Karen Wickre entrou no recém-fundado Google em 2004, quando a big tech ainda era chamada de startup. Foi uma das primeiras executivas da empresa, onde trabalhou por quase uma década na equipe de comunicação. Mas só conseguiu esse emprego, que mudou os rumos da sua carreira, por meio de uma conexão com uma ex-colega de trabalho que a indicou. “Meu estilo de networking é orgânico”, explica. A ideia é construir e manter relações genuínas e amigáveis quando você “não precisa de nada”, e, assim, aproveitar esses contatos quando necessário.
Para Wickre, muita gente tem uma visão torta do assunto. Ela teve certeza disso depois de conversar com colegas que fez nos seus mais de 30 anos de carreira no Vale do Silício.
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E decidiu escrever um manual com as melhores práticas para construir e manter uma rede de contatos poderosa. Algo que foi natural para ela, que se considera uma introvertida curiosa. “Nós, introvertidos, temos uma qualidade que nos torna networkers muito eficazes.”
No livro “Taking the Work Out of Networking”, publicado no Brasil como “Networking para quem não quer fazer networking”, pela H1 Editora, a autora se dedica a mostrar a importância das conexões hoje, mais do que nunca. Isso porque já não existe mais a ideia de manter um mesmo emprego a vida toda, e muitos acabam abraçando formas autônomas de carreira.
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Em entrevista à Forbes, a autora e hoje estrategista de comunicação mostra que fazer networking pode ser mais simples do que parece. “Eu nunca enfrentaria uma sala cheia, mas não tenho medo de uma conversa com nenhuma pessoa”, diz. E explica, passo a passo, como construir uma rede de contatos – usando as redes sociais e as conexões que você já tem – que pode impulsionar sua trajetória.
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Forbes: No livro, você cita uma definição irônica de networking trazida pela Harvard Business Review, que diz que é a “tarefa desagradável de trocar favores com estranhos”. Mas como você definiria networking?
Karen Wickre: Tem uma citação de um cara chamado Ivan Meisner [fundador do BNI, organização internacional de networking], e ele disse algo como: “Networking é mais como jardinagem e menos como caça.” E as pessoas muitas vezes pensam no networking como caça, de uma forma muito transacional. Mas é muito mais como jardinagem ou agricultura, porque é sazonal e ocasional. Não é algo que você precisa fazer 24 horas por dia, 7 dias por semana, mas às vezes você vai estar plantando, aparando ou arrancando uma erva daninha morta. É um processo contínuo e eu acho que essa é uma maneira muito melhor de enxergar as coisas.
F: No seu livro, você fala muito sobre o networking para introvertidos. Você se considera introvertida?
KW: Eu sou introvertida no sentido de que, mesmo depois de um evento social, quando não tem uma pressão, eu quero ir para casa para processar e ter um tempo de silêncio. Essa é a definição de introvertido. Não é ser tímido, é precisar de um tempo sozinho, é a maneira como você se reenergiza. Enquanto os extrovertidos normalmente obtêm sua energia do grupo, da multidão, de muitas interações. E nós temos um limite para as nossas interações antes de precisarmos fazer uma pausa. Sempre foi assim para mim, mas eu também sou muito sociável. E sou muito boa em manter contato com as pessoas ao longo do tempo, muito antes do livro. Eu sempre gostei de ficar em contato com meus amigos da escola, com as pessoas com quem trabalhei.
Eu comecei a trabalhar no Vale do Silício e vi que tudo era muito fluido e com muitas movimentações. As pessoas não ficam na mesma empresa ou até no mesmo ramo por muitos anos. Eu mesma comecei a fazer isso. E no início dos anos 80 eu percebi que não tem mal nenhum nisso e você não perde pontos por mudar o que você faz, por trocar de emprego ou de carreira. Hoje, nem é mais possível ter um emprego a vida toda. E as pessoas mantêm contato mesmo trabalhando para concorrentes. Parte do valor que você tem como empregado, como alguém que trabalhou em uma empresa, é quem você conheceu em outros lugares. É interessante acompanhar as mudanças das pessoas e agora o LinkedIn se tornou uma boa ferramenta para isso. Mas também é bom ver as pessoas, mesmo durante a pandemia as pessoas faziam cafés virtuais, e isso ajuda a manter uma conexão e atualização. E aí quando chega o momento de buscar um novo trabalho ou conseguir alguma informação, é mais fácil fazer isso porque você já tem pontos de contato com um monte de gente.
F: Foi por isso que decidiu escrever?
KW: Na verdade eu escrevi um artigo sobre esse assunto e depois conheci um agente literário que disse para a gente expandir para um livro. E quanto mais eu pensava sobre isso, eu via que existem muitos passos pequenos e simples que qualquer pessoa pode tomar. E foi isso que eu trouxe no livro. A ideia é mostrar que não tem que ser desgastante, é tudo no seu tempo, tudo no “one-on-one”. Não é você e um monte de estranhos. E pelo menos a primeira parte disso pode ser feita virtualmente.
F: E por que é importante construir essa rede antes de realmente precisar usar?
