Juntas, as jornalistas Miriam Moura e Patrícia Marins já treinaram mais de 12 mil executivos para serem porta-vozes de suas organizações. Com essa experiência, resolveram unir histórias no seu novo livro “Muito além do Media training: O porta voz na era da hiperconexão”, da Editora Aberje, que fala sobre como fazer esse papel em tempos de cancelamento e foi lançado em setembro. Para isso, entrevistaram personalidades em diversas áreas, como o neurocientista Miguel Nicolelis e o sociólogo Dominique Wolton, e reuniram dicas de como ir além da informação.
Algumas conclusões do livro são difíceis de lidar. “A verdade tem um problema de marketing”, diz Marins. Nessa entrevista, as duas vão mais fundo nessa ideia e na importância de se investir em comunicação, seja qual for a área de atuação. “Comunicação e posicionamento são os maiores dilema dos executivos hoje, assim como a inflação, a recessão. Para ser um bom CEO, não basta mais saber ganhar dinheiro”, diz Moura.
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Forbes: Vocês fizeram uma entrevista com o Nicolelis que sugere, entre outras coisas, que a mentira e a fábula vendem mais do que a verdade. Como ser porta-voz nesse cenário?
Patrícia Marins: E ele diz que nosso cérebro é muito mais propenso a capturar a fábula, a espetacularização, a mentira, do que uma verdade nua e crua. Ou seja, a verdade tem um problema de marketing muito sério! Desde Galileu Galilei, a ciência não ‘vende’. Ele tentava explicar a ciência para as pessoas, mas o que as pessoas queriam mesmo era a literatura de bruxaria. Ou seja, não é de hoje que as pessoas não querem a verdade como ela é. A gente tá vivendo num mundo não-linear, onde não pode cravar quase nada. Veja, nós observamos o advento das agências de checagem de fatos. Antes, você observava o fato, reportava o fato e pronto. A partir do momento que você precisa ter a agência de checagem, o verdadeiro e o falso não estão mais tão claros. É tudo impreciso e tudo vai ser questionado. Isso que alguém está falando nas redes, será que é assim mesmo ou estão exagerando? Isso faz parte de ser um porta-voz no mundo hiperconectado.
E adiciona-se a isso a tendência para a bolha. Nosso cérebro se ativa muito mais quando estamos diante de situações e falas que já estão de acordo com a convicção de cada um. E a internet e as redes sociais trouxeram essa possibilidade com muita força. Qualquer porta-voz vai ter que aprender a lidar com isso. Em tempos de pós-verdade, você precisa aprender a falar para fora das suas bolhas, para quem não concorda com você.
Miriam Moura: Nicolelis coloca que o cérebro não faz uma dicotomia entre informação verdadeira e falsa. É um dos desafios da pós-verdade.
F: Você fala de uma mudança na comunicação nesse pós-pandemia. O que mudou de fato?
PM: Tivemos uma oportunidade para refletir sobre o poder da comunicação. Era a única coisa que os líderes tinham, a única moeda relacional quando estava todo mundo fechado em suas casas sem saber se, no mês seguinte, estaria empregado ou vivo. Aí a comunicação vira um ativo um ativo para manter as pessoas animadas. De uma certa maneira, a comunicação passa a ser atuar com o efeito que o Churchill usava na Segunda Guerra.
F: Vocês dizem no livro que não é mais possível separar a reputação do CEO da imagem da empresa. Isso vale só para ele ou se estende para outros níveis? Hoje falamos em influencers corporativos, que costumam ser bem jovens e falam pela empresa também…
PM: Se você tem um crachá de uma empresa, você é, naturalmente, um influenciador dessa empresa, queira você ou não. No passado a gente tinha o embaixador de marca, que era utilizado em alguns momentos para defender essa empresa. Hoje em dia a gente influencia pelo simples fato de estar na empresa. Obviamente em níveis diversos.
MM: Hoje é importante ter consciência do protagonismo que toda pessoa tem a partir do momento em que ela advoga por uma marca. Antes de postar, você tem que entender para qual público você está falando, tentar entender o que é comunicação mesmo e não apenas passar a informação pura e simples.
F: E como fica a tal liberdade de se expressar nessa era em que todos acabam sendo embaixadores das empresas para as quais trabalham?
PM: Muitos dos nossos clientes questionam o direito à liberdade de expressão, pois hoje o CNPJ vem em primeiro lugar. Isso mudou de forma mais aguda com o advento das redes sociais, claro. Se você postou, está indexado. Acabou. É eterno. Muitas pessoas falam que é chato, que agora não pode falar mais nada. Não pode, não dá para ter improviso. E mais, a comunicação tem que ser empática. Falas capacitistas ou excludentes de alguma parcela da população não são mais aceitáveis. Não passa mais. E o que que faz numa hora dessa, depois de uma fala dessas, que pode levar a pessoa a ser cancelada em algum nível? Pede desculpa. Diga: “eu errei”.
MM: Não dá para ter improviso em uma sociedade hiperconectada. É preciso entender a dor do outro, sejam pessoas com dificuldades motoras, pessoas vítimas de racismo etc.
E o executivo, quando ele fala, fala pela marca. Mas qualquer rede, qualquer pessoa que lidera, mesmo que seja um grupo de duas, três pessoas, tem que se comunicar de maneira estratégica e com empatia.
F: Como treinar porta-vozes para ampliar seu alcance e dialogar?
