Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), 77% da energia disponibilizada neste ano vêm das usinas hidrelétricas, uma fonte implementada no Brasil no fim do século 19, época em que eficiência e impacto ambiental eram temas desconexos.
Quando a usina de Marmelos começou a operar, em setembro de 1889, no município de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, não havia sequer conhecimento sobre o que hoje é o conceito de pegada de carbono. O projeto pioneiro – foi a primeira cidade do país a receber uma hidrelétrica de maior porte – surgiu para atender a uma região próspera que precisava se modernizar.
Rústicas aos olhos do século 21, as máquinas usadas na cafeicultura e no setor industrial em crescimento eram movidas a carvão e derivados de petróleo, insumos que elevam os custos de produção. Já as ruas tinham postes com lâmpadas a gás, que exigiam manutenção permanente.
Ou seja: a história da energia limpa no Brasil surge com a busca por eficiência e rentabilidade, fatores fundamentais para o desenvolvimento do setor. A cachoeira de Marmelos, no Rio Paraibuna, abriu caminho para uma das raras histórias em que o Brasil é protagonista global ainda nos dias de hoje.
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Esse protagonismo cresce com a guerra da Ucrânia, cenário que colocou a Europa diante de uma grave crise energética. Na avaliação de José Goldemberg, ex-ministro da Educação e professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), as incertezas com o fornecimento de petróleo e gás e a flutuação dos preços têm levado os países a um novo “nacionalismo energético”, numa tentativa de reduzir as importações.
“É nesse contexto que as energias renováveis contribuem, tendência da qual o Brasil está à frente da Europa”, afirma Goldemberg, que é também consultor da edtech +A Educação.
O professor ressalta a importância de se investir em alternativas renováveis como as fontes eólica e solar, mas destaca que as hidrelétricas manterão o protagonismo. “A energia vinda dessa fonte continuará a dominar a geração de eletricidade no Brasil, com o equivalente a 58% da matriz do país até 2030, segundo o último relatório Global Data, de 2021”, afirma. “Além de ser uma fonte viável e renovável de energia, tem potencial de expansão no Brasil se os cuidados com o meio ambiente forem tomados, evitando problemas como em Belo Monte”, completa Goldemberg.
A menção à usina hidrelétrica de Belo Monte, que afetou os biomas do Médio Xingu, no Pará, é um dos problemas que precisam ser enfrentados para a expansão do sistema de hidrelétricas. As questões envolvidas vão além da ambiental e contemplam os outros dois pilares da agenda ESG: o âmbito social e a governança corporativa.
Esses foram os desafios da gigante global Engie, maior produtora privada de energia elétrica do Brasil, ao implantar o Projeto Novo Estado, sistema de transmissão localizado nos estados do Tocantins e do Pará. Foram investidos R$ 3,2 bilhões e instaladas 3.634 torres ao longo de 1.800 quilômetros que passam por 24 municípios.
Para atender aos preceitos sociais e ambientais, a Engie desenvolveu ações junto às comunidades do entorno, como incentivar o empreendedorismo e apoiar projetos educacionais. A empresa, que é líder em fornecimento de energia renovável no país, afirma ser “referência mundial em energia de baixo carbono e serviços”.
Do ponto de vista da oferta, o Brasil passa por um bom momento, segundo a CCEE. É possível até exportar energia: dos 70 mil MW gerados no primeiro trimestre, 1.445 MW foram fornecidos à Argentina e ao Uruguai. “Chegamos ao fim do período úmido com níveis confortáveis nos reservatórios de água do país e com boa representatividade das fontes alternativas, que ajudam a complementar a oferta de energia”, diz Rui Altieri, presidente da CCEE.
O futuro, no entanto, traz dúvidas. Rica Mello, especialista em gestão de negócios e CEO do Grupo BCBF, acredita que só as hidrelétricas não darão conta de toda a demanda em um cenário que inclui a massificação de carros elétricos, por exemplo.
“Estamos com sobra atualmente porque o Brasil teve um bom investimento de geração de energia hidrelétrica, solar e eólica nos últimos anos, enquanto a demanda não cresceu na mesma velocidade”, afirma Mello. “Houve quase uma década de baixíssimo crescimento e de perda constante do parque industrial, um dos grandes usuários da energia elétrica. Assim que o país voltar a produzir e ter crescimento do PIB, é natural que haja um maior consumo. E a saída para aumentar a capacidade da sua matriz energética será aumentar os projetos e o investimento em pequenas centrais hidrelétricas e em usinas de geração eólica e de energia solar”, completa o especialista.
*Reportagem publicada na Revista Forbes (que pode ser acessada no aplicativo ou no impresso) que integra o Especial ESG na edição 108.
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