A foodtech austríaca Kern Tec, especializada em processamento de caroço de fruta em produtos que vão de “leite vegetal” a pastas de nozes e outros ingredientes – e que normalmente são descartados como resíduos –, arrecadou US$ 12,8 milhões (R$ 66,2 milhões na cotação atual) em uma rodada de investimento. A categoria de aportes foi a ‘série A’, que é a terceira etapa na escala de startups.
A rodada foi liderada pela Telos Impact, empresa de consultoria da Bélgica, com a participação do fundo Peak Bridge Growth 2, de Luxemburgo, e do fundo do EIC (Conselho Europeu de Inovação). O valor será destinado a aumentar o portfólio de vendas dos ingredientes derivados de sementes e caroços de frutas para produtos lácteos e confeitaria à base de plantas e que trazem ao produto final nutrientes e sabor semelhantes aos de nozes.
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“Este investimento acelerará nossa capacidade de expansão global e permitirá que mais produtos sejam derivados do caroço de frutas no mercado. Isso ampliará o impacto na redução de resíduos, ao mesmo tempo que vai trazer maior crescimento na indústria de laticínios de base vegetal”, disse Luca Fichtinger, cofundador e diretor administrativo da Kern Tec.
As empresas de laticínios estão, de fato, descobrindo que alternativas como derivados de plantas são um grande concorrente aos atuais leites vegetais populares e estão dispostas a expandir a compra de produtos para bebidas sem lactose.
Sem resíduos nem descarte de caroço para a agroindústria da fruta
Fundada em 2019, a Kern Tec surgiu em conversas com agricultores e processadores austríacos de frutas que sofrem com os subprodutos excedentes gerados nas produções de geleias, marmeladas, aguardente e sucos. A empresa já previa, em suas explorações, um mercado interessante para o caroço dos frutos, que era inexplorado devido à falta de métodos de extração eficientes. “As grandes empresas processadoras poderiam ter até quatro mil toneladas desse subproduto, e isso nos parecia uma solução escalável”, diz Fichtinger.
A partir dessa ideia, a equipe decidiu empregar uma série de tecnologias de processamento – agora patenteadas – para quebrar e extrair os caroços das frutas, como ameixa, cereja e damasco e, a partir disso, obter óleos, leite e proteínas em pó. O método transforma a matéria-prima dura em compostos prontos para uso na indústria alimentícia que podem usar esses ingredientes para todos os tipos de alternativas sem lactose.
Ao transformar estes caroços em ingredientes alimentares seguros e sustentáveis, a empresa promove um sistema circular e resiliente com menos desperdício alimentar. De acordo com a startup, somente na Europa, são descartados em aterros todos os anos mais de 500 mil toneladas de caroços de frutas, o que representa 18,6% do total do setor frutícola europeu.
O subproduto do processamento de caroços e sementes também é reaproveitado. “Somos uma empresa com desperdício zero”, afirma Fichtinger, explicando que o excesso de material biodegradável é triturado em partículas muito finas, que pode ser utilizado para paisagismo como alternativa ao cascalho. Outra opção de uso é como adubo na agricultura para dar mais estrutura ao solo.
A cereja, ou melhor, o damasco do bolo
Apesar da empresa ter recebido um prêmio pelo óleo de sementes de cereja, o ingrediente mais vendido é o caroço de damasco, por causa do sabor, aspecto e perfil nutricional, semelhante ao de uma amêndoa.
Ao contrário de muitos novos ingredientes vegetais, os caroços de damasco não precisam de aprovação da EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) porque já fazem parte da dieta local, embora em pequena escala. De acordo com a EFSA e várias outras autoridades nacionais de segurança alimentar, os grãos podem ser consumidos, desde que processados ou cozidos. Na forma crua é proibida a comercialização porque pode causar intoxicação.
Caroço nutritivo da economia circular
Apesar da semelhança com as amêndoas, o caroço de damasco não provoca reações alérgicas em indivíduos com alergia a nozes. O produto também anda de mãos dadas com ganhos ambientais, em comparação com a noz: nos últimos anos a produção de amêndoas tem sido observada pelo uso intensivo de água, enquanto o damasco exige 95% menos água do que o cultivo de amêndoas.
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Teste de mercado direto com os consumidores
Para testar o mercado, a empresa colocou o “leite vegetal” de caroço de damasco nas prateleiras dos supermercados austríacos por meio da marca própria ‘Wunderkern’: “Cada litro custa US$ 2,66 (R$ 13,70) por litro, o que é de 20% a 30% mais barato do que outras marcas à base de plantas”, diz Fichtinger.
O preço mais baixo chamou a atenção de muitas empresas de leite natural que buscavam um caminho alternativo para o competitivo mercado de produtos vegetais. O potencial da KernTec para conquistar a indústria de laticínios é reforçado no slogan de venda que sugere a necessidade de algo novo. “As empresas não estão dispostas a colocar no mercado o décimo quinto leite de amêndoa ou a sétima alternativa de aveia”, afirma o executivo.
A startup processou até agora cerca de 2,5 mil toneladas de caroços, extraídos de 40 mil toneladas de frutas. A projeção é alcançar capacidade produtiva de 20 mil toneladas por ano.
O desafio da Kern-Tec, agora, é recolher mais caroços para expandir o negócio a países vizinhos como a Suíça, Polônia, Itália e Alemanha. A startup acredita que, assim como essas frutas com caroço têm ganhado valor agregado, os agricultores poderão, no futuro, vender os seus produtos a preços mais elevados e os processadores de frutas também poderão lucrar com a venda destes ingredientes, até então descartados.
*Daniela De Lorenzo é colaboradora da Forbes EUA, Wired, Deutsche Welle, Al Jazeera, Vice Media, entre outros. Escreve sobre sistema de produção de alimentos, meio ambiente e política da UE. (tradução: Flávia Macedo).
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