KW: Se você se sente desesperado, talvez você tenha um prazo, talvez você tenha acabado de descobrir que vai perder seu emprego ou que tem um novo chefe que não gosta de você, ou você não gosta dele. Seja lá o que for, você vai pensar em quem você confia, com quem você pode conversar, quem entende desse campo, dessa empresa, desse tipo de cargo. Você reúne algumas pessoas, conversa com elas e você sabe que tem gente do seu lado. E isso não é sobre amigos e família. Na verdade, são principalmente as pessoas que conhecemos menos, especialmente colegas e ex-colegas de trabalho, que vão saber algo que vai te ajudar ou conhecer outras pessoas que vão. Mas pra isso você precisa já ter uma certa amizade e proximidade suficiente para dizer “Preciso de ajuda” ou “Posso pedir seu conselho sobre isso?”
F: Qual a importância de cultivar esses laços fracos, que podem ser muito mais poderosos para a carreira do que as grandes amizades?
KW: Se você parar para pensar, durante toda a vida e em diferentes momentos da nossa carreira, nós precisamos de conselhos e ajuda de pessoas que não conhecemos. São elas que muitas vezes têm as respostas, para o que quer que seja. Nossos amigos e familiares não sabem tudo. Nós ficamos acostumados, por exemplo, a pedir conselhos sobre lugares, viagens e filmes nas redes sociais. É uma coisa semelhante, mas você não vai jogar uma questão de carreira para um grupo aleatório de pessoas. Você vai perguntar para um ex-colega, por exemplo: “Nós trabalhamos juntos. Você me conhece. Essa é uma ideia maluca para o meu próximo passo? Devo me candidatar para esse emprego agora ou devo considerar essa empresa?”
E a pessoa pode até te conectar com alguém que saiba mais sobre o assunto. Não é uma questão de conseguir uma centena de opiniões ou recomendações, é buscar um ponto de apoio. E você pode fazer isso com base na força da rede que você já tem.
F: E se você quiser conectar uma pessoa que você conhece a outra, qual a melhor forma de fazer isso?
KW: Depende da sua relação com essa segunda pessoa. Em geral, deve ser alguém que você sabe que provavelmente vai aceitar, que não seja difícil de acessar. Alguém com quem você já tem um certo conforto para dizer “Você se importaria de conversar com meu amigo sobre isso?”
Eu sempre pergunto isso primeiro e quando a pessoa diz que sim, coloco as duas em contato. Eu nunca diria “ei, vocês não se conhecem, mas vão gostar um do outro, divirtam-se!”
Então sempre dê algum contexto. Mesmo que seja um favor profissional que você esteja pedindo para si mesmo, diga: “Eu te sigo no LinkedIn ou vi uma palestra que você deu, li seu livro. E estou procurando isso. Aqui está um breve resumo sobre mim. Podemos conversar? Posso fazer algumas perguntas por e-mail?” E exceto para pessoas super famosas, tem uma boa chance de alguém responder a esse tipo de coisa porque as pessoas ficam lisonjeadas.
F: E quais são as melhores práticas para manter a sua rede? Como colocar o networking entre as nossas muitas tarefas do dia a dia?
KW: É uma coisa que eu faço todo dia de manhã, mas não precisa ser em nenhum horário específico. Eu penso com quem eu não falei nos últimos tempos ou quem me veio à mente recentemente. Talvez você tenha visto que a pessoa foi promovida, ou lido algo sobre a empresa ou mesmo sobre o time esportivo daquela pessoa. E aí você faz um breve contato com ela. Dependendo dos canais em que vocês estão conectados, pode ser mensagem, e-mail, rede social. Pode dizer “Pensei em você”, ou “Adoraria saber o que você está fazendo”. Não é um pedido de reunião, nem um compromisso de horário. Quando a pessoa responder, você pode perguntar “Vamos marcar um horário para a próxima semana?” Pode ser pessoalmente, mas agora estamos tão acostumados com as videoconferências e é ótimo porque você pode fazer isso com pessoas que estão mais distantes. Aconteceu muito durante a pandemia, quando as pessoas sempre tinham um ponto de partida para saber como o outro estava. Eu conversei com pessoas com quem não falava há 10 anos. Você não vai cobrir todo esse tempo, mas vai conseguir falar de uma mudança, uma novidade, do novo momento. Pode ser estritamente social também, não tem que ser sobre coisas relacionadas ao trabalho. E não é nem para pedir um favor, é uma maneira de se atualizar com essa pessoa para que você possa retomar o contato se precisar.
F: Quando é melhor se encontrar pessoalmente ou manter uma conversa online? Qual é a diferença de conexão que podemos criar?
