerry, Hillary Clinton e Madeleine Albright; representante especial na Assembleia Geral das Nações Unidas; e embaixadora dos EUA em Portugal. No início de 2022, foi indicada pelo presidente norte-americano Joe Biden para assumir o cargo no Brasil, fato consumado em janeiro de 2023. Durante essa trajetória, ela recebeu vários prêmios e honrarias.
Elizabeth me recebeu em sua casa, em agosto, em um jantar que contou com a presença de Gilberto Gil, dos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin, do presidente do TCU, Bruno Dantas, e da primeira-dama Janja, entre outros convidados ilustres. Foi o primeiro evento social que a embaixadora realizou em sua casa, em Brasília, no qual homenageou a cultura brasileira – tanto na figura de Gil, representando todos os nossos ritmos (incluindo a bossa nova de Tom Jobim, que ela “ama” e que inspirou o título desta reportagem), quanto no cardápio, composto por pratos típicos de várias regiões do país.
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No dia seguinte, na sede da embaixada americana na capital federal, ela me concedeu a entrevista (tão saborosa quanto o jantar) que você lê a seguir.
Forbes – Apesar do tempo relativamente curto desde sua posse, você já teve a oportunidade de mergulhar na cultura do nosso país. Que aspectos da cultura brasileira mais ressoaram em você até agora?
Elizabeth Bagley – A música é provavelmente o que mais me cativou. Comecei a amar a música brasileira quando tinha amigos brasileiros em Portugal, onde fui embaixadora de 1994 a 1997. Os portugueses têm o fado, mas os brasileiros têm a bossa nova, o samba e outros ritmos. Ouvi muito Tom Jobim, Gilberto Gil, Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque… Ontem [dia 31 de agosto], recebemos Gilberto Gil para um jantar em minha casa. Vou ao show dele, estou muito animada. Tive a honra de conhecê-lo no Carnaval de Salvador, com seu Camarote 2222. Ele recebeu a mim e meus amigos que vieram dos Estados Unidos. Foi minha iniciação no Carnaval, uma experiência incrível. Participei do Olodum e do Carnaval no Rio também. Chamam essa imersão de batismo de fogo. Foi um batismo maravilhoso.
Você já mencionou o impacto da música e do Carnaval de Salvador e do Rio sobre você. Mas, no jantar de que tive a honra de participar em sua casa, percebi que outros aspectos de nossa cultura, como a culinária, também chamaram a sua atenção.
Quando estive em Salvador, fui a um lugar (não me lembro o nome, era fora da cidade) e provei uma moqueca incrível. Sem falar do pão de queijo, que como todos os dias, e o cuscuz – no jantar, pedi para meu chef prepará-lo, porque a Flora [Gil, empresária, diretora e esposa de Gilberto Gil] me disse que esse era o prato preferido dele.
Agora você atua como ponte entre os EUA e o Brasil. Já se envolveu em alguma iniciativa entre os dois países?
Meu mandato tem apenas seis meses, mas já temos várias iniciativas. Uma delas é o Japer, um plano de ação conjunta para eliminar o racismo e a discriminação e promover a equidade racial. No plano cultural, certamente a noite passada diz muito sobre o que me importa. Temos muitos eventos culturais chegando, inclusive para celebrar o bicentenário das relações Brasil-EUA. Vamos trazer Lonnie Bunch – ele foi o responsável por projetar e arrecadar todo o dinheiro para a criação do fabuloso Museu da História e Cultura Afro-Americana no National Mall [em Washington, DC] e agora é presidente de todo o [complexo de museus e instituição educacional] Smithsonian. Eles têm um projeto sobre a escravidão em parceria com o Brasil, a inauguração deve ocorrer no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (que foi restaurado com a nossa ajuda). É algo em que Joe [Biden] está muito interessado e com o qual Anielle Franco [ministra da Igualdade Racial] está bastante envolvida. Também já entrei em contato com Herbie Hancock: esse grande músico me disse que seu melhor amigo é Milton Nascimento, então espero que eles possam fazer algo juntos. Hancock mantém um instituto [Herbie Hancock Institute of Jazz] onde trabalha com alunos afro-americanos, e eles virão para cá.