PM: Hoje tem até headhunters fazendo esse exercício, de levar os executivos comunicarem algo que está fora de sua bolha. Como você comunicaria à equipe a morte de um colega, por exemplo? A gente faz isso para tirar o cliente daquele mundo fechado e fazer com que ele se comunique de fato. A gente adaptou a ideia do elevator pitch para elevator speech: como você aprende a comunicar rapidamente para qualquer pessoa? Iss é importante nesse mundo hiperconectado. Não tem como se comunicar se você não entender o outro.
F: Vocês dedicaram um capítulo a falar de construir percepções. E isso tem tudo a ver com ser cancelado – ou não. Como se constrói percepções no mundo da pós-verdade?
PM: Essa tem sido uma uma situação muito comum para grandes executivos. Primeiro tem que entender o alcance desse cancelamento. Um dos maiores problemas do cancelamento está nos grupos de WhatsApp. São as maiores crises. Então, a primeira coisa para você evitar um cancelamento é você conhecer o novo esse novo idioma digital. Eu preciso entender como se dão esses esses embates, a etiqueta das redes sociais e qual tem a ver comigo? Em qual eu posso navegar de forma mais autêntica. As pessoas muitas vezes vão para essas redes porque “tem que ir”. Vejo muitos executivos do alto escalão em uma busca insana por cliques. Me contam que estão lançando o canal do Tik Tok, que agora tem que treinar TikTok. Mas por quê? Os problemas acontecem quando eu não se tem propósito para estar ali. E também porque não se avalia antes de postar. Quando vou compartilhar alguma coisa, há dois critérios. O primeiro é a utilidade. É útil? Em segundo lugar: como é que isso vai soar para o outro? E, claro, tem que entender o critério do cancelamento. Perder seguidores não é ser cancelado.
F: Tem uma área mais forte onde essa necessidade é maior?
PM: No varejo é forte. Quanto mais próximo do consumidor, maior essa necessidade. Parece que esses executivos se veem como verdadeiras grifes – e as grifes têm que estar em todas as plataformas. Mas aí aumenta o risco do cancelamento também.
F: Hoje há uma polarização política muito forte. Se a lanchonete faz um banheiro sem gênero, corre o risco de ser cancelada. Dá para se posicionar sem ser cancelado no mundo de hoje?
MM: Comunicação é o maior dilema dos executivos hoje, assim como a inflação, a recessão. Eles n˜ão têm como fugir. Um bom CEO não é mais só aquele que sabe ganhar dinheiro. Isso acabou. O mundo de hoje força o posicionamento. Em algum momento, vão ter que assumir algum papel, mas sempre com preparo, planejamento, estratégia. Não há espaço para improviso mais.
PM: Há questões que são fundamentais, questões ligadas à pauta de ESG, à pauta de cidadania, de políticas públicas, não tem não tem mais opção de falar ou não falar. É preciso se posicionar. Mas acho que o cancelamento acontece muito mais quando o principal executivo, o CEO, fica em cima do muro. Mas esse posicionamento tem que estar atrelado à coerência e à autenticidade. Se você não for autêntico no TikTok, não faz sentido e a chance de ser cancelado é muito maior. A super exposição, ter narrativas para tudo também contribui para o cancelamento.
F: Nesse cenário que eu descrevi, de polarização, mesmo que você fale muito bem para metade de população, a outra metade vai discordar de você. Como sobreviver e se comunicar nesse cenário?
PM: Estamos falando aqui de não ficar na neutralidade. Vivemos numa sociedade hiperconectada onde vai ter 50% que vai bater palmas e 50% que vai te alfinetar. E você tem que saber falar com essa segunda parcela. Isso é reflexo dessa sociedade conectada. Todos nós temos que ser cientistas de narrativas. Aquele media trainning antigo, em que você treinava o executivo para se posicionar diante da câmera, para treinar o discurso etc não existe mais.
F: Em um mundo com epidemia de burnout, isso pode ser mais um peso para os profissionais?
PM: A gente não enxerga com o peso, mas como um processo de qualificação. As habilidades que eu tenho hoje não são suficientes para eu levar meu trabalho para os próximos seis meses, chame isso de FOMO (sigla para Fear of missing out, ou medo de perder alguma coisa), de como quiser chamar.
F: A cultura de uma empresa é estabelecida pelos principais executivos. Qual é o poder da comunicação sobre essa cultura?
PM: Acreditamos no conceito da liderança empática, que é liderar pela empatia e pelo exemplo. Você é porta-voz 24 horas do dia e líder 24 horas por dia. Então tem que saber ouvir muito mais do que falar. Tem que saber escutar, saber perceber. E isso ficou mais importante ainda com o trabalho híbrido. Há uma necessidade enorme de diálogo. Não há sobrevivência sem uma comunicação qualificada.
12 dicas para uma comunicação estratégica
Patrícia Marins e Miriam Moura deixam suas dicas para se comunicar de forma clara e cuidar da reputação:
Não há informação sem um projeto de comunicação;
Atenção não se ganha: conquista-se;
Nanocomunicação: a máxima da pessoalidade;
O combate à informação passa pela educação da sociedade;
Requisitos básicos para um bom porta-voz: credibilidade, simplicidade, serenidade e objetividade;
Fala pouco quem muito sabe;
É importante entender o método de construção de notícias;
Antes de preparar a mensagem, é preciso conhecer seus públicos;
É preciso construir mensagens-chave claras, objetivas e com exemplos, dados e evidência;
A gestão de crise começa antes de ela acontecer, com a prevenção;
Não existe separação entre CPF e CNPJ;
A informação é a mensagem, e a comunicação, a relação.
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