Todas as manhãs, milhares de funcionários do TikTok pelo mundo começam o dia de trabalho entrando no Lark, um software de trabalho desenvolvido pela chinesa ByteDance, a controladora do app de vídeos curtos. Na página inicial do Lark, intitulada Workplace, eles recebem notificações push de um fórum corporativo, que tem canais como “Atualizações da ByteDance”, “Discussões de trabalho”, “Feedback sobre o produto” – e outro canal chamado “Meet Cute”.
No Meet Cute, os funcionários anunciam pessoas disponíveis para relacionamentos, como familiares e amigos – colegas de trabalho da própria ByteDance não podem ser anunciados. As postagens geralmente têm fotos da pessoa disponível para o relacionamento, muitas vezes junto com sua altura, peso e outros atributos físicos e de personalidade.
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“O Meet Cute deve ser usado para apresentar amigos de fora da empresa aos funcionários da ByteDance. Não publique informações de colegas do trabalho ou as suas próprias”, diz uma instrução na página no topo do canal. A página diz que o canal gerou mais de 420 encontros e já teve mais de 11,5 mil interações.
Os comentários das postagens mostram funcionários do TikTok e da ByteDance avaliando as pessoas como potenciais parceiros – em um tópico de comentários, vários homens classificam uma mulher, prima de um colega. Em outra, na qual homens discutem o peso da mulher, um usuário se gaba: “minha namorada é mais magra que a sua namorada”.
Plataformas e ambientes luxuosos para atrair talentos
Os usuários do ByteMoments parecem ser, em sua maioria, funcionários chineses, onde várias outras gigantes da tecnologia também oferecem fóruns de namoro ou serviços de matchmaking para seus funcionários, incluindo Alibaba, Meituan e Huawei. Ainda assim, a plataforma ByteMoments é usada por funcionários da TikTok em todo o mundo, porque dependem dela para realizar seu trabalho. Três funcionários da TikTok disseram à Forbes que o papel da empresa em facilitar o matchmaking parecia uma invasão das fronteiras pessoais.
Se você atrair funcionários jovens e talentosos para o escritório e fizer com que queiram ficar, eles trabalharão mais e de maneira mais engajada.
Lik Sam Chan, professor da Universidade Chinesa de Hong Kong que estudou aplicativos de namoro chineses, disse que nunca tinha ouvido falar desses programas, mas não ficou surpreso com sua existência. Antes de a China abrir a sua economia no final dos anos 1980, explicou ele, as “unidades de trabalho” (ou “danweis”) das pessoas eram o centro da vida da maioria dos jovens e, além de serem o seu local de emprego, essas unidades eram organizações sociais que ofereciam serviços de namoro para seus empregados.
Agora, disse ele, algumas empresas estão desempenhando um papel semelhante na vida dos funcionários. Em ambientes tecnológicos e modernos, os funcionários passam longas horas fazendo compras, comendo e socializando sem nem sair do trabalho. “Se você não consegue namorar fora da empresa – e não consegue, porque está na empresa o tempo todo – então você busca isso dentro dela, e acho que é por isso que esses serviços aparecem”, diz. Ele afirmou que mesmo algumas fábricas na China oferecem serviços de matchmaking aos seus funcionários.
Assim como as empresas tecnológicas chinesas, gigantes do Vale do Silício, como Apple, Meta e Google, construíram ambientes de trabalho luxuosos, equipados com tudo, desde piscinas privadas, teatros e parques, restaurantes de qualidade, bebidas alcoólicas gratuitas e transporte privado para o trabalho todos os dias. Em todas as culturas, o sistema de incentivos é simples: se atrairmos funcionários jovens e talentosos para o escritório e os fizermos querer ficar, então tornarão o trabalho uma parte mais central da sua vida e identidade.
A maioria das empresas de tecnologia dos EUA também tem alguma forma de rede social interna – seja construída em software da própria empresa, como o Workplace do Facebook, ou em ferramentas externas, como o Slack. Mas essas empresas geralmente não oferecem espaços para romance nas plataformas de trabalho, provavelmente porque poderiam fazer com que os funcionários se sentissem invadidos, pressionados ou desconfortáveis.
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Chan observou que muitas empresas na China, como as dos Estados Unidos, proíbem relacionamentos românticos entre funcionários, o que provavelmente explica por que a ByteMoments permite postagens para amigos e parentes, mas não para si. Ainda assim, especialmente em grandes empresas – tal como nos Estados Unidos – as relações entre os funcionários não são incomuns.