De fato, são muitos projetos mesmo…
Sim, queremos fazer tudo isso e muito mais. Queremos fazer diplomacia esportiva, como trazer a equipe de futebol feminino dos EUA para trabalhar com as equipes de futebol do Brasil. Temos muitas ideias com a Disney, que é muito popular aqui. Liguei para o chefe da Disney, que é meu amigo, e eles estão muito animados em fazer coisas incríveis – como “ressuscitar” o Zé Carioca. No começo da Segunda Guerra Mundial, o presidente Franklin Delano Roosevelt iniciou uma política de boa vizinhança porque estava preocupado com as informações de que o Brasil e outros países da América Latina estariam se alinhando com Mussolini e Hitler. Então, para promover os Estados Unidos por aqui, ele pediu a vários escritores criativos que viessem ao Rio pensar em um personagem que pudesse levar o Brasil para o âmbito americano, e vice-versa. Foi assim que nasceu o Zé Carioca, criado em 1941 por Walt Disney: um papagaio com chapéu de palha na cabeça, um guarda-chuva em uma mão e um charuto na outra. Agora temos que torná-lo mais atual. Conversei com o secretário de Cultura do Rio [Marcelo Calero] e disse que o personagem é estereotipado: um cara da favela que bebe cachaça, fuma, não trabalha e canta o tempo todo, tentando convencer o Pato Donald a viver a “boa vida”. Argumentei que precisamos torná-lo mais politicamente correto, esquecer o charuto e talvez torná-lo secretário de Cultura ou até mesmo prefeito do Rio. É possível que façamos uma série de shows e filmes da Disney.
Você acredita que este é o melhor momento para fortalecer a relação entre os dois países?
Sim, este é nosso momento. Quando Lula diz que o Brasil está de volta e Biden diz que a América está de volta, isso significa que o seu presidente quer retomar a liderança regional e global do Brasil, assim como Biden fez com a Otan e com a união dos países do mundo. Acredito que eles estão cientes da importância das relações multilaterais e bilaterais, e isso se reflete em seus valores compartilhados sobre direitos humanos, Estado de Direito, democracia e direitos dos trabalhadores. Quando Lula estava na Casa Branca e eu estava na sala do gabinete, a primeira coisa que ele disse a Biden foi: “Acabei de me encontrar com o líder da sua AFL-CIO [Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais], um dos seus principais sindicatos, e eles me disseram que você foi o principal defensor de tudo o que fizeram, melhor do que qualquer outro presidente. Isso significa o mundo para mim”. Nesse momento, sabíamos que poderíamos uni-los. Eles podem ter pontos de vista diferentes sobre a Ucrânia e outras questões, mas o cerne é que eles se importam profundamente com seu povo.
Como você visualiza o futuro das relações entre EUA e Brasil em termos de parcerias econômicas e acordos comerciais?
Estamos revitalizando e relançando o fórum CEO EUA-Brasil, que começou na administração do Lula e foi interrompido durante o governo Bolsonaro. Já foram selecionados 12 CEOs dos EUA e 12 do lado brasileiro. O vice-presidente Alckmin é o copresidente junto com Gina Raimondo, nossa secretária de Comércio e também uma grande amiga. Ela me escreveu dizendo que vem ao Brasil em meados de dezembro. Será uma maravilhosa maneira de promover negócios. Temos um investimento direto estrangeiro que está próximo de R$ 1 trilhão, perto de US$ 200 bilhões, gerando mais de 550 mil empregos. Em uma reunião em São Paulo com alguns CEOs, perguntei a cada um quantos empregos eles geraram aqui. Um disse 20 mil, outro disse 8 mil, a GE disse que está aqui há 102 anos… Existem empregos por toda parte gerados pelos EUA. Nosso investimento no ano passado no Brasil foi 28% maior que no ano anterior, enquanto o da China foi 78% menor. Eles não geram empregos, nós geramos. Vamos tentar expandir esses números.
Qual é o potencial de cooperação bilateral entre o setor privado e as iniciativas governamentais em campos como tecnologia e infraestrutura?
Isso faz parte do fórum CEO. Recebemos a visita do chefe da Nasa, Bill Nelson, que se encontrou com Lula por uma hora e meia. Temos programas de satélite que serão usados na Amazônia e em outros biomas. A ministra [da Ciência, Tecnologia e Inovação] Luciana Santos nos acompanhou na visita à Embraer. Vamos trabalhar mais com eles. Bill Nelson ficou animado sobre o que podemos fazer juntos. Estamos reenergizando uma comissão bilateral entre o seu Ministério da Ciência e nossa National Science Foundation, que é incrível. Estamos discutindo o que podemos fazer juntos.
Uma última mensagem…
Sinto que estou no lugar certo no momento certo. Eu sabia o que estava assumindo: queria algo que fosse importante, que fizesse diferença, que fosse significativo e que crescesse. O Brasil tem tantos recursos naturais e tantas pessoas interessadas em trabalhar conosco… Precisamos aproveitar essa janela, e acho que estamos fazendo isso. A Iniciativa Global [parceria inédita entre EUA e Brasil para “estimular empregos de qualidade e proteger trabalhadores que atuam nas plataformas digitais”, lançada em 20 de setembro de 2023] é emblemática. Eu imagino aonde podemos chegar com nosso relacionamento. Já estamos fazendo muitas coisas, mas, sem dúvida, faremos muito mais.
Entrevista publicada na edição 112 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.
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