É impressionante como eu ouço pessoas dizendo que só trabalham porque os “boletos não param de chegar”. Parece haver aí uma relação infeliz com o trabalho, como se a única motivação para elas se levantarem da cama todos os dias fosse o salário no fim do mês.
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É claro que a remuneração é importantíssima, mas me pergunto o que falta a essas pessoas ou o que elas buscam em um trabalho. Será que trabalho e felicidade são inconciliáveis?
Sou médico da triatleta Fernanda Keller. Ela é um dos grandes exemplos do que, para mim, significa o binômio trabalho-felicidade. Você, leitor, provavelmente irá dizer que o que a Fernanda faz não é trabalho, mas é. Ela tem compromissos diários que deve cumprir, mesmo tendo acordado de mal com a vida, é cobrada pelo treinador dela e pelo médico dela (eu), frustra-se muito, por vezes tem prejuízos financeiros (por exemplo, quando perde um apoiador), tem de lidar com o fato de que já não tem mais a mesma energia de quando iniciou essa carreira, enfim, situações que todos nós enfrentamos no dia a dia em nossos trabalhos.
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Apesar dos percalços, das decepções, da vontade de ter conquistado mais do que conquistou, da dor (emocional e física, porque esporte de alto rendimento, como é o que ela pratica, machuca), do sofrimento, ela encontra contentamento e satisfação no que faz.
Creio que essas duas palavras resumem um pouco a minha ideia de felicidade e que está na base de cada um dos capítulos do meu livro Você Aguenta ser Feliz? É claro que tomar o trabalho apenas como o cumprimento de metas ou apenas como o provedor do pagamento dos boletos é um fardo muito difícil de carregar.
Por outro lado, também é um fardo pesado olhar o trabalho como se ele fosse capaz de nos preencher, de preencher todas as nossas expectativas e sonhos. Não é realista pensar que podemos alcançar felicidade todos os dias.
Felicidade é fazer escolhas que tenham significado para nós, é encarar o percurso – que, no caso do trabalho, vai incluir aborrecimento, raiva, insatisfação – sabendo extrair dele lições capazes de nos transformar em melhores profissionais e pessoas.
Felicidade também é aprender a aproveitar o agora, sem o risco de deixarmos escapar oportunidades como um momento de descontração no cafezinho da empresa, a intimidade que se estabelece com alguns colegas, que se transformam em amigos, um happy hour gostoso com o time da empresa, o desafio de o líder ter pedido a você para tocar um projeto. Ser feliz também é todas essas coisas.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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