Diferenças culturais colocam o Meet Cute à prova
Alguns funcionários da ByteDance nos EUA falaram publicamente sobre como a sede chinesa da empresa influenciou suas experiências de trabalho. Em um artigo de 2022, uma ex-funcionária da ByteDance chamada Melody Chu escreveu sobre seu ano e meio no TikTok, onde teve sua primeira experiência trabalhando para uma empresa fora dos EUA. “Estamos acostumados com a sede da nossa empresa estar no Vale do Silício – ou pelo menos dentro dos EUA. Outras regiões trabalham em torno do nosso fuso horário e outras regiões se alinham com nossos padrões culturais e linguísticos. Não é assim no TikTok”, afirma.
Ela também disse que muitas vezes faltavam coisas na comunicação interna. “A falta de comunicação era gigante. A questão central é que a ByteDance aplica as mesmas políticas e culturas de trabalho que usa na China às equipes dos EUA, forçando a dependência entre países e fazendo com que as equipes se comportem de maneira semelhantes aos que estão na China”, diz Chu.
TikTok e ByteDance se recusaram a comentar o assunto até o momento. Após a publicação da reportagem, a porta-voz da ByteDance, Jodi Seth, enviou a seguinte declaração por e-mail: “Consideramos as diferenças culturais ao construir aplicativos internos como o ByteMoments. A função Meet Cute foi projetada especificamente como um recurso opcional apenas para funcionários da China continental. Nas últimas semanas, um bug técnico permitiu brevemente que alguns funcionários em outros mercados adicionassem o canal aos seus ByteMoments. O bug já foi resolvido.”
Na China, a ByteDance tem sido aberta sobre o seu papel como casamenteira para os funcionários. Uma publicação de uma das marcas da empresa em 2020 anunciou o serviço interno de matchmaking da empresa, conhecido como “Projeto Taro”. Em uma manchete, a postagem dizia: “Todos os funcionários da Byte são casamenteiros, criando a plataforma de namoro pela internet mais confiável”. Ele anunciava que a proporção entre homens e mulheres era de um para nove e aconselhava os usuários a “ver encontrar um parceiro como um OKR”, usando um termo que significa “objetivos e resultados-chave”, um sistema de definição de metas amplamente utilizado no Vale do Silício.
Chan, professor da Universidade Chinesa de Hong Kong, diz que o desejo das pessoas em encontrar um parceiro reflete as fortes expectativas chinesas de que especialmente as mulheres deveriam se casar antes dos 20 e poucos anos.
Tensão entre cultura interna e imagem externa da empresa
Para alguns funcionários da TikTok, a presença dos ByteMoments no seu dia de trabalho expôs uma disparidade entre a cultura interna da empresa e a sua imagem para o mundo. A empresa se esforçou para desenvolver boa vontade com criadores de conteúdo de diversas origens, orientações sexuais e gêneros. Quando o TikTok levou influenciadores para Washington, nos EUA, em março deste ano, para trazer uma imagem positiva, o grupo era jovem, queer e racialmente diverso, representando uma geração Z progressista.
Mas o TikTok enquanto local de trabalho, dizem os funcionários, nem sempre mostrou o mesmo compromisso com a diversidade e a paridade de gênero da mesma maneira. Em 2020, reportagem do The Intercept mostrou que a empresa disse aos moderadores de conteúdo para apagar postagens de pessoas com “formato de corpo anormal”, “aparência feia” e outras características físicas. Em 2022, a empresa demitiu um executivo sênior londrino, após o “Financial Times” revelar que ele havia dito aos funcionários que não “acreditava” na licença maternidade.
Da mesma maneira, como qualquer plataforma de conteúdo gerado pelo usuário, a ByteMoments também tem publicações discriminatórias. Em alguns tópicos recentes, os funcionários fizeram comentários depreciativos sobre japoneses. Vários posts recentes fizeram referência ao Japão jogando águas radioativas tratadas no oceano, sugerindo que o país e sua comida eram impuros como resultado disso. No canal Meet Cute ByteMoments, a empresa lembra aos usuários que ByteMoments é uma plataforma, não um serviço, e que portanto não é responsável por garantir que as postagens sejam precisas.
Um funcionário da equipe de “cultura organizacional” da empresa escreveu um post alertando os colegas para se protegerem ao se encontrarem com estranhos – um aviso que é reiterado na introdução do Meet Cute. “Seja criterioso ao interagir com os anúncios”, diz. “A empresa não é responsável por eventuais problemas”.
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