Saúde mental no esporte de alto rendimento: por que precisamos falar sobre isso

  • Post author:
  • Reading time:6 mins read
Dylan Martines/Reuters

Simone Biles desistiu de competir nas provas em equipe e individual geral na Olimpíada de Tóquio

Desde os Jogos Olímpicos de Tóquio, este vem sendo um assunto bastante abordado, além de Simone Biles, que decidiu colocar sua saúde mental em primeiro lugar e não competir, vimos outros atletas falarem sobre suas vulnerabilidades emocionais com mais frequência. Casos de depressão, transtorno do pânico, transtornos alimentares, abuso de substâncias e suicídio vêm sendo trazidos à tona como nunca vimos antes.

Isso não quer dizer que não havia atletas sofrendo no passado, provavelmente eles sofriam calados pelo estigma que ainda existe de falar sobre o tema e isso estar associado as pessoas fracas ou frágeis. Atletas, geralmente, são inspiração de força e resiliência, e demonstrar vulnerabilidade nunca foi bem visto na arena de competição. Os que apresentam alguma fragilidade, geralmente, são engolidos pela tração do alto rendimento.

Leia também:

O tênis transformando vidas e potencializando oportunidades para crianças e jovens
O papel da filantropia estratégica no enfrentamento às desigualdades estruturais no Brasil
A importância de uma equipe multidisciplinar no tênis

Nessa dinâmica de não poder demonstrar fraquezas e vulnerabilidades, muitos atletas sofreram e ainda sofrem calados, adoecem mentalmente e não pedem ajuda. Parte desse público, provavelmente, se aposenta do esporte sem ao menos saber que o que tinha podia ser prevenido e tratado.

Na prática conhecida pelo “no pain no gain”, o ambiente do esporte ensina que é preciso sacrifícios, abdicações e dores pelo caminho do atleta. O que é muito verdade. O que estamos começando a ensinar aos atletas, treinadores e todos os profissionais do esporte é que o resultado esportivo não precisa ser a qualquer custo! Não é preciso quebrar o atleta fisicamente e mentalmente para que ele chegue à excelência. Também é importante informar que casos de saúde mental no esporte têm como serem prevenidos e têm tratamento, mas para isso é necessário conhecimento sobre o assunto e um comprometimento de todos os envolvidos no esporte.

Diante de todo desenvolvimento, inovação e tecnologia que temos dentro das ciências do treinamento, nutrição, medicina esportiva, reabilitação de atletas e psicologia do esporte, vemos cada vez mais novas ferramentas e instrumentos, além de muito conhecimento sobre todas as variáveis que interferem no rendimento esportivo.

Sabemos, por exemplo, que excesso de carga de treino e baixa recuperação pode levar a um overreaching e, consequentemente, a um overtraining (síndrome do excesso de treinamento) com sintomas de depressão presentes. E, atualmente, temos vários recursos para controlar a carga do atleta e avaliar como ele está do ponto de vista psicológico. Também já sabemos que o atleta que tem uma deficiência energética, ou seja, aquele que não repõe calorias suficientes diante de tudo que o corpo dele trabalha pode desenvolver uma síndrome da deficiência energética relativa no esporte (RED-S Relative Energy Deficiency in Sports) que também vai ter impactos psicológicos, além de impactos metabólicos, redução na imunidade e maior chance de lesões.

Atualmente, um atleta que tem uma equipe interdisciplinar atualizada sabe que mudança no humor do atleta, desmotivação e sinais de perda de prazer no treino pode estar diretamente relacionado a déficits em recuperação física e emocional. E que a intervenção nesse caso, além de acompanhamento do profissional de saúde mental, precisa ser em conjunto com todos os profissionais do atleta, verificando e adequando quantidade de carga, descanso, sono, avaliação nutricional, além de estratégias de descompressão emocional.

O ambiente do atleta está repleto de agentes estressores que, se não bem manejados, podem ser gatilhos para que questões de saúde mental se instalem. Lesões severas, cirurgias e dor crônica. Pressão por resultado, ansiedade competitiva, medo de falhar ou de perder a posição de titular. Queda de desempenho, histórico de assédio e abuso, dinâmica de equipe aversiva e com baixo suporte e um perfil psicológico perfeccionista mal adaptado são potenciais gatilhos para sofrimento emocional.

Portanto, antes de achar que um atleta está de frescura ou que a geração dele é “Nutella” e que a sua geração que era “raiz”, precisamos de um bom diagnóstico do que está acontecendo em todas as áreas do atleta: treinos, recuperação, nutrição, níveis de estresse.

Os atletas também têm vida pessoal, problemas familiares e questões financeiras, entre outras questões que também podem estar presentes. Essa sobrecarga do estresse pessoal, acrescida da sobrecarga nos treinamentos, pode também exercer um fator para o desenvolvimento de uma vulnerabilidade emocional. Nesse caso, o treinador e a equipe interdisciplinar precisam estar informados e intervir no apoio ao atleta em conjunto muitas vezes com a família do atleta.

Para finalizar, é importante descrever o que previne que atletas desenvolvam transtornos mentais. É importante que o atleta tenha autoestima preservada e repertório de autocuidado, conheça suas necessidades e saiba como manter uma rotina que equilibre seus deveres e seus direitos. O atleta que tem maior autonomia, que é capaz de refletir e buscar solução dos próprios problemas, que tem percepção de competência no que faz e estabelece relações positivas de apoio, também está mais bem preparado para enfrentar os desafios do esporte de alto rendimento.

Experimentar satisfação com a carreira é condição fundamental para garantir equilíbrio e saúde emocional. Mas o atleta não pode estar sozinho nessa, o ambiente esportivo e todos envolvidos precisam estar comprometidos em desenvolver os fatores de proteção tais como: dar acesso às informações sobre saúde mental, quais os sintomas e para quem pedir ajuda, bem como criar espaço para que esse tema possa ser discutido de maneira acolhedora. É importante capacitar técnicos e treinadores sobre o assunto para que saibam como manejar casos que possam aparecer em suas equipes.

Qualquer pessoa engajada no esporte de alto rendimento precisa saber que, assim como ela é responsável por um ambiente que busca excelência de resultado, ela também é responsável pela saúde integral de uma pessoa: o atleta ou a atleta.

Divulgação

Carla Di Pierro, psicóloga da equipe multidisciplinar do Time RTB

Carla Di Pierro é psicóloga da equipe multidisciplinar do Time RTB. Formada pela PUC-SP. Pós-graduada em Saúde Mental em atletas de Elite pelo Comitê Olímpico Internacional. Atuou na preparação psicológica de atletas do Rio-2016 e Tóquio-2020 e participa da preparação dos Jogos de Paris2024. Também é psicóloga do Comitê Olímpico do Brasil e do time de vôlei feminino SESC RJ Flamengo, comandado por Bernardinho.

O post Saúde mental no esporte de alto rendimento: por que precisamos falar sobre isso apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Deixe um comentário