Café “natural” do Brasil chega ao mercado premium em desafio para pequenos produtores

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Amanda Perobelli/

Grãos de café

O café arábica do Brasil, geralmente classificado como de qualidade inferior, chegou em grandes volumes ao principal mercado de fixação de preços do mundo, disseram traders, em um novo desafio para grãos premium escolhidos a dedo de fazendas menores e menos eficientes em outras partes da América Latina e da África.

Potência agrícola, o Brasil cultiva quase metade do arábica do mundo, colhido em boa parte por máquinas em grandes plantações. Mas alguns de seus grãos, conhecidos como arábicas não lavados ou “naturais”, não haviam sido usados ​​anteriormente para contratos de café de referência em todo o mundo.

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Agora, os comerciantes globais estão adicionando esses grãos brasileiros cada vez mais saborosos às sacas usadas para fechar esses contratos, disseram cinco comerciantes à Reuters, marcando uma mudança estrutural não reportada anteriormente que deve pesar sobre os preços mundiais do café no longo prazo, afirmaram os traders e outros quatro agentes da indústria.

A Cecafé, associação de exportadores de café do Brasil, confirmou que esses grãos agora estão sendo incluídos nos estoques da bolsa, dizendo que é um reconhecimento por seu sabor e qualidade aprimorados.

A Intercontinental Exchange (ICE) não respondeu ao ser questionada sobre se estava ciente da mudança nos tipos de grãos entregues, mas disse que o processo de classificação da bolsa foi projetado para proteger os padrões.

“Amostras que apresentarem um sabor não lavado serão reprovadas na classificação”, disse a ICE em comunicado.

Embora a notícia possa trazer um alívio bem-vindo aos consumidores preocupados com o sabor que lutam contra a inflação dos preços dos alimentos, ela traz mais tristeza para as fazendas latino-americanas e africanas em dificuldades, onde os cafeeiros crescem em encostas íngremes e sombreadas, inadequadas para máquinas de colheita no estilo brasileiro.

“Estamos em perigo”, disse Dagoberto Suazo, presidente da Central de Cooperativas Cafetaleras em Honduras, questionado pela Reuters sobre o novo empreendimento.

“Os produtores em Honduras são 95% de pequena escala. Não é que vamos desaparecer, mas a pobreza vai aumentar”, disse.

“Se anda como um pato”

O contrato Coffee C Futures na bolsa ICE tradicionalmente reflete o café de qualidade premium, conhecido como arábica lavado por causa de uma técnica que usa água para remover a fruta vermelha do grão.

Os grãos lavados da África, Colômbia, América Central e Peru há muito são valorizados por seu sabor superior. Com o tempo, no entanto, os agricultores brasileiros melhoraram o sabor de seus cafés não lavados e semi-lavados.

No final do ano passado, volumes significativos de variedades não lavadas do Brasil começaram a aparecer junto com variedades semi-lavadas em sacas enviadas à bolsa para que possam ser usadas para liquidar seus contratos, disseram quatro traders. Os comerciantes não quiseram ser identificados, pois não estavam autorizados a falar com a imprensa.

Atualmente, cerca de 30% do estoque aprovado nos armazéns da ICE vem do Brasil, mostram os dados. Os quatro comerciantes estimaram que quase todas essas sacas incluem notas não lavadas, e um comerciante disse que algumas sacas contêm quase totalmente não lavadas.

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Embora os contratos de preços da ICE devam representar o valor dos arábicas de grau premium, suas regras não proíbem expressamente as autoridades de aprovar arábicas não lavados para liquidação de contratos.

Eles simplesmente afirmam que os grãos aprovados devem estar livres de “sabores não lavados”. O café não lavado é assim chamado porque seu fruto é deixado secar inteiro antes que o grão seja extraído.

Dado que os funcionários da ICE aprovam os grãos principalmente com base no sabor, muitas vezes eles não conseguem detectar “sabores não lavados” no melhor dos arábicas do Brasil, especialmente se forem misturados com qualidades premium, disse um especialista do mercado de café da Europa que trabalha para uma importante casa comercial.

