Foi uma tarde agradável, no início de outono, na propriedade Cavanera, que pertence à Vinícola Firriato, na encosta nordeste do Monte Etna, no sul da Itália. Havia nuvens em um céu de azul brilhante, enquanto a familiar coroa de fumaça do vulcão fazia uma dança rumo à atmosfera. A cena descrita mostra como é a Cavanera, no Etna, construída sobre um antigo fluxo de lava, e que captura a essência do vulcão por meio das vinhas com mais de 150 anos, ainda com algumas variedades de uvas com DNA desconhecido. O local não só está entre as vinhas mais antigas da região, como também os pés de uva nunca receberam enxertos e estão livres de pragas e doenças.
Mas nem sempre foi assim. Este precioso vinhedo já esteve em ruínas, usado como um antigo estacionamento. “Quando compramos a vinícola, a cantina ficava do outro lado do resort. Estávamos procurando um lugar para estacionar. O arquiteto me disse: ‘Este é um vinhedo ruim. Vamos construí-lo aqui.’ Então agora eu brinco com meu agrônomo, dizendo: ‘Vamos para o estacionamento’”, afirma Federico Lombardo di Monte Iato, diretor de operações da Vinícola Firriato.
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O Monte Etna é um vulcão composto, que reúne características de diferentes tipos de vulcanismo. Com 3.357 metros de altura, é um dos vulcões ativos mais altos da Europa. A história da região mostra que ter uma viticultura por lá não é para os fracos. No entanto, aqueles que encaram os desafios podem colher bons frutos. Isso porque o solo arenoso, a altitude elevada e climas mais frios são repelentes para a filoxera, uma das principais pragas na produção de uvas e que já destruiu muitos vinhedos pelo mundo. Com isso, a área se torna um oásis para as vinhas nativas, com mais de um século de plantio, e que produzem vinhos refinados e saborosos.
A qualidade do vinho vulcânico
Em 2016, Antonio Rallo, CEO da Donnafugata, uma das vinícolas mais famosas da Sicília, realizou o sonho de seu pai de produzir vinho no Etna. “A viticultura de montanha do Etna é fascinante e muito diferente de outras áreas tradicionais de produção de vinho na Sicília”, diz ele. “Isso representa um desafio novo e emocionante para nós.”
Após décadas de vinificação na ilha de Pantelleria, a Donnafugata está familiarizada com os desafios da viticultura vulcânica. No entanto, as duas regiões, Sicília e Etna, são bastante diferentes. O solo vulcânico único do Etna origina-se de milênios de fluxos de lava chamados sciare, acumulando gradualmente rochas, resíduos e cinzas ao longo do tempo. Esta extensa composição mineral, clima continental (alpes em algumas áreas), viticultura de montanha, com uma ampla mudança de temperatura do ar e do solo, chuvas variadas e microclimas de vinhedos específicos do local, produzem vinhos distintos.
O objetivo de Donnafugata é capturar o vulcão no vinho por meio da “recuperação” de vinhas com mais de 100 anos de idade nos principais locais, podando-as lentamente, no método tradicional indicado para as variedades de uvas albarello. Este é um processo delicado que pode levar vários anos para ser concluído.
A geografia do Monte Etna, que em 1968 foi estabelecida a DOC (Denominação de Origem Controlada), parece um “C” invertido contornando as encostas do nordeste, leste e sul do cone vulcânico. O vulcão cria uma grande diversidade de tipos de solo e a elevação e a inclinação resultam numa enorme variedade de condições climáticas e topográficas. Esses fatores e os seus famosos microclimas específicos das vinhas, criam uma espécie de ilha dentro da ilha.
A qualidade dos vinhos Etna está mais relacionada com o conhecimento do comportamento do vulcão do que com o “poder” dele. A chave do sucesso, segundo Rallo, CEO da Donnafugata, é identificar vinhedos superiores, precisão no manejo da safra e a vinificação feita aos poucos para capturar a essência vulcânica. “A variabilidade dos vinhedos específicos do local, de acordo com a exposição, altitude, microclima e composição dos solos vulcânicos, requer muita atenção para a elaboração de um grande vinho Etna, pois as peculiaridades de cada terroir devem ser perfeitamente compreendidas”, afirma.
Aprendendo com vinhas velhas
Escondidos ao longo do perímetro da propriedade de Palmento Costanzo estão os restos de fluxo de lava sciare de 1879. À margem do fluxo está um vinhedo composto por vinhas nativas com mais de 130 anos de idade, livres do pulgão filoxera. O local foi um dos principais motivos pelos quais Domenico e Valérie Costanzo compraram a vinícola. “O proprietário original vendia as uvas, mas quando vimos o vinhedo sabíamos que ele era especial”, diz Valérie Costanzo.
A Palmento Costanzo investiu na recuperação das vinhas antigas e reformou o espaço para ganhar mais áreas para o cultivo das uvas albarello. O manejo é feito manualmente com práticas de agricultura biológica, o que Costanzo diz não ser fácil. “Acho que a produção orgânica é o nosso foco nessa área. É difícil, claro, porque temos que verificar com mais atenção a presença de doenças”, diz Valérie. As borboletas em volta das uvas comprovam a saúde da vinha.
