“Aprendi a escutar o que não quero ouvir”, diz Luiza Helena Trajano

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Luiza Helena Trajano

Em uma tarde de setembro, tive o privilégio de sentar com Luiza Helena Trajano em sua sala na sede do Magazine Luiza, localizado na Vila Guilherme. A empresária, que figura na posição 107º da lista dos bilionários brasileiros da Forbes 2023, com um patrimônio estimado em R$ 3,5 bilhões, me recebeu com a sabedoria de quem passou décadas moldando o cenário do varejo no Brasil.

No comando de uma das maiores empresas do país, Luiza Trajano compartilhou os segredos de sua respeitada trajetória. Durante nossa conversa, ela destacou sua presença diária na empresa, onde, como presidente do Conselho, foca principalmente na visão global. ‘Venho todos os dias para a empresa, mas não entro nas reuniões operacionais, nem na administração, fico mais na estratégia’, revelou.

Além de sua atuação no Magazine Luiza, a empresária lidera uma iniciativa global da ONU chamada ‘Women Led Cities’, que visa implementar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável diretamente nas cidades em todo o mundo. “Minha experiência na liderança do Movimento Unidos pela Vacina, juntamente com o Grupo Mulheres do Brasil, permitiu que nós trabalhássemos diretamente com as prefeituras das cidades brasileiras, usaremos essa mesma metodologia para implementar os ODS’s nas cidades em todo o mundo”, explicou.

Luiza também dedicou parte da conversa para contar sobre seu trabalho como mentora de mulheres empreendedoras, uma paixão que a acompanha há mais de uma década. Ela compartilhou a importância de ser apaixonado pelo que faz.

Além de sua influência no mundo dos negócios, Luiza Trajano é uma figura ativa nas redes sociais, onde acumula mais de 717 mil seguidores. Ela descreve suas redes como uma forma de manter contato com os clientes e uma ferramenta valiosa para obter feedback. ‘As redes me trazem, sem querer, uma pesquisa de padrão de qualidade com um custo muito baixo’, destaca. 

Nesta entrevista exclusiva, exploramos não apenas sua carreira notável, mas também sua perspectiva única sobre a liderança, igualdade de gênero e seu compromisso com causas sociais. É uma imersão na vida de uma visionária que desafia convenções em um setor tradicionalmente masculino, mantendo seu equilíbrio entre influência nas redes sociais e responsabilidade cívica. Confira os melhores momentos da conversa a seguir. 

Como é sua rotina no Magazine Luiza atualmente? 

Sou presidente do Conselho, venho todos os dias para a empresa, mas não entro nas reuniões operacionais, nem na administração, fico mais no global, na estratégia. Continuo muito presente, mas numa coisa bem institucional, de olhar a ponta. Fora isso, tem o Grupo Mulheres do Brasil, né? Desde 2013. Dia 8 de outubro completa 10 anos. E a gente tem mulheres em todo o mundo, são 120 mil mulheres. 120 mil mulheres atuantes nas 22 causas que apoiamos.

Foi convidada pela ONU para liderar a iniciativa ‘Women Led Cities’, como vai ser? 

A iniciativa foi definida pela ONU há uns 2 anos e tem como objetivo implementar os 17 ODS’s (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) diretamente nas cidades. Minha experiência na liderança do Movimento Unidos pela Vacina, juntamente com o Grupo Mulheres do Brasil, empresários, setor público e todas as camadas da sociedade, permitiram que trabalhássemos diretamente em cada prefeitura e foram 5.569 cidades. Com nossa metodologia, comprovamos junto aos prefeitos, que quando a sociedade civil e todos setores se juntam, rapidamente atingimos nossos objetivos. Usaremos a mesma metodologia para implementar os ODS’s nas cidades de todo o  mundo.

Já começaram as iniciativas no Brasil? 

Vamos iniciar um piloto focando em duas causas muito importantes: Violência contra a Mulher e Igualdade de Gênero em todos cargos públicos e privados. Nosso piloto inicia-se agora em outubro e termina em abril de 2024. Já definimos seis cidades no Brasil, sendo que escolhemos todas as regiões brasileiras, incluímos também uma cidade na África. A ONU já definiu parcerias com fundos, para que o WLC-Women Led Cities tenha apoio financeiro para a implementação das ODS’s.

Também faz um trabalho significativo como mentora. Conta um pouco sobre ele, por favor.

