O terroir, os elementos do solo e aspecto do clima, entre outras coisas, estão diretamente relacionados ao sabor e aroma do vinho. Porém, rastrear e identificar qual a interferência desses elementos na entrega final da bebida nem sempre é uma tarefa simples.
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Mimi Casteel, enóloga, pesquisadora e proprietária da vinícola Hope Well Wine, em Oregon, em entrevista à Forbes EUA, conta como a microflora de um vinhedo é crítica na criação do terroir de um vinho.
A enóloga é “cria” do vinhedo da família em Bethel Heights Vineyard, também no Oregon, mas deixou suas raízes em busca do mestrado em Ciências Florestais pela Oregon State University. Após a formatura, Castell passou vários anos como botânica e ecologista no Serviço Florestal dos EUA. Em 2015, ela voltou para sua terra natal e fundou a Hope Well Wine.
Confira a entrevista com Mimi Casteel, realizada na Alemanha, onde participou do seminário do Institute of Masters of Wine 2023, em Wiesbaden.
Forbes: Como a microflora se enquadra no manejo moderno de vinhedos e na produção de vinho? Quanto sabemos sobre esse tema?
Mimi Casteel: Microflora e microfauna são termos para organismos menores, muitas vezes invisíveis a olho nu, que incluem fungos, líquens, briófitas, amebas, protozoários, rotíferos e incontáveis outros, que constituem uma fração substancial do bioma do vinhedo.
Os ecossistemas, incluindo os agroecossistemas, podem ser considerados rotas de fluxo energético, em que cada organismo participa na reciclagem de energia e nutrientes. Quanto mais eles trabalham juntos, mais a energia flui. A produtividade desse sistema reflete seu fluxo e diversidade de energia.
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Dentro de um ecossistema, os microrganismos desempenham papéis importantes na resiliência. Apesar de extremamente pequenos, eles têm uma função espantosamente grande. Para se ter uma ideia, nós conseguimos identificar apenas uma pequena fração destes organismos, especialmente os que vivem no solo. No entanto, mais de 90% da vida terrestre vive abaixo da superfície e é alimentada exclusivamente por carbono vegetal.
Os microrganismos do solo são parceiros essenciais para o acesso das plantas aos nutrientes e água. Ela não consegue realizar essa tarefa sozinha.
F: O impacto do terroir no vinho é parte ciência e parte arte. Alguns aspectos são facilmente explicáveis, por exemplo, solos pedregosos drenam mais rápido e aquecem mais cedo na primavera. É por isso que, historicamente, o cabernet sauvignon de Bordeaux foi plantado nesses solos. Contudo, outros aspectos como a mineralidade são mais difíceis de explicar. Então, a microflora de um vinhedo desempenha um papel crítico na tradução das características do solo e sensações da bebida. Como isso funciona?
MC: Ao longo da evolução, à medida que os organismos fotossintéticos percorreram o seu caminho do oceano para a terra, as plantas e os microrganismos coevoluíram. Com isso, foi possível colonizar novos ambientes e alcançar uma gama mais extensa de nutrientes, com estruturas maiores e mais diversificadas.
As videiras, como é igualmente para a maioria das plantas do planeta, têm várias destas parcerias, principalmente com fungos micorrízicos. As micorrizas não produzem seus próprios alimentos e sobrevivem obtendo carbono, hidrogênio e oxigênio por meio da fotossíntese. No entanto, não conseguem obter certos nutrientes essenciais, como o fósforo, do solo.
As micorrizas colonizam as raízes das videiras, perfurando as paredes celulares das raízes. A videira então vazará parte do açúcar produzido pela fotossíntese para alimentar os fungos. Em troca, os fungos entregam a enzima fosfatase que converte o fósforo, que é inorgânico, em uma forma que a planta possa absorver.
F: As bactérias se reproduzem, em média, a cada 20 minutos, no caso de bolores e fungos, são menos de 24 horas. Com isso, a microflora sentirá primeiro o impacto das mudanças do clima e condições ambientais. Existe alguma prova de alteração da microflora nas vinhas? Será que este não é um mecanismo para ajudar as vinhas a se adaptarem às alterações climáticas?
MC: Sim, é uma bênção e uma maldição que o ciclo de vida deles seja tão rápido. O que não pode ser negado é que quando simplificamos qualquer sistema por meio da remoção de habitat ou do plantio de uma monocultura, sem plantas de cobertura ou sem diversidade crescendo no seu interior, perdemos um número incontável de microrganismos que tinham relações individuais com as plantas hospedeiras que removemos.
Alguns têm relacionamentos “obrigatórios” entre si, sendo assim, são perdidos se essas plantas não retornarem. Há um bom número de microrganismos que até persistem, mas que não conseguem realizar tarefas mais sutis. Também é verdade que formas patogênicas de bactérias e fungos aproveitam, frequentemente, a oportunidade proporcionada por solos degradados, tornando as doenças um problema ainda maior.
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Se quisermos reter a diversidade de leveduras, bactérias, fungos e outros organismos e tornar os nossos vinhos complexos, precisamos alimentar a vida com uma abundância de diversas vias de fotossíntese.
Forbes: O que sabemos é que a microflora de um vinhedo pinot noir da Borgonha, na França, difere daquela de um vinhedo pinot noir em outro lugar. Dado o papel da microflora na transmissão do terroir, o cultivo da microflora de um vinhedo da Borgonha, no Oregon ou na Nova Zelândia, seria provável duplicar algumas das características dos vinhos do tipo da Borgonha?
MC: Não vi evidências científicas convincentes que apoiem a “localidade” sensorial de um vinho baseada no cultivo artificial da flora e da fauna nativas e na sua transferência para outro local. Também sinto que se quisermos que haja alguma verdade naquilo a que chamamos “terroir”, então, em primeiro lugar, deveria ser um reflexo da vida que construiu esse ecossistema.
Se um enólogo quiser produzir vinhos elegantes, com sutileza e graça, poderíamos falar sobre as práticas agrícolas. Entre os exemplo estão diminuir os impactos do calor e dos raios UV, reter mais água para arrefecer o ambiente da vinha, conceber um agroecossistema onde o açúcar não acumula rápido e as as uvas têm tempo para desenvolver compostos fenólicos maduros, além de ter uma química de colheita desejável.
Forbes: Por que as vinhas orgânicas e biodinâmicas apresentam uma microflora mais variada e complexa? Esse seria o resultado de eliminar o uso de produtos químicos ou há outro fator?
MC: Há muita coisa que não sabemos, mas o que se tem conhecimento é que todos os produtos químicos sistêmicos utilizados na agricultura têm efeitos fora do alvo. Até o enxofre e o cobre, utilizados em vinhas orgânicas e biodinâmicas, têm efeitos indesejáveis. Os fungicidas, herbicidas e até mesmo os fertilizantes sintéticos afetam o microbioma. Dessa forma, quanto mais esses produtos forem utilizados, mais simples (pobre de nutrientes) será o microbioma, à medida que os organismos mais sensíveis não sobrevivem.
*José Micallef é colaborador da Forbes EUA, enólogo, jurado em concursos de vinho e autor do livro Its History, Production and Appreciation.
O post O que a biodiversidade do solo pode fazer pelo terroir do vinho apareceu primeiro em Forbes Brasil.