Dois indicadores divulgados nos últimos dias mostram a pujança da economia americana. Na quinta-feira (27) o Bureau of Economic Analysis (BEA) informou que o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos havia crescido 4,9% no terceiro trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período de 2022. Esse resultado ficou bastante acima dos 4,3% esperados pelos investidores, e superou com uma larga vantagem o crescimento de 2,1% registrado no segundo trimestre, na comparação com o 2T22.
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Na sexta-feira (27) o mesmo BEA divulgou a inflação medida pelo Personal Consumption Expenditure (PCE). Conhecido como “inflação do Fed”, esse índice é mais levado em conta pelos diretores do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, na hora de definir a política monetária. O PCE de setembro mostrou uma variação de 3,4% nos preços em 12 meses. O resultado ficou em linha com as projeções dos investidores, e foi semelhante ao dado revisado de agosto (que foi revisado para baixo, pois a variação preliminar havia sido de 3,5%).
O “núcleo” do PCE, que exclui os preços mais voláteis dos alimentos, combustíveis e energia, variou 3,7% nos 12 meses até setembro, levemente abaixo dos 3,8% em agosto (que foi revisado para baixo ante os 3,9% preliminares). O resultado também ficou em linha com as projeções do mercado.
A inflação americana parece estar “comportada”, pois segue em linha tanto com as estimativas quanto em relação aos levantamentos anteriores. E o PIB está crescendo mais do que o esperado devido ao consumo. O mercado de trabalho segue aquecido. O desemprego oscila entre 3,5% e 4,0%, um mínimo histórico. Os salários não caem, o que permite aos americanos continuar comprando. Tudo ótimo, exceto pelo fato de que nada disso deveria estar ocorrendo.
Crescimento acelerado
Desde março de 2022, Jerome Powell, presidente do Fed, vem promovendo uma elevação sistemática dos juros. Os Fed Funds, comparáveis à Taxa Selic, subiram de zero para a faixa atual de 5,25% a 5,50% ao ano. Foi o maior e mais rápido endurecimento da política monetária em quatro décadas. O efeito esperado deveria ser uma queda do nível de atividade. Mesmo assim, a economia não para de crescer. Por quê? Simples: o governo americano está gastando demais.
Há duas maneiras de um governo influir no ritmo da economia. A mais visível é a política monetária. Quando a economia está lenta demais, o banco central atua baixando os juros. Isso estimula os investimentos e acelera o ritmo. Quando a economia está muito aquecida, o banco central eleva os juros. Torna o crédito mais caro, o que desestimula os negócios.
Gastos públicos
A outra maneira de influenciar o ritmo da economia é pela política fiscal. Os famosos gastos públicos. Quando o governo fecha seus cofres, a economia desacelera. Ocorre o mesmo efeito de uma contração na política monetária. A quantidade de dinheiro em circulação diminui e isso encarece o crédito. Quando o governo gasta bastante, o dinheiro das despesas públicas movimenta as empresas e eleva empregos e salários.
Um exemplo: suponhamos que o governo brasileiro dobrasse o valor do Bolsa Família. O dinheiro adicional seria quase que totalmente dedicado ao consumo. Isso aumenta os ganhos dos empresários que fornecem para esses consumidores. Esses empresários também gastariam mais, consumindo ou investindo em suas empresas. E o efeito se multiplica, aumentando o emprego e a renda em vários setores da economia.
É o que está ocorrendo nos Estados Unidos. No dia 20 de outubro, o governo divulgou um déficit orçamentário de US$ 1,695 trilhão no ano fiscal de 2023, um salto de 23% em relação ao ano anterior. Foi o pior resultado desde o déficit de US$ 2,78 trilhões de 2021, provocado pela pandemia.
Por que isso ocorreu? As receitas caíram para US$ 4,4 trilhões, uma queda de 9% em relação a 2022. Como o mercado acionário foi mal, os americanos ganharam menos dinheiro com ações e pagaram menos impostos sobre esses ganhos. E as despesas com os juros da dívida pública e com a Previdência Social (sim, parece o Brasil), fizeram o desequilíbrio aumentar esse tanto.
A situação não tende a melhorar. Na proposta de Orçamento mais recente submetida ao Congresso pelo governo do presidente Joseph Biden inclui novos gastos de US$ 100 bilhões em ajuda externa e segurança, incluindo US$ 60 bilhões para a Ucrânia e US$ 14 bilhões para Israel.
O impacto no Brasil
Apesar de isso parecer uma discussão “americana” demais, essa situação afeta sua vida. Lá como cá, o banco central tem o dever constitucional de preservar o valor da moeda no longo prazo. Isso quer dizer, no caso americano, reduzir a inflação quase pela metade, dos atuais 3,5% para a meta de 2,0%. Para isso o Fed terá de elevar cada vez mais os juros. Apertar a política monetária porque a política fiscal segue cada vez mais frouxa.
Isso quer dizer um dólar cada vez mais valorizado, com um aumento da pressão inflacionária sobre as demais economias. Um dólar mais forte quer dizer preços de commodities mais elevados, o petróleo principalmente. As consequências são inflação mais elevada ao redor do mundo, forçando os bancos centrais a elevar os juros. Isso deve reduzir o crescimento econômico e os lucros das empresas.
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