Primeiro economista a ser escolhido para a presidência da Argentina, o candidato oposicionista Javier Milei foi eleito no domingo (19) com 11,5 pontos percentuais de vantagem em relação ao governista Sergio Massa, ministro da Economia do atual presidente, Alberto Fernández.
O candidato foi eleito na onda da insatisfação dos argentinos com a situação atual. O país enfrenta uma inflação de 143% nos 12 meses até outubro, segundo dados oficiais – que não estão isentos de desconfiança pelos economistas. Segundo o Banco Mundial, o desemprego está em 6,5%. E as estimativas são de que a prolongada crise econômica deixou 18 milhões de argentinos, cerca de 40% da população, vivendo abaixo da linha de pobreza.
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Milei ganhou o cargo prometendo ruidosamente mudanças. “Hoje começa a reconstrução da Argentina”, disse ele em seu discurso de vitória no domingo à noite. Economista libertário que surgiu na política argentina há dois anos criticando seus colegas – “a casta”, como se refere a eles – o eleito propôs mudanças radicais que vão desde a dolarização da economia e o fechamento do Banco Central até a redução drástica do tamanho do Estado, reduzindo o número de ministérios de 18 para oito.
Impacto no Brasil
Em agosto deste ano, ele disse em entrevista que acredita ser necessário “eliminar” o Mercosul. “É uma união aduaneira defeituosa que prejudica os argentinos de bem. É um comércio administrado por estados para favorecer empresários”, afirmou. Também criticou a China, que vem realizando investimentos pesados na Argentina nos últimos anos, prometendo um alinhamento automático com Israel e Estados Unidos.
Essas propostas podem afetar o Brasil. As duas economias são profundamente conectadas. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do País, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Em 2022, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Brasil exportou US$ 15,3 bilhões (4,5% das exportações brasileiras) e importou US$ 13,09 bilhões, com um superávit de US$ 2,21 bilhões.
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Como o governo só deverá começar no dia 10 de dezembro, ainda não é possível saber quanto do discurso de campanha dará lugar à prática. A dolarização, por exemplo levanta dúvidas. “Ela não é viável no curto prazo. A Argentina não tem dólares para dolarizar e não tem acesso ao mercado financeiro para obtê-los. Essa proposta só causaria a injeção de mais títulos argentinos nas mãos do setor privado internacional, direta ou indiretamente, reduzindo assim ainda mais seu valor”, diz Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). “E a dolarização não resolverá o desequilíbrio fiscal, que levou a Argentina a deixar de pagar sua dívida nove vezes, três delas nas duas últimas décadas.”
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A conclusão dos especialistas é que, dependendo da maneira como forem aplicadas, as propostas de Milei podem causar um choque de curto prazo na demanda, desarticulando a corrente de comércio entre Brasil e Argentina. Segundo Étore Sanchez, analista da Ativa Investimentos, “não podemos esquecer que na economia soluções muito imediatistas geralmente cobram preço no futuro. As iniciativas do moderado Macri foram contidas pelo congresso, fadando o governo ao fracasso e trazendo Cristina Kirchner de volta a casa rosada, ainda que como vice”.
Cansaço com a política
A vitória de Milei é uma aposta arriscada dos argentinos, exaustos da política tradicional. O país vem se arrastando de crise em crise desde o início do milênio. O pior momento ocorreu em dezembro de 2001, quando a Argentina teve cinco presidentes em apenas 11 dias. Naquele momento, o governo promoveu um calote, o “corralito”, que atingiu até os empréstimos dos bancos.
Isso abriu as portas para o falecido Néstor Kirchner (1950-2010), da ala mais populista do peronismo, chegar ao poder. Ele foi sucedido por sua esposa Cristina, que em 2015 foi sucedida pelo liberal Maurício Macri, que governou de 2015 a 2019. Ele obteve um pacote de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 58 bilhões em 2018. No entanto, o dinheiro não resolveu o problema.
Macri foi sucedido por outro peronista, Alberto Fernández, com Cristina Kirchner como vice. Fernández manteve a escrita: não pagou a dívida com o FMI, que foi renegociada em 2022.
Apesar das mudanças partidárias, a política argentina é uma constante. Qualquer tentativa de austeridade por parte do governo é sistematicamente derrubada pelo Congresso, dominado pelos partidos de origem peronista. O custo para a sociedade é elevado. A economia não cresce, o empobrecimento da população aumenta e os serviços públicos se deterioram.
Anarcocapitalismo
Formado em economia, Milei sempre se alinhou com as propostas de economia de mercado. No entanto, sua plataforma política é anarcocapitalista, uma corrente de pensamento econômico que busca minimizar o papel do Estado na economia, ou, como ele mesmo diz, criar um “não-Estado”.
Sua vinculação a essas teorias é relativamente recente. Nos primeiros anos de sua carreira como estudante de economia e também durante seus mestrados, ele se considerava um liberal clássico e era um economista matemático. Foi somente em 2014 que Milei aderiu ao libertarianismo, corrente mais radical da Escola Austríaca, fundada por Friedrich Hayek (1899-1992).
O autor que mais o influenciou não foi Hayek, mas o libertário americano Murray Rothbard (1926-1995), que deu um tratamento econômico a ideias anarquistas, como a liberalização de drogas e de armas e a criação de moedas pelos próprios agentes econômicos. Nesse cenário em que cada um emitiria sua própria moeda e haveria um “mercado” para intercâmbio, não há necessidade de um Banco Central.
Milei quer promover uma “competição” entre moedas, extinguindo o peso e dolarizando a economia, como Carlos Menem fez em 1991, com a ajuda do ministro Domingo Cavallo. Outra proposta é descentralizar o sistema educacional, dando vouchers aos pais para que possam escolher para que escola enviar os seus filhos.
Base política frágil
Os analistas políticos argentinos avaliam que as propostas de Milei podem enfrentar uma resistência muito grande, tanto dos políticos quanto da população. O setor público argentino é grande. Responde por cerca de 18% dos empregos. Além disso, o peronismo ainda tem um forte apoio de sindicatos e lideranças estudantis, que costumam organizar protestos maciços.
A vida parlamentar do presidente eleito também não promete ser fácil. Sua coligação partidária, A Liberdade Avança, fundada há apenas dois anos, terá 38 deputados, ou 14,7% de numa câmara de 257 membros e oito senadores, 11,1% de um total de 72.
Mesmo que seja hábil em costurar alianças com os políticos a quem dirigiu centenas de palavrões durante a campanha, será difícil conseguir uma maioria no Congresso para fazer as reformas avançarem. “Milei tem uma fragilidade estrutural para conseguir avançar sua agenda no Poder Legislativo. E em um país federativo como a Argentina, onde os governadores têm um peso extraordinário, ele não tem um único governador de seu partido”, disse o cientista político argentino Sergio Berensztein em uma entrevista à BBC em espanhol.
Milei sugeriu na campanha que convocaria plebiscitos se o Congresso não quisesse aprovar reformas consideradas fundamentais. No entanto, a Constituição argentina prevê que as essas consultas populares têm de ser aprovadas pelo Congresso. E ele pode ser vítima de seus próprios planos. “Pode ser do interesse do peronismo ou da eventual oposição a Milei que ele realize o saneamento das contas e pague o custo político de fazer isso”, diz Berensztein.
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