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Muitas vezes, as vinhas mais velhas abrem valas em meio às pedras. É lindo testemunhar vinhas com liberdade para crescerem como quiserem. “Temos aqui as variedades de uvas varietais nerello mascalese e nerello cappuccino, e essas serão sempre mantidas desta forma”, afirma a produtora. Valérie diz estar ansiosa para aprender o que as vinhas velhas têm a ensinar. “Penso que se elas sobreviveram até agora, têm força e estão maduras para nos ensinar que não precisamos usar produtos químicos”, diz.
Um tesouro em vinhas e escondido
Foi dirigindo pela encosta norte do vulcão Etna, em busca de vinhedos abandonados, que Michele Faro, sócia-proprietária da Vinícola Pietradolce, e o agrônomo Giuseppe Parlavecchio, encontraram uma área completamente coberta por vegetação nativa em altitudes elevadas. Parlavecchio explica com um brilho nos olhos que eles tinham um pressentimento que debaixo dos montes de arbustos havia um vinhedo. Abriram então um caminho e descobriram um hectare de vinhas com 80 a 90 anos de idade.
Com a mudança no manejo das vinhas antigas e a implantação de novos pés, a produtividade das uvas melhorou. “Antigamente, essas vinhas velhas tinham baixa produção e necessitavam de uma atenção especial. Hoje é diferente”, diz Parlavecchio. “É um investimento que a família Faro quis fazer. Contratar mão de obra qualificada para fazer o trabalho manualmente, sem tratores. A poda de cada videira precisa de atenção especial, como um bonsai. No verão faz muito calor. Somos totalmente orgânicos, sem produtos químicos. Ou seja, nada é uniforme.”
Caminhar pelas encostas norte do Etna, embaixo de chuva para conhecer as antigas vinhas de Pietradolce, parece uma caça ao tesouro. Mas Parlavecchio e Nina, a enérgica cachorra da vinícola, conhecem o caminho. Os vinhedos nessas áreas datam de mais de 100 anos de idade e são cercados por árvores de frutas, nozes e oliveiras, além de frutas silvestres, aspargos e ervas.
Mas, por que gastar tempo e dinheiro procurando e recuperando vinhas antigas com plantações de uvas nativas? E a resposta é: as vinhas velhas têm experiência e equilíbrio. “Embora algumas videiras não produzam muitos frutos, elas dão a melhor expressão do Etna”, afirma Paralavecchio. “Elas têm memórias antigas e muita personalidade. Mesmo a dois metros de distância, elas são completamente diferentes.” Paralavecchio é apaixonad0 pelas vinhas antigas. “Este é um trabalho árduo e apaixonante, com desafios de altitude e baixa produção. Os nossos vinhos são equilibrados porque a vinha nos dá esse equilíbrio. Nós vamos seguir no Etna, com as nossas velhas vinhas e a nossa terra.”
Certificando as antiguidades do Etna
Atrás de uma porteira de ferro forjado reside uma das vinhas mais antigas do Etna. O diretor de operações da Vinícola Firriato, Federico Lombardo di Monte Iato, mostra o solo esponjoso, cultivado organicamente e que poderia ser comparado a um cobertor de tecido chenille. “Este é um vinhedo experimental”, diz ele. “Encontramos DNA inexplorado em algumas dessas vinhas. Temos oito variedades que não conhecemos. Então, estamos preservando para evitar a extinção dessas cultivares e estudando cada uma delas.”
Apontando para uma das vinhas, ele diz: “Essa daqui tem 168 anos. As uvas têm grandes segredos e grandes histórias.” Em colaboração com universidades de todo o mundo e com o Etna DOC, Iato está mapeando o DNA de vinhas antigas de toda a região. No Etna, o solo vulcânico assume um significado diferente. Iato acredita que o segredo do local tem menos a ver com geologia, que estuda a composição e a estrutura da terra, e mais com pedologia, que estuda o solo e seu ambiente natural.
O mapa de solos da região lembra um mosaico. Somente a propriedade da Vinícola Firriato, por exemplo, abriga cinco solos diferentes. “Não consigo conceber o Etna como um terroir único, tem muitas opções aqui. Cada zona dá um vinho diferente”, Iato. Ele atribui esta dinâmica à resistência da videira a filoxera, inseto que ataca as raízes e as folhas da planta. Mas Iato não queria que simplesmente acreditassem na palavra dele, e comprovou essas informações. Em parceria com a Universidade de Palermo, as vinhas ganharam certificação de livre da filoxera e registro de idade média de 150 anos, algumas com mais de 200 anos.
Firriato enxerga essas vinhas antigas com modernidades de ponta. Ele dá como o exemplo o Signum Ætnæ, que significa “o símbolo do Etna”, que é um vinho Etna Rosso de reserva de produção limitada, elaborado a partir de uvas autônomas certificadas de vinhas antigas cultivadas com viticultura e vinificação tradicional. O vinho inclui um sofisticado sistema anti-falsificação, registrado com rastreabilidade blockchain e uma opcional compra de ativos de NFT (token não fungível), que é um certificado digital de propriedade que qualquer um pode ver e confirmar a autenticidade, mas ninguém pode alterar. “Este vinho é a alma deste lugar. É absolutamente o Etna, diz Firriato”
* Michelle Williams é colaboradora da Forbes EUA, e escritora para publicações como Wine-Searcher, Wine Enthusiast Magazine, The Buyer, Wine Business Monthly.
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