KW: Pessoalmente é o melhor, de longe. Porque somos humanos, é muito natural construir uma conversa pessoalmente, mesmo que seja sobre o clima ou o trânsito. Não é tão natural em uma videochamada, onde todo mundo se reveza para falar. Mas como vivemos em um mundo muito acostumado a esse outro tipo de interação agora e temos nossas redes sociais onde também nos comunicamos, nem todo encontro tem que ser pessoalmente. Eu aprendi isso anos atrás quando eu trabalhava no Google. Uma vez por ano a equipe global se reunia por cerca de uma semana. A gente tinha reuniões, apresentações e momentos de interação. E aí a gente cria uma conexão mais profunda com as pessoas para depois poder ficar mais um ano longe, mas com a sensação de que estão conectados. Então ainda é o melhor, mas nem sempre é possível, e por isso eu diria para aproveitar ambas as oportunidades. Não fique esperando pelo encontro físico, porque você também pode fazer muito agora.
F: Como aproveitar as redes sociais – e não só o LinkedIn – para fazer networking e expandir seus contatos?
KW: Se você já está fazendo isso, que bom. Mas não quero que as pessoas sintam que precisam entrar em um monte de redes e começar a buscar seguidores se não for algo natural. O LinkedIn é importante profissionalmente, as outras redes são boas para as pessoas terem uma noção do que os seus amigos estão fazendo. Se você precisar entrar em contato com alguém, você consegue ter um gancho. Essa é uma maneira de se manter conectado. Desde que o Twitter colapsou, na minha opinião, o LinkedIn se tornou ainda mais um lugar onde as pessoas estão compartilhando não apenas informações profissionais, mas um pouco mais de opinião pessoal. É um espaço em que você pode procurar e falar com alguém que você não conhece para começar uma conversa. E os recrutadores olham todas essas contas, o que é um bom aviso para aqueles que podem não estar sendo cuidadosos com a sua presença na rede social.
F: Se nem todos os encontros precisam ser presenciais, como escolher os eventos que você vai comparecer, especialmente para pessoas introvertidas? Como você decide os lugares que você vai?
KW: É importante entender qual é esse evento. Se é com um autor falando sobre um livro e o assunto te interessa e é profissionalmente interessante, então você vai para ouvir e aprender. Encontrar pessoas pode ser bom, mas não é o objetivo, o que pode tornar mais fácil. Em alguns eventos, como quando a sua empresa faz um coquetel ou algo assim, pode ser útil simplesmente aparecer. Não é para conhecer todas as pessoas que estão lá, você nunca vai conseguir fazer isso. Mas às vezes é bom apenas fazer uma aparição. Você não tem que ficar até o fim, apenas aparecer e dizer oi para algumas pessoas. Se o evento é das seis às nove da noite, eu pretendo estar lá de 6h15 a 7h15. Se eu acabar ficando mais tempo é porque tem mais pessoas para conversar e seria um bônus. Se você puder ver quem mais vai, isso é ótimo. E se for algo só para networking, sem programação ou palestrantes, por exemplo, não sei se é o tipo de evento mais útil. Esses são os mais difíceis e os que provavelmente eu vou aceitar o convite e acabar não indo.
F: E como você aborda as pessoas que você não conhece ou que gostaria de conhecer nos eventos?
KW: Conversa fiada. Como eu disse, os humanos estão acostumados a preencher o silêncio em uma situação desconhecida. Seja na fila da entrada ou para pegar bebida, pode começar com “o trânsito estava ainda pior do que o normal” e depois ir para algo como “o que te traz aqui?” ou “o que te interessa?”, em vez de começar com “o que você faz?”. E aí espero que a outra pessoa pergunte “e você?”
F: Se você tivesse que dar três dicas para alguém que ainda não começou a criar a sua rede, o que você diria?
KW: Ouço isso com frequência de estudantes que acabaram de sair da faculdade. Eles dizem que não têm uma rede ou que não têm nada para oferecer a ninguém. Mas eles têm os amigos da faculdade, colegas do primeiro emprego, e começam a ter mais colegas do trabalho, não importa onde seja. Manter esses contatos ao longo do tempo é uma recompensa por si só, porque você começa a ter perspectiva das diferentes coisas que fez, os diferentes caminhos que tomou. Nunca é cedo demais para começar a pensar na sua rede de conexões para além dos seus amigos e familiares.
Outra coisa é que as pessoas odeiam networking em parte porque elas pensam que é você contra uma multidão de desconhecidos que já se conhecem e têm todas as respostas. Mas nunca é assim porque ninguém tem tudo planejado, e também porque o networking é sobre one-on-one, sobre conversas individuais, e mesmo os introvertidos podem lidar com conversas individuais.
E a terceira é essa ideia de manter o contato. É importante falar com as pessoas de vez em quando e ficar de olho nas redes sociais. Eu estou sempre mandando mensagens ou um meme bobo que eu vi e acho que a pessoa também vai gostar. E aí ocasionalmente vocês almoçam ou tomam um café, mas essa talvez seja uma em cada 10 ou 20 interações que vocês vão ter. É mais simples do que as pessoas pensam.
8 dicas de Harvard para melhorar suas habilidades de networking
A “Harvard Business Review” publicou oito perguntas para se fazer em qualquer tipo de evento de networking. Na próxima vez que você estiver em um evento social ou de networking e se sentir entediado com a conversa fiada, mas com medo de fazer perguntas profundas, você pode usá-las.
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