“É muito difícil separar um top de linha não lavado de um semi-lavado. Se ele anda como um pato e grasna como um pato, então é um pato”, disse um comerciante global veterano de café, que fica baseado na Suíça.

Marcio Ferreira, presidente da Cecafé, disse que a qualidade e a sustentabilidade de todos os cafés brasileiros vêm melhorando há anos.

“A ICE tem seus padrões estabelecidos para cada origem e cada lote está sujeito à aprovação de qualidade”, disse. “Entendemos que se cada lote tem sua qualidade aprovada… é porque se enquadra nos parâmetros de qualidade estabelecidos”, disse Ferreira.

Ele acrescentou que relativamente pouco café brasileiro acaba nos armazéns da ICE, porque geralmente obtém preços mais altos nos mercados físicos.

A maior parte do arábica certificado pela ICE pertence às principais casas comerciais globais Sucafina e Louis Dreyfus, disseram os cinco traders.

As duas empresas se recusaram a comentar se obtiveram uma mistura de grãos semi-lavados e não lavados certificados pela ICE. Uma fonte da Sucafina disse que só havia enviado café 100% semi-lavado para a bolsa de certificação.

Ameaça latente

A chegada em grande escala de grãos brasileiros aos armazéns da ICE tem sido uma ameaça latente para os produtores de arábica desde 2013, quando a bolsa permitiu pela primeira vez que grãos semi-premium do Brasil fossem usados ​​para liquidar seus contratos de arábica premium.

Esse aumento inicialmente não aconteceu porque não havia muito café premium sobrando, então os comerciantes conseguiram preços mais altos vendendo até grãos semi-premium para torrefadores nos mercados físicos.

A partir de 2020, no entanto, os grãos brasileiros começaram a chegar em massa e, no final de 2022, chegaram apesar do fato de que os tipos semi-premium estavam alcançando preços mais altos nos mercados físicos.

Isso levou alguns comerciantes a suspeitar que grãos não lavados mais baratos foram misturados, disseram três dos comerciantes, acrescentando que confirmaram as suspeitas com colegas no Brasil.

A ICE — um mercado de último recurso onde o excesso de café é garantido para obter um preço — divulga dados diários de estoques sobre quantas sacas de grãos aprovadas para fechar contratos de preço que possui.

Dado que esse registro — visto como um proxy para o excesso de oferta global de café — é visível para todos, os contratos da ICE geralmente ficam sob pressão quando a quantidade de estoque que os apoia aumenta.

“O mercado precisa perceber que podemos ver, (em) anos de superávit, muitos Brasils (de qualidade mista) chegando à bolsa”, disse o especialista europeu do mercado de café.

Estagnado por anos

Apesar de uma população mundial crescente que está cada vez mais interessada em café, especialmente arábicas de qualidade superior, a produção dessa qualidade no principal produtor da América Central está estagnada desde a virada do século.

Grande parte da razão para isso tem a ver com o preço.

De acordo com dados da Reuters, os preços futuros do arábica da ICE eram negociados a cerca de 1,75 dólar por libra no início de 1980, mais de 10% mais alto em termos nominais do que os níveis atuais.

No entanto, ampliando os termos ajustados pela inflação, os preços do café em 1980 eram equivalentes a cerca de 8 dólares por libra — 500% mais altos do que são hoje, de acordo com cálculos da Reuters.

Pequenos agricultores na América Central e além lutam para obter lucro com os preços de hoje, pois carecem de economias de escala para mão-de-obra, mudas, fertilizantes e pesticidas.

Mesmo nos anos em que as margens se movem para território positivo, os volumes produzidos são baixos, de modo que os lucros obtidos com relativamente poucas sacas de café muitas vezes não se traduzem em uma renda digna.

Como resultado, os cafeicultores da América Central muitas vezes se dirigem para a fronteira sul dos Estados Unidos quando suas fortunas afundam por anos sucessivos.

Em Honduras, Pedro Mendoza, presidente do instituto nacional do café IHCAFE, disse que há pouco que possa ser feito na prática para “descomoditizar” a forma como o café global é precificado.

“O setor pode (no final das contas) ficar nas mãos dos grandes produtores”, disse.

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