Tenho um trabalho de mentoria há mais de dez anos com a EY (Ernst Young), focado em pequenas e médias empreendedoras. Minha mentoria hoje não é mais individual, porque, assim, muitas querem falar comigo, então faço uma mentoria em grupo. Fora isso, dou muita palestra, até queria dar mais, mas não dá tempo.

Também não sei como dá tempo de você dar palestra. Acorda que horas? 

Acordo muito cedo, tipo 5h da manhã e é automático, não consigo dormir, até que eu gosto, mas não consigo. Acordo cedo e durmo tarde, tenho pouco sono. 

Já acorda trabalhando? 

Não, não sou essa fanática, faço outras coisas, assisto novela, por exemplo. Vejo as boas, adorei “Vai na Fé”, sabia que ela ia pegar, porque é moderna. Assisto novela porque acho importante saber o que está acontecendo, então vejo tudo. Acompanho as influenciadoras também.

No final de semana também é assim ou dá uma desligada? 

Procuro não trabalhar sábado e domingo, a não ser que não tenha jeito, é claro. Vou muito para Franca ficar com minha tia, a fundadora da empresa, que não tem filhos, fico lá com ela, também tenho uma casa lá. 

Além de referência de liderança brasileira, hoje também é uma influenciadora digital, como administra as duas frentes? 

Não é que eu seja profissional nisso, acabei entrando na influencia porque tenho 717 mil seguidores sem nunca ter feito força de nada, né? 

E você gosta das redes sociais?

Abro minhas redes para os clientes reclamarem do Magazine, aprendi a escutar o que não quero ouvir. Estou sempre atenta, no fim, as redes me trazem, sem querer, uma pesquisa de padrão de qualidade com um custo muito baixo. Sempre fui muito voltada ao pós-venda e com as redes encontrei uma forma de saber a opinião dos meus clientes, mesmo do tamanho que estamos. 

Acha que o crescimento da empresa afetou a qualidade do serviço?   

Sempre falo que qualidade é igual a regime, tem que estar sempre de olho. O crescimento afeta um pouco sim, por isso mantenho minha equipe de base, que trabalha para manter a cultura da empresa, são os guardiões da cultura. O Magazine tem uma cultura muito forte. 

Como resume a cultura da empresa? 

Na frase que está no nosso crachá: faça para o outro o que gostaria que fizessem à você. E minhas portas também estão sempre abertas, desde 1990. Quando você chega na empresa, a primeira pessoa que vê sou eu. A porta da minha sala fica aberta, sou acessível. 

O que considera um líder hoje?

É aquele que leva as pessoas mais longe do que elas acham que podem ir. Pra mim não existe definição melhor. E pra isso, você também tem que se levar mais longe.  

Então o segredo é se desafiar sempre?

Fui uma jovem que saiu do interior de Franca, falo com sotaque puxando o R e fiz questão de não mudar minha essência. O varejo é um meio muito masculinizado, quando comecei, há 30 anos, não tinha quase mulher, se hoje ainda tem poucas, imagine quando comecei, então sempre fiz questão de manter minha feminilidade, até hoje eu não uso calça comprida. 

Por que?

Não que eu não goste, quero deixar isso bem claro, mas na época queria ser feminina, só usava vestido e saia e acho que foi uma intuição que valeu. Também sempre falei o que estava sentindo, intuindo, não fiz distinção da Luiza pessoa física para a jurídica.

Começou a trabalhar cedo?

Sou filha única, minha tia não teve filhos, fui criada com dois primos. O trabalho, pra minha família, sempre foi visto como uma coisa boa, uma diversão. Meu primeiro bico foi quando tinha 12 anos, aproveitei as férias e fui trabalhar para dar presentes para os outros. 

Começou a trabalhar com 12 anos? 

Não, só nas férias. Comecei a trabalhar no varejo com 18 anos, trabalhava e estudava. Venho de uma família em que as mulheres são empreendedoras. Naquela época não era comum as mulheres trabalharem, principalmente as mães, mas na minha família sempre foi tradição as mulheres trabalharem, cresci com a cultura do empreendedorismo feminino em casa. 

Se tivesse que dar apenas um conselho para suas mentoradas, qual seria? 

Primeiro, se elas não querem fazer aquilo, não entrem. Acho que a primeira coisa é o profissional querer. Quando ele quer, fica fácil e não existem barreiras. Segundo, ser muito apaixonado pelo o que faz, e também saber que não é possível ganhar dos dois lados em nada, qualquer decisão tem ônus e bônus. Se você opta por ter seu próprio negócio, é necessário ter muita paciência para esperar o ciclo. 

