Desde os Jogos Olímpicos de Tóquio, este vem sendo um assunto bastante abordado, além de Simone Biles, que decidiu colocar sua saúde mental em primeiro lugar e não competir, vimos outros atletas falarem sobre suas vulnerabilidades emocionais com mais frequência. Casos de depressão, transtorno do pânico, transtornos alimentares, abuso de substâncias e suicídio vêm sendo trazidos à tona como nunca vimos antes.
Isso não quer dizer que não havia atletas sofrendo no passado, provavelmente eles sofriam calados pelo estigma que ainda existe de falar sobre o tema e isso estar associado as pessoas fracas ou frágeis. Atletas, geralmente, são inspiração de força e resiliência, e demonstrar vulnerabilidade nunca foi bem visto na arena de competição. Os que apresentam alguma fragilidade, geralmente, são engolidos pela tração do alto rendimento.
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Nessa dinâmica de não poder demonstrar fraquezas e vulnerabilidades, muitos atletas sofreram e ainda sofrem calados, adoecem mentalmente e não pedem ajuda. Parte desse público, provavelmente, se aposenta do esporte sem ao menos saber que o que tinha podia ser prevenido e tratado.
Na prática conhecida pelo “no pain no gain”, o ambiente do esporte ensina que é preciso sacrifícios, abdicações e dores pelo caminho do atleta. O que é muito verdade. O que estamos começando a ensinar aos atletas, treinadores e todos os profissionais do esporte é que o resultado esportivo não precisa ser a qualquer custo! Não é preciso quebrar o atleta fisicamente e mentalmente para que ele chegue à excelência. Também é importante informar que casos de saúde mental no esporte têm como serem prevenidos e têm tratamento, mas para isso é necessário conhecimento sobre o assunto e um comprometimento de todos os envolvidos no esporte.
Diante de todo desenvolvimento, inovação e tecnologia que temos dentro das ciências do treinamento, nutrição, medicina esportiva, reabilitação de atletas e psicologia do esporte, vemos cada vez mais novas ferramentas e instrumentos, além de muito conhecimento sobre todas as variáveis que interferem no rendimento esportivo.
Sabemos, por exemplo, que excesso de carga de treino e baixa recuperação pode levar a um overreaching e, consequentemente, a um overtraining (síndrome do excesso de treinamento) com sintomas de depressão presentes. E, atualmente, temos vários recursos para controlar a carga do atleta e avaliar como ele está do ponto de vista psicológico. Também já sabemos que o atleta que tem uma deficiência energética, ou seja, aquele que não repõe calorias suficientes diante de tudo que o corpo dele trabalha pode desenvolver uma síndrome da deficiência energética relativa no esporte (RED-S Relative Energy Deficiency in Sports) que também vai ter impactos psicológicos, além de impactos metabólicos, redução na imunidade e maior chance de lesões.
Atualmente, um atleta que tem uma equipe interdisciplinar atualizada sabe que mudança no humor do atleta, desmotivação e sinais de perda de prazer no treino pode estar diretamente relacionado a déficits em recuperação física e emocional. E que a intervenção nesse caso, além de acompanhamento do profissional de saúde mental, precisa ser em conjunto com todos os profissionais do atleta, verificando e adequando quantidade de carga, descanso, sono, avaliação nutricional, além de estratégias de descompressão emocional.
O ambiente do atleta está repleto de agentes estressores que, se não bem manejados, podem ser gatilhos para que questões de saúde mental se instalem. Lesões severas, cirurgias e dor crônica. Pressão por resultado, ansiedade competitiva, medo de falhar ou de perder a posição de titular. Queda de desempenho, histórico de assédio e abuso, dinâmica de equipe aversiva e com baixo suporte e um perfil psicológico perfeccionista mal adaptado são potenciais gatilhos para sofrimento emocional.
Portanto, antes de achar que um atleta está de frescura ou que a geração dele é “Nutella” e que a sua geração que era “raiz”, precisamos de um bom diagnóstico do que está acontecendo em todas as áreas do atleta: treinos, recuperação, nutrição, níveis de estresse.
Os atletas também têm vida pessoal, problemas familiares e questões financeiras, entre outras questões que também podem estar presentes. Essa sobrecarga do estresse pessoal, acrescida da sobrecarga nos treinamentos, pode também exercer um fator para o desenvolvimento de uma vulnerabilidade emocional. Nesse caso, o treinador e a equipe interdisciplinar precisam estar informados e intervir no apoio ao atleta em conjunto muitas vezes com a família do atleta.
Para finalizar, é importante descrever o que previne que atletas desenvolvam transtornos mentais. É importante que o atleta tenha autoestima preservada e repertório de autocuidado, conheça suas necessidades e saiba como manter uma rotina que equilibre seus deveres e seus direitos. O atleta que tem maior autonomia, que é capaz de refletir e buscar solução dos próprios problemas, que tem percepção de competência no que faz e estabelece relações positivas de apoio, também está mais bem preparado para enfrentar os desafios do esporte de alto rendimento.
Experimentar satisfação com a carreira é condição fundamental para garantir equilíbrio e saúde emocional. Mas o atleta não pode estar sozinho nessa, o ambiente esportivo e todos envolvidos precisam estar comprometidos em desenvolver os fatores de proteção tais como: dar acesso às informações sobre saúde mental, quais os sintomas e para quem pedir ajuda, bem como criar espaço para que esse tema possa ser discutido de maneira acolhedora. É importante capacitar técnicos e treinadores sobre o assunto para que saibam como manejar casos que possam aparecer em suas equipes.
Qualquer pessoa engajada no esporte de alto rendimento precisa saber que, assim como ela é responsável por um ambiente que busca excelência de resultado, ela também é responsável pela saúde integral de uma pessoa: o atleta ou a atleta.
Carla Di Pierro é psicóloga da equipe multidisciplinar do Time RTB. Formada pela PUC-SP. Pós-graduada em Saúde Mental em atletas de Elite pelo Comitê Olímpico Internacional. Atuou na preparação psicológica de atletas do Rio-2016 e Tóquio-2020 e participa da preparação dos Jogos de Paris2024. Também é psicóloga do Comitê Olímpico do Brasil e do time de vôlei feminino SESC RJ Flamengo, comandado por Bernardinho.
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