Na tarde do último domingo (5), cerca de 3 milhões de brasileiros fizeram a primeira etapa do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” foi o tema da redação.
O trabalho de cuidado – com a casa, os filhos, idosos e outros familiares e pessoas doentes – é essencial para a manutenção da sociedade, mas não é remunerado e está distribuído de forma desproporcional, recaindo principalmente sobre as mulheres. Elas realizam mais de três quartos do trabalho de cuidado não remunerado no mundo – 12,5 bilhões de horas todos os dias, segundo a organização global contra as desigualdades Oxfam (Comitê de Oxford para o Alívio da Fome).
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No Brasil, as mulheres dedicam até 25 horas por semana a afazeres domésticos e cuidados, enquanto os homens dedicam cerca de 11 horas, segundo um estudo do FGV IBRE divulgado em outubro deste ano.
Nos países com maior igualdade de gênero, a disparidade diminui, mas ainda existe – na Noruega e na Suécia, as mulheres completam, respectivamente, 42 e 50 minutos a mais de trabalho não remunerado por dia do que os homens. No outro extremo, no Egito, as mulheres têm 5,4 horas de trabalho não remunerado diariamente, enquanto os homens têm apenas 35 minutos.
Independentemente da geografia, as mulheres tendem a ser responsáveis por essas tarefas diárias, enquanto os homens muitas vezes cuidam da construção e dos reparos da casa ou do corte da grama – tarefas normalmente realizadas com menos frequência.
As responsabilidades de cuidado estão relacionadas a níveis mais altos de insatisfação com a situação financeira e o trabalho, além de problemas de saúde mental, mostra o estudo “Esgotadas”, da Ong Think Olga. Isso porque uma mulher sobrecarregada com o cuidado tem menos tempo ou condições para se dedicar ao trabalho remunerado e a outras áreas de sua vida.
Quanto a economia do cuidado traria para a economia
Mulheres no mercado de trabalho impulsionam a produtividade, aumentam a diversificação econômica e a igualdade de rendimentos. Mas muitas ainda são impedidas de participar da força de trabalho remunerada devido às exigências do trabalho não remunerado.
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A OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) define trabalho não remunerado como o tempo não pago gasto na realização de tarefas domésticas, como cuidar de crianças, idosos ou outros membros da família ou de fora dela, cozinhar, limpar, lavar roupa e comprar utensílios domésticos, entre outras atividades.
Embora seja necessário para o bom funcionamento das famílias, esse trabalho não tem influência no PIB do país ou em outras medidas de crescimento econômico.
Mas se as mulheres em todo o mundo recebessem um salário mínimo por esse trabalho, teriam contribuído com cerca de US$ 10,9 trilhões para a economia global em 2020. Esse número é mais do que o dobro da indústria global de tecnologia naquele mesmo ano (US$ 5,2 trilhões).
No Brasil, a economia doméstica e de cuidado acrescentaria 13% ao PIB do país, segundo um estudo do FGV IBRE.
Se as mulheres só nos Estados Unidos ganhassem um salário mínimo pelo seu trabalho não remunerado, teriam, juntas, ganhado cerca de US$ 1,5 trilhão em 2019.
A saúde paga o preço
A saúde das mulheres paga esse preço. Atividades como ficar de pé para cozinhar, limpar a casa, lavar roupa, carregar sacolas pesadas ou crianças no colo trazem sérios riscos para a saúde física.
Além disso, o envolvimento cognitivo, emocional e a falta de descanso podem levar a um quadro de sofrimento psicológico e emocional. Isso inclui ansiedade e depressão, esgotamento, sentimentos de desvalorização, isolamento, solidão, ressentimento e aumento dos níveis de estresse.
Segundo a pesquisa da Think Olga, 22% das mulheres estavam sobrecarregadas com o trabalho doméstico. Os cuidados recaem principalmente às mulheres de 36 a 55 anos (57% cuidam de alguém) e pretas e pardas (50% cuidam de alguém). 1 em cada 4 mulheres que cuidam de alguém disse estar insatisfeita ou extremamente insatisfeita com a sua saúde emocional.
Trabalho que adoece precisa de mulheres saudáveis
Apesar dos seus efeitos adversos para a saúde, o trabalho não remunerado depende de mulheres saudáveis. Um dos seus principais aspectos é a prestação de cuidados – mulheres representam 66% dos cuidadores.
E se essas cuidadoras não estiverem saudáveis, a saúde das pessoas sob os seus cuidados pode ser prejudicada. Condições autoimunes (que afetam três vezes mais mulheres do que homens), endometriose (que afeta uma em cada 10 mulheres) ou síndrome do ovário policístico (que afeta uma em cada cinco a 25 mulheres), por exemplo, podem impedir a cuidadora de ficar em pé devido à dor – muito menos estar pronta para se mover a qualquer momento para cuidar de uma criança.
Há quase dez anos, um relatório da OCDE já argumentava que essa “distribuição desigual do trabalho de cuidados não remunerado entre mulheres e homens representa uma violação dos direitos das mulheres e impede seu empoderamento econômico”.
Abordar o assunto, especialmente entre os jovens e futuros profissionais do país, é um passo para a conscientização do problema.
*Eva Epker é colaboradora da Forbes USA. Ela é diretora de marketing da Avestria Ventures, empresa de venture capital liderada por mulheres que investe em companhias de ciência e saúde também com líderes mulheres.
(traduzido e adaptado por Fernanda de Almeida)
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