Acha que paciência é a palavra chave para o empreendedor?

Acho que é alcançar um nível de consciência, não acho que é paciência, porque paciência você fala: “ah, isso vai passar”, é diferente. É saber que aquele é o preço que vai pagar pelo objetivo que quer alcançar. Então, considero o nível de consciência essencial para um empreendedor.  

Quais os maiores desafios que as suas pupilas relatam a você? 

Acho que quando tem filho é a culpa. E eu, como não tive culpa e tive três filhos em três anos e meio, consigo ajudar bastante com esta questão. 

Não sentiu a culpa maternal? 

Quando tive meu primeiro filho,  como a minha mãe já trabalhava fora há tempos, ela falou: “olha, você tá tendo a coisa mais importante da tua vida, mas não tem receita”, e ela tinha razão. Tem mãe que trabalha fora e tem filhos ótimos, tem mãe que trabalha fora e não tem, tem mãe que fica em casa, tem filhos excelentes, tem mãe que fica à disposição e não tem filhos legais. Então não tem receita. 

Qual seu conselho para não sentir culpa?

Bom senso, muito amor e não se apague a culpa. Acredito que a culpa é uma coisa que pega todas as gerações de mulheres empreendedoras, é uma característica da mulher que trabalha fora sentir culpa. 

A educação financeira também deve ser um grande problema, né? 

Não, acho que hoje existem muitos cursos de educação financeira.  O que as  pessoas precisam entender é que uma empresa leva em média cinco anos para começar a prosperar. É igual filho, vem aquela euforia quando nasce, depois vem os choros, vem as dificuldades. Até cinco, seis anos uma empresa leva para amadurecer. Eu não digo que precisa de paciência, porque não quero ligar a ficar esperando, digo que o empreendedor precisa de um entendimento de tempo. 

Vanguarda e pioneirismo são duas marcas bem fortes suas e dos seus negócios. Como se mantém sempre à frente do seu tempo?

Penso fora da caixa. Minha mãe e minha tia foram as grandes influências da minha vida. Minha tia me ensinou muito sobre empreendedorismo, mas ela não tem muita inteligência emocional. Ela está viva, com problemas de demência, mas é muito forte. Nunca escutei dela que não tínhamos dinheiro, era vai trabalhar e faz. Ela sempre falava: “crise é sinal de oportunidade”.

E sua mãe?

A minha mãe era da solução. Então, se eu chegasse da escola falando mal da professora, ela não ficava me tratando como uma coitadinha. Ela falava: “o que que você pode fazer pra professora gostar de você?”. Ela sempre me questionava e mostrava que a solução estava comigo.  

Por isso se considera fora da caixa?

Sim, porque pra buscar a solução, tem que pensar diferente. Então a minha cabeça é muito de solução. Vejo um problema e  já busco a solução. A não ser com a saúde, aí é mais difícil. 

Falando em saúde, como cuida da sua? Faz esportes? 

Fiz  doze anos de personal trainer, nunca me viciei. É a única coisa que faço, que se pudesse não faria (risos). Também faço pilates duas vezes por semana, das 6h às 7h. Faço porque preciso, mas tem uma coisa, quando estou fazendo, estou 100% ali. Aprendi a estar inteira, é um exercício. 

Se pudesse olhar pra trás, mudaria alguma coisa na sua trajetória?

Olha, me fazem muito essa pergunta, mas é interessante porque não vejo um erro como um castigo. Eu vejo o erro como um aprendizado. Não tenho esse compromisso de ser perfeita. Então, acho que se pudesse voltar no tempo faria as mesmas coisas, mas com mais leveza.  

E do que mais se orgulha na sua trajetória? 

Nunca ter perdido meu propósito. Nunca ter deixado me levar pelo poder ou pelos títulos que ganhei. 

 Qual é o peso de ser Luiza Helena Trajano? 

Sabe que não sinto esse peso Sofia, sou grata, agradeço, mas não faço disso um status. Sei que tenho muita responsabilidade como figura pública. Eu sou, pelo quinto ano seguido, eleita a líder com maior reputação pela consultoria espanhola Merco, um título sério, mas não deixo subir a cabeça. 

Se considera uma política?

Sou política, totalmente apartidária, mas sou uma política que luta pela igualdade social e pela igualdade de modo geral. 

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