123 Milhas pode ser considerada pirâmide financeira?

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Nora Carol Photography/Getty Images

Empresa adquire milhas geralmente a preços mais baixos do que seu valor de mercado e as utiliza como moeda para adquirir passagens aéreas

Em funcionamento desde 13 de junho deste ano, a Comissão Parlamentar de Inquérito das pirâmides financeiras convocou, para a quarta-feira (30), dois empresários que não trabalham com criptomoedas. São os irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Júlio Soares Madureira, sócios da plataforma de desconto 123 milhas. Os parlamentares suspeitam que a companhia, que pediu recuperação judicial na terça-feira (29), seja uma pirâmide.

Desde metade do século passado, construir pirâmides financeiras é crime no Brasil. A Lei nº 1.521, de 1951, define em seu artigo 2º que pirâmide é um modelo de negócio no qual a empresa “vende” algo com a promessa de um retorno grande e rápido, ou com alguma vantagem excessivamente desproporcional em relação a outras empresas.

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No caso da 123 Milhas, a empresa oferecia pacotes de viagens a preços bastante baixos, com um intervalo considerável entre a data de compra e a viagem. Só aí havia uma estratégia muito diferente das companhias aéreas, que geralmente não vendem passagens com mais de 12 meses de antecedência.

No dia 18 de agosto, a 123 milhas suspendeu a emissão de passagens já pagas, o que sugere problemas de fluxo de caixa. Se a empresa tiver usado o dinheiro das vendas recentes para cobrir compromissos anteriores (como passagens vendidas anteriormente), isso pode indicar práticas que descumprem a lei de 1951. “Esse modelo, onde os recursos de novas vendas são usados para cumprir obrigações antigas, é semelhante à estrutura de uma pirâmide financeira”, afirma Anthonio Araújo, especialista em administração de empresas e CEO da Smart Business.

Além disso, há suspeitas dos parlamentares de que a empresa dependia do recrutamento contínuo de novos membros para pagar os retornos prometidos. Isso significa que a companhia constantemente precisava atrair novos clientes. Para isso, a empresa não economizava para chamar a atenção. Em 2021, ela foi a maior anunciante do Brasil, com um gasto de R$ 2,37 bilhões em espaços publicitários, inclusive mídia em aeroportos. Em 2022, a companhia ficou em segundo lugar, com um investimento total de R$ 1,18 bilhão. Os dados são do ranking Agências & Anunciantes, em parceria com a Kantar Ibope Media, divulgado pelo jornal Meio & Mensagem.

Outro aspecto de pirâmide apontado pelos especialistas é o fato de a 123 milhas operar em um mercado não regulamentado. Isso é comum nesses casos. O melhor exemplo são as criptomoedas. No Brasil, ainda não existe uma legislação específica para tratar da comercialização de milhas. Portanto, não se sabe se o que está sendo vendido/comprado possui lastro, colocando em dúvida a legitimidade das operações, pois podem ser meras especulações.

“Das duas, uma: ou houve falta de planejamento da empresa ou ela agiu de má-fé para obter ganhos rápidos em um espaço de tempo muito curto”, diz Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

As pirâmides desabam quando o dinheiro acaba e ocorre a suspensão de pagamento aos clientes e investidores. Em meados de agosto, a 123 milhas informou que suspendeu a emissão de passagens compradas de sua linha promocional programadas para 2023. A agência informou que iria reembolsar quem possuía embarques agendados entre setembro e dezembro deste ano. O valor teria correção monetária, mas seria pago em vouchers para serem usados posteriormente pelos clientes. No entanto, em 29 de agosto, a companhia solicitou a recuperação judicial, na 1ª Vara de Direito Empresarial de Belo Horizonte e informou uma dívida de R$ 2,31 bilhões.

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A advogada Thaís Oliveira explica que o procedimento de recuperação judicial tem uma ordem para o pagamento de credores. Portanto, se o pedido for aceito, os consumidores serão os últimos a receber. “A agência terá permissão para suspender os pagamentos.”

Modelo de negócio insustentável

O cerne do modelo de negócios da 123 Milhas é a intermediação entre dois grupos distintos. De um lado, indivíduos que acumularam milhas e, do outro, consumidores em busca de passagens aéreas com preços mais acessíveis. É aqui que a 123 Milhas atua. A empresa adquire milhas dos primeiros indivíduos, geralmente a preços mais baixos do que seu valor de mercado, e as utiliza como moeda para adquirir passagens aéreas. A diferença entre o custo de aquisição das milhas e o preço pelo qual a passagem é vendida representa a margem de lucro da empresa.

“Embora essa margem possa parecer pequena em transações individuais, o volume massivo de operações realizadas diariamente garante uma lucratividade robusta”, diz Araújo. “A empresa também estabelece parcerias estratégicas com outras entidades, como bancos e instituições financeiras. Estas parcerias podem envolver comissões por transações realizadas através de links de afiliados ou bonificações por cada novo cliente referido.”

Na análise de Marcos Freitas, especialista em crescimento empresarial, o modelo de negócio da 123 Milhas é insustentável e extremamente arriscado, já que a empresa investiu muito em marketing e não garantiu a entrega. “Eu acredito que ela não vai sobreviver, visto que tem também muitos processos.”

Procurada, a 123 Milhas não se pronunciou.

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