Levou apenas alguns meses para que o sonho de tornar a arte em uma fonte de renda duradoura acabasse. A OpenSea, que já teve a liderança no mercado de artes vinculadas a Non Fungible Tokens (NFT), ou tokens não fungíveis, teve que revisar sua política de pagamentos de royalties aos criadores de NFT a partir de setembro.
A decisão veio depois de perder seu domínio para a concorrente gratuita Blur, que foi lançada em outubro de 2022, mas rapidamente conquistou sua adesão no mercado por não cobrar taxas dentro da plataforma, tornando-se o principal site de negociação de NFTs em fevereiro. De acordo com o The Block, o volume geral de negociações de NFT despencou de cerca de US$ 5,36 bilhões em janeiro de 2022, para US$ 410 milhões em agosto. A participação da OpenSea no mercado de NFTs caiu para menos de 30%.
Além de não cobrar tarifas, a Blur não obriga os vendedores a cumprir acordos de royalties. Já os artistas que lançam seus trabalhos no OpenSea e em alguns mercados menores podem ter de pagar royalties nas transações após a venda inicial. A OpenSea, que fiscalizava esses acordos, parou com a prática depois de agosto, e parece improvável que os compradores paguem por vontade própria. Sem a garantia de um fluxo de royalties a longo prazo, a criação de obras ligadas a NFTs diminuiu, e os preços das artes geradas por computadores, muitas vezes ligadas aos tokens, caíram em sequência.
Segundo Amy Whitaker, professora da Universidade de Nova York, fazer arte é correr riscos. “Faz sentido, portanto, que os artistas compartilhem o lado positivo que ajudaram a criar.” Ela considerou a decisão da OpenSea de abandonar os royalties como “infeliz”.
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As obras digitais codificadas em blockchains ganharam popularidade em 2021, depois que o artista Beeple vendeu uma coleção de imagens já publicadas na sua página do Instagram por US$ 69 milhões. Percebendo o valor atribuído a um processo aparentemente simples –fazer upload de um arquivo digital para um mercado NFT, que o codificaria, mediante o pagamento de uma taxa, em um blockchain – centenas, senão milhares de artistas aderiram à prática.
Os colecionadores diziam que a arte atrelada ao blockchain democratizaria o acesso do mercado artístico, tornando obsoleto o sistema de leilões e galerias de arte. Compradores e artistas também alegaram que o pagamento descentralizado de royalties garantiria que os autores poderiam se beneficiar com a valorização das suas obras, ganhando aproximadamente de 10% por venda.
Em sua breve trajetória, boa parte da arte vinculada ao NFT foi digital, geralmente composta por uma série de imagens semelhantes com vários recursos exclusivos, o que tornavam algumas imagens mais colecionáveis do que outras. Mas qualquer coisa pode ser vinculada a um token se associado a um blockchain, inclusive a arte tradicional, imóveis e até mesmo instrumentos musicais. Assim, a tecnologia poderia acelerar as transações, eliminando o processo intermediário em muitos setores.
Mercado em queda
O próprio mercado de NFTs enfraqueceu. Segundo uma pesquisa da DappRadar, depois de atingir o pico de US$ 16 bilhões em janeiro de 2022, as negociações de NFT despencaram, com apenas US$ 559 milhões sendo negociados em agosto para 3,2 milhões de transações, uma redução de volume de mais de 60% em relação ao ano passado. Mesmo assim, apenas 15% das carteiras ativas contribuíram para as transações NFT de agosto. Em julho, apenas 4% das carteiras negociavam NFTs.
Poucas transações e menos usuários mostram os novos parâmetros na negociação de NFT, o que é uma má notícia para os artistas digitais: os comerciantes têm dominado o mercado, e a maioria se recusa a pagar royalties.
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Bored Ape
As mudanças na política de royalties na OpenSea e em outras plataformas devem ser um alerta para o fabricante do Bored Ape Yacht Club, de Yuga Labs. Desde que estreou em abril de 2021, Yuga recebeu US$ 58 milhões em royalties pelas revendas de sua coleção Bored Ape. Sua coleção Mutant Ape Yacht Club e “Otherdeed” arrecadou quase US$ 100 milhões a mais. A Chiru Labs, que projetou a coleção Azuki inspirada em anime, e a Doodles, fornecedora de ilustrações em tons pastéis, também tiveram grandes lucros.
Alguns grandes criadores tornaram-se casos isolados devido ao reconhecimento que conquistaram, incluindo exposições em museus tradicionais, e ainda podem lucrar muito em vendas primárias. A Chiru Labs, por exemplo, arrecadou US$ 38 milhões antes de seu tão aguardado “Elementals”, embora os negociantes tenham pensado que a coleção de personagens com designs quase idênticos era um fracasso.
As maiores consequências da perda de royalties provavelmente recairão sobre os pequenos criadores, cujos pagamentos mensais têm sido de centenas ou poucos milhares de dólares, mas que incluíram a receita no seu planejamento financeiro, de acordo com Calderón.
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Fiscalização da SEC
Combinado com a evaporação dos royalties, os criadores de NFT enfrentam novas questões regulatórias nos EUA. No mês passado, a Securities and Exchange Commission (SEC), equivalente americana da Comissão de Valores Mobiliários, exigiu que a Impact Theory, um estúdio de mídia digital que arrecadou US$ 30 milhões com suas vendas de NFT desde 2021, revisasse os contratos para eliminar qualquer pagamento de royalties de futuras transações no mercado secundário.
A SEC alega que a empresa vendeu títulos criptográficos não registrados. Como a Impact coleta e lucra com os royalties (fixados em 10%), e não com o artista digital, seus NFTs são títulos, afirma a SEC. Esta semana, a SEC também multou os criadores da coleção Stoner Cats em US$ 1 milhão pela venda de títulos não registrados.
Se a SEC estiver considerando os pagamentos de royalties como um critério para tratar os tokens como títulos, os estúdios de NFT, bem como os colecionadores e até mesmo as plataformas de negociação podem ser suscetíveis aos mesmos tipos de ações de fiscalização que a agência tem tomado contra empresas de criptomoedas. A forma como os NFTs da Impact Theory foram estruturados pode torna-los suscetíveis a essa fiscalização, reduzindo ainda mais o interesse dos investidores.
Tradução: Lívia Della Volpe
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